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Meditação do Dia de Ação de Graças

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 28 de novembro de 2008

O Dia de Ação de Graças, que se festeja desde o século XVI mas foi instituído como data oficial por George Washington, é um dos últimos motivos remanescentes para os EUA não se tornarem de vez uma nação de meninos mimados odientos, empenhados em vingar-se de seus benfeitores. Malgrado as tentativas de inocular neles a amargura e a revolta, em geral os americanos continuam gratos de viver num país tão rico e generoso, de modo que em seus corações o sentimento de amor a Deus se mescla indissoluvelmente com o amor à pátria. Nos EUA, é às vezes difícil saber onde termina a religião e onde começa o civismo. Instituindo o Thanksgiving Day em 3 de outubro de 1789, George Washington escreveu: “É dever de todas as nações reconhecer a providência de Deus Todo-Poderoso, obedecer à Sua vontade, ser gratas aos Seus benefícios e humildemente implorar Sua proteção e favor.” Essas palavras já respondiam antecipadamente àqueles que negam a origem judaico-cristã das instituições políticas americanas.

Como alguns amigos americanos me pediram que celebrasse o Thanksgiving com eles escrevendo umas linhas sobre o sentimento de gratidão, decidi tomar como ponto de partida o que pode haver de menos cristão ou judaico: as idéias do filósofo Peter Singer, o professor de Princeton que não vê grande diferença entre matar uma galinha para comê-la e estrangular um bebê para jogá-lo no lixo.

A ética do prof. Singer é baseada num conjunto de argumentos bem simples e razoáveis:

1. Causar sofrimento é induscutivelmente um mal.

2. Causamos necessariamente sofrimento aos animais quando os matamos e comemos.

3. Não há nenhuma prova de que a sobrevivência de um animal à custa do sofrimento de outro seja um bem.

4. Vivemos, portanto, do mal, sobretudo quando pretendemos ver na nossa própria sobrevivência à custa dos outros um bem.

5. Se somarmos ao sofrimento que causamos ao reino animal o mal que nos infligimos uns aos outros desde a origem dos tempos, veremos que o mal impera no mundo em quantidades tais que não sobra nenhuma razão plausível para supor que um Deus bom tenha criado tudo isso.

À primeira vista, não há como refutar esses argumentos. Ao contrário, tudo o que podemos fazer é aceitá-los e prosseguir raciocinando com base neles, em busca de uma ética que não feche os olhos à dura realidade que eles expressam.

Desde logo, não há nenhuma prova de que os vegetais não sofram tanto quanto os animais quando os arrancamos do solo, cortamos, assamos e comemos. Desde a publicação de The Secret Life of Plants de Peter Tompkins e Christopher Bird em 1973, até o estudo mais recente de Anthony Trewavas, “Green plants as intelligent organisms” (2005), têm-se acumulado indícios de que as plantas possuem algumas habilidades cognitivas e afetivas. É verdade que nem toda a comunidade científica aceita essas provas, mas o simples fato de que a discussão se arraste sem conclusões unânimes nos impõe por sua vez a conclusão de que seria uma temeridade afirmar, sem mais, que comer vegetais é um ato moralmente inofensivo.

Muito menos existem provas de que alimentar-se exclusivamente de vegetais torna os seres humanos melhores ou menos violentos. Adolf Hitler era vegetariano, e a história da mais vegetariana das civilizações, a indiana, é um cortejo de horrores que prossegue no século XX com o massacre de muçulmanos pelos hindus quando da independência da Índia e com a matança sistemática de cristãos hoje em dia.

De um ponto de vista singeriano, portanto, nenhum ser vivo – animal ou vegetal – pode moralmente ser trucidado e comido pelas criaturas humanas. Isso equivale a afirmar que comer, no sentido mais geral da palavra, é um pecado e um crime. Mas, se todo mundo houvesse se refreado de cometer esse crime desde o começo da história humana, não haveria história humana nenhuma e não estaríamos aqui discutindo esse adorável assunto. A conclusão inapelável que se segue é que, no sentido mais geral, a vida humana é um pecado e um crime – conclusão que a própria Bíblia subscreve sob o nome de “a Queda”.

Não há, pois, uma oposição formal entre o cristianismo e as idéias do prof. Singer. O que há é uma diferença de escala, pois o prof. Singer baseia toda a sua ética na observação do que se passa no mundo material submetido a determinações quantitativas, entre as quais a necessidade de alimentos, ao passo que a Bíblia inclui a totalidade desse mundo no quadro imensuravelmente maior da infinitude divina.

