Yearly archive for 2009

Cale a boca, farsante

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de fevereiro de 2009

Em entrevista divulgada pela agência Carta Maior, José Luís Del Roio, 65, brasileiro transfigurado em senador na Itália pelo Partido da Refundação Comunista entre 2006 e 2008, protesta contra a insistência do governo italiano em obter a extradição de Cesare Battisti: “O Brasil não pode entregar um homem inofensivo a um governo fascista”, diz ele. Del Roio adverte que o governo Berlusconi está trazendo o fascismo de volta à Itália e tentando criminalizar como terroristas os heróis da luta revolucionária comunista.

A imaginação popular está tão bem adestrada na deformação gramsciana do senso das proporções, que poucas pessoas notam o grotesco da situação quando um comunista adverte contra os perigos do fascismo italiano. Como o leitor pode observar no meu artigo anterior, o regime de Mussolini nem mesmo entra na lista dos poderes genocidas que marcaram o século XX como a etapa mais sangrenta da história humana – lista na qual os governos comunistas da URSS e da China são responsáveis por mais da metade do total dos assassinatos em massa praticados por autoridades estatais contra suas próprias populações civis.

Os comunistas são os mais freqüentes usuários do termo “fascista” para queimar a reputação dos seus adversários, mas eles sabem perfeitamente bem que lhes falta por completo a mais mínima autoridade moral para isso, não só pelo fato de que o uso monstruosamente elástico que dão ao termo acaba por esvaziá-lo de qualquer sentido identificável, rebaixando-o a mera expressão subjetiva de ódios irracionais, mas também porque, comparado aos feitos homicidas do comunismo, o fascismo italiano, por mais repugnante que seja em si mesmo, começa a parecer um hotel de cinco estrelas. A desproporção entre as culpas do acusador e as do acusado é tamanha, que a única resposta cabível ao sr. Del Roio é: Cale a boca, farsante. Todo comunista, e o sr. Del Roio não constitui exceção, é cúmplice moral dos crimes mais hediondos já praticados contra a espécie humana, e está, por definição, excluído do rol das pessoas decentes cuja opinião merece ser ouvida com atenção e respeito.

A distância entre o governo Berlusconi e o fascismo é uma coisa tão óbvia que só uma mente deformada não consegue enxergá-la. Para o sr. Del Roio, porém, o mero sentimento de incomodidade que afeta os italianos quando vêem a imigração usada como instrumento de ocupação cultural já é uma prova inequívoca de “fascismo”. Mas mesmo que o gabinete Berlusconi estivesse repleto de camisas-negras e cantasse “Facceta nera” no início de todas as suas sessões, sua periculosidade seria quase nula em comparação com as tradições que o próprio sr. Del Roio representa. Nessas condições, a simples disposição de discutir as opiniões dessa criatura num jornal respeitável já é, de certo modo, corromper a opinião pública, cegando-a para os verdadeiros termos da equação em jogo. Nenhum comunista tem o direito moral de falar em “liberdade”, “direitos humanos” e coisas dessa ordem – nem mesmo quando, na falsidade geral do quadro que ele impinge ao público, alguns fatos se destacam como verdades isoladas. Mas na entrevista do sr. Del Roio não há nem mesmo verdades isoladas. Ele considera um escândalo, por exemplo, que o governo italiano tente neutralizar velhos conflitos históricos recusando-se a endossar a distinção maniqueísta que transforma todos os fascistas em demônios e todos os partiggiani comunistas em heróis angélicos. Como militantes comunistas, os partiggiani carregavam nas costas mais crimes de assassinatos em massa do que Mussolini ousaria sequer imaginar. Se, no contexto local e momentâneo, lutavam ao lado de democratas sinceros contra um regime autoritário, isto não faz deles “combatentes pela liberdade”, mas apenas aproveitadores que tentaram se utilizar de uma aliança com os democratas para substituir o mero autoritarismo de Mussolini pelo totalitarismo de Stalin. Não há mérito nenhum nisso. Há apenas hipocrisia e cinismo, exatamente como nos terroristas brasileiros pagos e treinados por Fidel Castro para trocar o autoritarismo brando e hesitante dos nossos militares por um regime de feição cubana, com um agente da polícia secreta para cada 28 habitantes.

Quando a agência Carta Maior divulga a entrevista do sr. Del Roio sem dar ao leitor a mínima idéia do contexto histórico em que se inserem as suas palavras, ela faz propaganda comunista e desinformação. Não discuto, por demasiado cínica, a tentativa que o entrevistado faz de classificar o autor de quatro assassinatos como “homem inofensivo”. Nem discuto a comparação que ele monta entre Cesare Battisti e os governantes estrangeiros exilados no Brasil, Marcelo Caetano e Alfredo Stroessner. No caso deste último, a comparação, embora juridicamente despropositada, é quase justa do ponto de vista moral. No de Marcelo Caetano, que jamais foi um ditador, mas apenas herdeiro acidental de uma ditadura que ele tentou abrandar por todos os meios, é totalmente absurda. Mas, nos dois casos, equalizar chefes de Estado com um assassino já condenado pela justiça é obviamente capcioso. Nenhum desses dois políticos estava condenado com sentença transitada em julgado, que é precisamente o caso de Battisti – um homem que seus próprios companheiros de militância repelem como assassino feroz indigno de piedade.

No mesmo momento em que a Carta Maior espalha a mensagem do sr. Del Roio como se fosse uma defesa sincera dos direitos humanos, começa em Phnom Penh o primeiro julgamento de um genocida comunista – um dos líderes do Khmer Vermelho –, com meio século de atraso e sem a mais mínima repercussão na mídia internacional. O esforço pertinaz da classe jornalística em toda a parte para ocultar os crimes comunistas sob espantalhos de ocasião como o fascismo italiano ou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet é, em si mesma, um crime contra a humanidade. Mas esse crime já se tornou tão rotineiro que já ninguém mais o percebe como tal.

Por que não sou um fã de Charles Darwin

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009

As festividades bilionárias em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Charles Darwin tornam momentaneamente invisíveis alguns fatos essenciais da vida e da obra desse homem de ciência.

Desde logo, Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô, Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis espalhadas nos livros de Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino e Goethe, entre outros.

Tudo o que ele fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria – e a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda, o chamado “neodarwinismo”, proclama que, em vez de uma seleção misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural, racionalmente expressável. O darwinismo é uma idéia escorregadia e proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente: tão logo espremido contra a parede por uma nova objeção, ele não se defende – muda de identidade e sai cantando vitória. Muitas teorias idolatradas pelos modernos fazem isso, mas o darwinismo é a única que teve a cara de pau de transformar-se na sua contrária e continuar proclamando que ainda é a mesma.

Todos os celebrantes do ritual darwiniano, neodarwinistas inclusos, rejeitam como pseudocientífica a teoria do “design inteligente”. Mas quem inventou essa teoria foi o próprio Charles Darwin. Isso fica muito claro nos parágrafos finais de A Origem das Espécies, que na minha remota adolescência li de cabo a rabo com um enorme encantamento e que fez de mim um darwinista, fanático ao ponto de colocar o retrato do autor na parede do meu quarto, rodeado de dinossauros (só agora compreendo que ele é um deles). Agora, graças à amabilidade de um leitor, tomei conhecimento dos estudos desenvolvidos por John Angus Campbell sobre a “retórica das ciências”. Ele estuda os livros científicos sob o ponto de vista da sua estratégia de persuasão. Num vídeo fascinante que vocês podem ver em http://www.youtube.com/watch?v=_esXHcinOdA, ele demonstra que o “design inteligente” não é apenas um complemento final da teoria darwinista, mas a sua premissa fundamental, espalhada discretamente por todo edifício argumentativo de A Origem das Espécies. O “design inteligente” é, portanto, a única parcela da teoria darwiniana que ainda tem defensores: e estes são os piores inimigos do darwinismo.

É certamente um paradoxo que o inventor de uma explicação falsa para uma teoria preexistente seja celebrado como criador dessa teoria, porém um paradoxo ainda maior é que a premissa fundante da argumentação darwiniana seja repelida como a negação mesma do darwinismo.

Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução “foi usada” para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era. Leiam estes parágrafos de Charles Darwin e digam com honestidade se o racismo e a apologia do genocídio tiveram de ser enxertados a posteriori numa teoria inocente:

“Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos… serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.”

Imaginem, durante as eleições americanas, a campanha de John McCain proclamar que Barack Hussein Obama estava mais próximo do gorila do que o candidato republicano!

Tem mais: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”

Para completar, um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis:

“Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento… Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.”

Notem bem: não sou contra a hipótese evolucionista. Do que tenho observado até hoje, devo concluir que sou o único ser humano, no meu círculo de relações próximas e distantes, que não tem a menor idéia de se a evolução aconteceu ou não aconteceu. Todo mundo tem alguma crença a respeito, e parece disposto a matar e morrer por ela. Eu não tenho nenhuma.

No entanto, minha abstinência de opiniões a respeito de uma questão que considero insolúvel não me proíbe de notar a absurdidade das opiniões de quem tenha alguma. Há muito tempo já compreendi que os cientistas são ainda menos dignos de confiança do que os políticos, e os paradoxos da fama de Charles Darwin não fazem senão confirmá-lo. Meus instintos malignos impelem-me a pegar os darwinistas pela goela e perguntar-lhes:

– Por que tanta onda em torno de Charles Darwin? Ele inventou o “design inteligente”, que vocês odeiam, e a seleção natural, que vocês dizem que é falsa. Ele pregou abertamente o racismo e o genocídio, que vocês dizem abominar. Para celebrá-lo, vocês têm de criar do nada um personagem fictício que é o contrário do que ele foi historicamente. Não vêem que tudo isso é uma palhaçada?

Why I am not a fan of Charles Darwin

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, February 20, 2009

The billionaire festivities commemorating the 200th anniversary of Charles Darwin’s birth make some essential facts about the life and works of this man of science momentarily invisible.