Não é preciso ser muito inteligente para compreender que tudo aquilo que é quantitativo e finito, ainda que imensamente grande, está contido no infinito como um grão de areia no fundo do oceano. O infinito não tem limitações de espécie alguma e é, ao mesmo tempo, a única coisa que tem de existir necessariamente. Pretender que o universo quantitativo e finito seja a medida última da realidade é autocontraditório, pois uma coisa só termina onde faz fronteira com outra, de modo que a idéia mesma de finitude supõe a existência do infinito para além do finito. O universo finito está submetido à Segunda Lei da Termodinâmica, ou entropia, não tendo como subsistir se não for continuamente realimentado e regenerado pelo infinito. Mais ainda, o infinito não pode nem mesmo ser considerado só do ponto de vista quantitativo, pois a quantidade é em si mesma uma limitação. O infinito transcende todas as determinações quantitativas e só pode ser concebido como uma pletora de qualidades positivas ilimitadas, o Supremo Bem de que falava Platão. Nenhum argumento racionalmente defensável pode ser apresentado contra a existência do Supremo Bem, pois todos resultam em atribuir infinitude àquilo que eles mesmos admitem como finito. O Supremo Bem é, ao mesmo tempo, a Suprema Realidade.

Vistos na escala do infinito, todos os males do mundo finito, por imensos que sejam, são anulados no mesmo instante. Não se pode conceber uma única privação ou limitação que, na escala do infinito, não esteja compensada automaticamente pela profusão ilimitada das qualidades correspondentes.

A Bíblia descreve a Queda, precisamente, como o instante em que os seres humanos perderam de vista a escala da infinitude, passando a considerar o mundo finito como o horizonte último da realidade e, por isso mesmo, as coisas finitas como o objeto exclusivo dos seus desejos. As constantes menções pejorativas do discurso religioso aos “desejos carnais” evocam popularmente a atração entre os sexos, mas essa atração não pode ser boa nem má em si mesma, pois ela tanto pode significar a obsessão pela posse sexual de um corpo determinado quanto a abertura para o desejo do amor infinito por trás da sua concretização temporária na afeição entre dois seres humanos. Segundo o clássico Dicionário Etimológico de Ernout e Meillet, a palavra “carne”, do latim caro, vem de uma raiz osco-úmbria que significa “cortar” ou “fazer em partes”, a qual subsiste de maneira mais clara no grego karenai, no irlandês scaraim e no lituano skiriu, todos com o sentido de “cortar” ou “separar”, bem como no próprio latim curtus, que originou os termos portugueses “cortar”, “curto” e, por fim “castrar”. O desejo carnal que a Bíblia condena é a afeição hipnótica pelo bem terreno amputado, cortado, separado da sua raiz na infinitude. É o desejo cego de uma coisa ilusória que só pode resultar, por sua vez, na separação entre a consciência humana e o fundo divino da realidade – um fenômeno que condensa em si as características de alienação, ou afastamento, e de castração ou autocastração espiritual. A castração consiste na perda da capacidade gerativa, portanto também regenerativa. Na escala do infinito, tudo aquilo que é consumido, perdido, extinto ou gasto no domínio da matéria e do tempo é instantaneamente reconquistado e recriado na eternidade. A eternidade é a infinita regeneração de tudo. Tudo aquilo que entrou na existência por um momento, ainda que brevíssimo, não pode nem voltar a existir no tempo nem desaparecer da eternidade: o que um dia foi “ser”, não pode voltar ao “nada”, porque o nada nunca foi. Considerado no entanto em si mesmo, separado do infinito, o mundo finito é o mundo da contínua extinção, o mundo da entropia. A castração espiritual consiste em perder o sentido da regeneração perpétua, por meio do corte entre o finito e o infinito – a prisão no mundo da “carne”. Nesse mundo, um simples pé de alface que você coma é uma perda irreparável. Bilhões de galinhas, carneiros, vacas e porcos sacrificados em vão na mesa da espécie humana são provas sangrentas da universalidade do mal e do absurdo.

O prof. Singer tem toda a razão no que concerne ao mundo finito. Mas, curiosamente, em vez de voltar-se em seguida com gratidão para o infinito que tudo cura e regenera, ele usa o mal do mundo finito como prova da inexistência do infinito. Isto não faz sentido, já que o finito não pode sequer ser concebido em si mesmo como totalidade sem referência ao infinito. Quer dizer: o prof. Singer condena o mundo finito no instante mesmo em que o glorifica como realidade última, suprimindo o infinito. Mas, como vimos, é essa mesma supressão que torna o mundo finito mau e insuportável, uma imagem do inferno. O prof. Singer tranca-nos no inferno e depois nos acusa de viver no inferno.