To begin with, Darwin did not invent the theory of evolution: He found it ready-made, under the form of an esoteric doctrine, in the work of his own grandfather, Erasmus Darwin, and as a scientific hypothesis in innumerable mentions scattered in books by Aristotle, Saint Augustine, Saint Thomas Aquinas, and Goethe, among others.

All he did was to venture a new explanation for that theory—and his explanation was wrong. No one else, among the self-proclaimed Darwin’s disciples, believes in “natural selection.” The theory in vogue, the so-called neo-Darwinism, proclaims that, instead of a selection mysteriously oriented toward the improvement of the species, all that happened were random changes. As far as I know, mere chance is precisely the opposite of a rationally expressible regularity founded on natural law. Darwinism is a slippery and proteiform idea, with which one cannot seriously discuss: as soon as it is pushed against a wall by a new objection, it does not defend itself—it changes its identity and walks away crowing about victory. Many theories worshipped by the moderns do this, but Darwinism is the only one that is barefaced enough to transform itself into its contrary and go on proclaiming it is still the same.

All the celebrants of the Darwinian ritual, the new-Darwinists inclusive, reject as pseudoscientific the theory of “intelligent design.” But it was Charles Darwin himself who made up this theory. It becomes very clear in the final paragraphs of The Origin of Species, which I read from cover to cover in my teenage years with so much enchantment and which made me a fanatic Darwinist, to the point that I hung a picture of the author on my bedroom wall, surrounded by dinosaurs (only now I realize that he is one of them). Now, thanks to the kindness of a reader, I got acquainted with the studies of John Angus Campbell on the “rhetoric of science.” He studies scientific books from the vantage point of their strategy of persuasion. In a fascinating video that you can see at http://www.youtube.com/watch?v=_esXHcinOdA, he demonstrates that “intelligent design” is not only the final touch of the Darwinist theory, but also its fundamental premise, discreetly spread throughout the whole argumentative edifice of The Origin of Species. “Intelligent design” is therefore the only part of the Darwinian theory that still has advocates: and those are the worst enemies of Darwinism.

It is certainly a paradox that the author of a false explanation for a preexistent theory should be celebrated as the creator of this theory, though an even greater paradox is that the founding premise of the Darwinian argument should be repelled as the very denial of Darwinism.

Purely farcical, however, is the general attempt to camouflage the genocidal ideology that is embedded in the very internal logic of the theory of evolution. When the apologists of the British scientist acknowledge, against their will, that evolution was “used” to legitimize racism and mass murders, they do so with a monstrous hypocrisy. Darwinism is genocidal by itself, from its very roots. It did not have to be deformed by disloyal disciples to become something it was not. Just read the following paragraphs by Charles Darwin and tell me honestly whether racism and apology of genocide had to be grafted onto an innocent theory afterwards:

“At some future period, not very distant as measured by centuries, the civilized races of man will almost certainly exterminate, and replace, the savage races throughout the world. At the same time the anthropomorphous apes. . . will no doubt be exterminated. The break between man and his nearest allies will then be wider, for it will intervene between man in a more civilized state, as we may hope, even than the Caucasian, and some ape as low as a baboon, instead of as now between the negro or Australian and the gorilla”

Imagine if, during the American presidential elections, John McCain’s campaign declared that Barack Hussein Obama was closer to the gorilla than the republican candidate!

And there is more: “Looking to the world at no very distant date, what an endless number of the lower races will have been eliminated by the higher civilized races throughout the world!”

To finish the point, an unequivocal appeal to the extermination of the undesirable:

“With savages, the weak in body or mind are soon eliminated; and those that survive commonly exhibit a vigorous state of health. We civilized men, on the other hand, do our utmost to check the process of elimination. We build asylums for the imbecile, the maimed and the sick; we institute poor-laws; and our medical men exert their utmost skill to save the life of every one to the last moment. There is reason to believe that vaccination has preserved thousands, who from a weak constitution would formerly have succumbed to smallpox. Thus the weak members of civilized societies propagate their kind. No one who has attended to the breeding of domestic animals will doubt that this must be highly injurious to the race of man. It is surprising how soon a want of care, or care wrongly directed, leads to the degeneration of a domestic race; but excepting in the case of man himself, hardly anyone is so ignorant as to allow his worst animals to breed.”

Notice well: I am not against the evolutionist hypothesis. From what I have observed thus far, I must conclude that I am the only human being, in my inner and outer circle, who does not have the least idea whether evolution happened or not. Everyone has beliefs about it and seems willing to die or kill for them. I have none.

However, my abstinence from opinion with regard to a problem that I consider unsolvable does not forbid me to perceive the absurdity of the opinions of those who hold one. I understood a long time ago that scientists are even less trustworthy than politicians, and the paradoxes of Charles Darwin’s fame do nothing but confirm it. My malign instincts compel me to grab Darwinists by the throat and ask them:

“Why so much fuss about Charles Darwin? He invented “intelligent design”, which you hate, and natural selection, which you say is false. He overtly preached racism and genocide, which you proclaim to abhor. To celebrate him, you must create out of nothing a fictitious character that is the opposite of whom he was historically. Can’t you see that all of this is just buffoonery?”

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