Seus argumentos contra o mundo finito são verdadeiros, mas, na escala do infinito, tornam-se banais e irrelevantes. Nossa existência só tem sentido e valor quando reconhecemos a limitação do finito e, erguendo os olhos ao infinito, admitimos que essas limitações são também limitadas, passageiras e, em termos absolutos, ilusórias: só a infinitude divina é real de pleno direito – e é ela que torna a nossa vida possível, suportável e cheia de sentido, ao contrário do festival macabro de interdevoração que nos descreve o Prof. Singer. O sentimento de gratidão à infinitude divina não é um ritual religioso, embora possa sê-lo também: ele é, na base, a única atitude sensata dos seres humanos que reconhecem a estrutura da realidade e não se deixam hipnotizar por pesadelos demoníacos, mesmo que venham de Princeton. Dar graças ao Senhor é obrigação de todas as criaturas pensantes e de todas as nações.

A Thanksgiving meditation

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, November 28, 2008

Thanksgiving Day—which has been celebrated since the sixteenth century, but was only proclaimed as an official holiday by George Washington—is one of the last remaining motives for the United States not to become a nation of hateful spoiled brats striving for revenge against their benefactors. Notwithstanding the attempts to inoculate them with bitterness and revolt, in general, Americans continue to be grateful for living in such a rich and generous country, so that in their hearts the love of God is indissolubly mingled with love of country. In the United States it is sometimes hard to know where religion ends and civism begins. Upon proclaiming Thanksgiving Day on October 3, 1789, George Washington wrote, “It is the duty of all nations to acknowledge the providence of Almighty God, to obey His will, to be grateful for His benefits, and humbly to implore His protection and favor.” These words already answered in advance those who deny the Judeo-Christian origin of American political institutions.

As some American friends have asked me to celebrate Thanksgiving with them by writing a few lines on the sentiment of gratitude, I decided to take as a starting point something which is the least Christian and Jewish I could find: the ideas of the philosopher Peter Singer, a Princeton professor who does not see much difference between killing a chicken to eat it and strangling a baby to throw him in the trash.
Professor Singer’s ethics is based upon a set of quite simple and reasonable arguments:
1. To cause suffering is indisputably an evil.
2. We necessarily cause suffering to animals when we kill and eat them.
3. There is no proof that the survival of one animal at the expense of the suffering of another is a good.
4. We therefore live by evil, especially when we intend to see a good in our own survival at the expense of others.
5. If we add up to the suffering we cause to the animal kingdom the evil we have inflicted upon one another since the origin of time, we will see that evil prevails in the world to such an extent that there remains no plausible reason for us to suppose that a good God has created all this.

At first sight, there is no way to refute these arguments. On the contrary, all we can do is accept them and continue to reason based on them, searching for an ethics that does not close its eyes to the hard reality they express.

To begin with, there is no proof that vegetables do not suffer as much as animals when we pull them off the ground, and then cut, cook, and eat them. Since the publication of The Secret Life of Plants by Peter Tompkins and Christopher Bird in 1973, until the more recent study by Anthony Trewavas, Green Plants as Intelligent Organisms (2005), evidence has accumulated suggesting that plants possess some cognitive and affective ability. It is true that not everyone in the scientific community accepts these proofs, but the simple fact that the discussion drags on without arriving at a unanimous conclusion imposes on us, in turn, the conclusion that it would be reckless to affirm simply that eating vegetables is a morally inoffensive act.

Even less proof exists that eating exclusively vegetables makes human beings better or less violent. Adolf Hitler was a vegetarian, and the history of the most vegetarian of civilizations, India, is a procession of horrors that continued in the twentieth century, with the massacre of Muslims by Hindus on the occasion of the independence of India, and continues to this day with the systematic slaughter of Christians.

Therefore, there is no formal opposition between Christianity and Professor Singer’s ideas. But there is a difference of scale, for Professor Singer bases all his ethics upon the observation of what goes on in the material world subjected to quantitative determinations, among which the need for food, whereas the Bible includes the totality of this world in the immeasurably larger picture of the divine infinitude.

From a Singerian point of view, therefore, no living being—animal or vegetable—can be murdered and eaten by human creatures in a moral manner. This amounts to stating that eating, in the most general sense, is a sin and a crime. Yet, if everyone had refrained from committing this crime since the beginning of human history, there would be no human history at all, and we would not be here discussing this lovely subject. The indisputable conclusion that follows is that, in the most general sense, human life is a sin and a crime—a conclusion endorsed by the Bible itself under the name “the Fall.”

It is not necessary to be very intelligent to understand that everything that is quantitative and finite, even if immensely large, is contained in the infinite as a grain of sand at the bottom of the ocean. Infinity has no limitation whatsoever and is, at the same time, the only thing that has to exist necessarily. To claim that the quantitative and finite universe is the ultimate measure of reality is self-contradictory, for one thing only ends where it borders another, so that the very idea of finitude presupposes the existence of the infinite beyond the finite. The finite universe is submitted to the second law of thermodynamics, or entropy, and is not able to survive if it is not continuously re-nourished and regenerated by infinity. Moreover, infinity cannot even be considered exclusively from a quantitative point of view, for quantity is in itself a limitation. Infinity transcends every quantitative determination and can only be conceived as a plethora of unlimited positive qualities, the Supreme Good that Plato spoke of. No rationally defensible argument can be put forward against the existence of the Supreme Good, for all the arguments end up attributing infinity to what they themselves admit as being finite. The Supreme Good is, at the same time, the Supreme Reality.

Seen on the scale of infinity, all the evils of the finite world, immense as they may be, are instantly annulled. It is not possible to conceive a single deprivation or limitation that, on the scale of infinity, is not automatically compensated by the unlimited profusion of its corresponding qualities.

The Bible describes the Fall precisely as the instant when human beings lost sight of the scale of infinity, coming to consider the finite world as the ultimate horizon of reality and, for this very reason, finite things as the exclusive object of their desires. The constant pejorative mention of “carnal desires” by religious discourse popularly evokes the attraction between the sexes, but this attraction cannot be good or evil in itself, for it may signify both the obsession with sexual possession of a determinate body and an openness to the desire for the infinite love behind its temporary actualization in the affection between two human beings. According to Ernout and Meillet’s classical etymological dictionary, the word “carnal,” from the Latin caro, comes from an Osco-Umbrian stem meaning “to cut,” or “to turn into pieces,” which subsists more clearly in the Greek karenai, in the Irish scraim, and in the Lithuanian skiriu, all of them meaning “to cut,” or “to separate,” as well as in the Latin curtus itself, which originated the Portuguese verbs cortar, “to cut,” curto, “short,” and lastly castrar, “to castrate.” The carnal desire condemned by the Bible is the hypnotic affection for earthly goods amputated, cut off, separated from their root in infinity. It is the blind desire for something illusory that, in turn, can only result in the separation of human conscience from the divine ground of reality—a phenomenon which concentrates in itself the characteristics of alienation, severance, and spiritual castration or self-castration. Castration consists in the loss of the generative capacity, which is therefore regenerative as well. On the scale of infinity, everything that is consumed, lost, extinct, or spent in the realm of matter and time is instantaneously regained and recreated in eternity. Eternity is the infinite regeneration of everything. Everything that entered into existence for a single moment, as fleeting as it may be, can neither come to exist again in time nor disappear from eternity: what once was “being” cannot return to “nothingness,” because nothingness never was. Considered in itself, separated from infinity, the finite world is the world of continuous extinction, the world of entropy. Spiritual castration consists in losing the sense of perpetual regeneration through a cut between the finite and infinity—the prison in the “carnal” world. In this world, a simple head of lettuce that you may eat is an irreparable loss. Billions of chickens, sheep, cows, and pigs sacrificed in vain on the table of the human species are bloody proofs of the universality of evil and of absurdity.

Professor Singer is totally right in that which concerns the finite world. But curiously, instead of turning gratefully to the infinity that heals and regenerates all, he uses the evil of the finite world as proof of the inexistence of infinity. This does not make sense, since the finite cannot even be conceived in itself as a totality without reference to infinity. This means that Professor Singer condemns the finite world in the very instant that he glorifies it as the ultimate reality, suppressing infinity. But as we have seen, it is this very suppression that makes the finite world evil and unbearable, an image of hell. Professor Singer locks us in hell and then accuses us of living in hell. His arguments against the finite world are true, but on the scale of infinity, they become trite and irrelevant. Our existence only has meaning and value when we recognize the limitations of finitude and, raising our eyes to the infinite, we admit that these limitations are also limited, fleeting, and, in absolute terms, illusory: only divine infinity is truly real. It is divine infinity that makes our life possible, bearable, and full of meaning, unlike the macabre festival of inter-devourment that Professor Singer depicts for us. The sentiment of gratitude toward divine infinity is not a religious ritual, though it can also be one: it is at its basis the only sensible attitude of human beings who recognize the structure of reality and do not let themselves be hypnotized by demonic nightmares, even if they come from Princeton. To give thanks to the Lord is the obligation of all thinking creatures and of all nations.

 

Revised by Alessandro Cota

Queda-de-braço

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 27 de novembro de 2008

Joseph Farah, o editor do WorldNetDaily, diz que só três razões podem explicar a operação-sumiço montada para sonegar ao público os documentos de Barack Hussein Obama: ou o sujeito nasceu mesmo no Quênia e não quer confessar que é inelegível, ou tem alguma outra coisa a esconder, ou o que pretende é vergar a espinha da nação americana, mostrando aos quatro ventos que ele, o ungido do destino, está acima da Constituição, das leis, do direito à informação e da honra nacional. Para mim, está claro que esta última hipótese, independentemente da veracidade ou não das outras duas, não é uma hipótese: é uma certeza absoluta. Ela não expressa o que Obama “pretende” fazer, mas o que ele já está fazendo. Apresentar-se em público com uma biografia cheia de inconsistências e recusar sobranceiramente qualquer explicação, qualquer prova, qualquer documento, já é um exagero de petulância como raramente se viu. Se Obama fizesse isso tão-somente como escritor ou como figura do show business, já seria um caso de autolatria megalômana pelo menos inquietante. Mas fazê-lo no instante mesmo em que postula o cargo máximo, extorquindo do eleitorado um voto de confiança baseado na fé cega, isto a mera demência não explica. Há aí um plano, um método, um maquiavelismo embutido.

Se as metas declaradas da presidência Obama são nebulosas e contraditórias, a lógica tácita das suas ações é bem nítida, e mais evidente ainda se torna com a presença maciça de clintonistas na sua equipe de governo. Trata-se de prosseguir fielmente a obra destrutiva de Bill Clinton, inspirada na fórmula de Scott Talbot: fomentar com dinheiro dos contribuintes americanos o crescimento de potências concorrentes e debilitar o poder militar, econômico e diplomático dos EUA, vendendo a rendição ao “multilateralismo” como se fosse coisa do mais alto interesse nacional, ao mesmo tempo que, na política interna, se aumenta o controle do Estado sobre a vida dos cidadãos e se diluem as defesas culturais do país numa poção alucinógena feita de lixo politicamente correto.

O maior obstáculo à dócil inserção dos EUA na nova ordem globalista é a Constituição americana. Por isso tipos como Obama ou Al Gore jamais falam dela sem rosnar entre dentes e deixar entrever sua intenção de fazê-la em pedaços. Mas mudar a Constituição, sem mais nem menos, seria uma temeridade. É preciso criar a atmosfera cultural e psicológica que torne a mudança aceitável. O método clássico de fazer isso é impor a desobediência ostensiva como rotina banalizada, desde as classes altas, dessensibilizando o público mediante a negação peremptória de que algo de anormal esteja acontecendo. É precisamente o que o Partido Democrata fez ao longo de toda a campanha. Por essa razão antevi que, mesmo se perdesse as eleições, Obama sairia vencedor na queda-de-braço com a Constituição: imunizado pela chantagem racial e pela adulação descarada da mídia, ele não apenas foi dispensado do mínimo de transparência a que nenhum candidato antes dele ousara se furtar, mas até a cobrança trivial de uma prova de identidade da sua parte passou a ser tratada como um insulto racista e um sintoma de paranóia, enquanto seus opositores, culpados até prova em contrário, eram forçados a explicar-se, com testemunhas e documentos, até sobre detalhes irrisórios da sua vida pessoal. A campanha de Obama acanalhou e corrompeu o sistema eleitoral americano a tal ponto que os próprios conservadores, temerosos de admitir a realidade do descalabro, viraram os olhos e sacramentaram por omissão a normalidade do absurdo. Enquanto discutiam as propostas e perigos de uma possível presidência Obama, tornaram-se cegos para a conduta presente do candidato, que, sem palavras, já punha essas propostas em execução com uma prepotência avassaladora e uma força irreversível. Quando a fé na solidez das instituições se torna um pretexto para não defendê-las do perigo real e imediato, é precisamente porque essa solidez já não existe senão como pretexto.

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