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Debate: Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

Leader (Porto Alegre), Nº21 – 25 de dezembro de 2001

Sim

Ascetas do mal

Olavo de Carvalho

Enquanto heróis da saga revolucionária, Che Guevara e Osama bin Laden assemelham-se em pelo menos um ponto essencial, no qual sua auto-imagem se confunde com sua imagem pública. Quero dizer que algo que eles acreditam piamente de si mesmos coincide com algo que sua platéia acredita piamente a respeito deles. Como todas as vidas de revolucionários modernos, sem exceção, as desses dois compõem-se essencialmente de um auto-engano pessoal transfigurado em lenda mundial pelo efeito amplificador da propaganda, seja a propaganda organizada da esquerda militante, seja a propaganda informal da mídia simpática.

A crença pessoal a que me refiro — e que ambos expressaram abundantemente, por atos e palavras, não se tratando aqui de uma “interpretação” minha, mas da simples constatação de um fato — é a seguinte: exatamente como os heréticos da seita do “Livre Espírito” estudados por Norman Cohn em “The Pursuit of the Millennium”, um e outro acreditam-se tão profundamente, tão essencialmente identificados a uma causa superiormente justa e nobre, que mesmo seus pecados mais flagrantes e seus crimes mais hediondos lhes parecem resgatados, de antemão, pela unção incondicional de uma divindade legitimadora. Pouco importa que essa divindade seja, num deles, só informalmente teológica (a História, o Progresso, a Revolução), e só no outro expressamente teológica. Em ambos os casos há o apelo a uma fonte suprema da autoridade, que consagra o mal como bem.

Mas não é que se coloquem acima do bem e do mal, no sentido da amoralidade aristocrática do super-homem de Nietzsche ou do “amoralista” de Gide. Ao contrário: identificaram-se de tal modo com o que lhes parece o bem, que mesmo o mal que praticam se transfigura, a seus olhos, automaticamente em bem. Atingiram, enfim, a seus próprios olhos, o estágio divino da impecância essencial.

Daí que, neles, a total falta de escrúpulos e a prática costumeira da violência criminosa coexistam sem maiores problemas com uma fé perfeitamente sincera na própria bondade, santidade até — implícita em Guevara, ostensiva em Osama.

E nada de confundi-los, por favor, com o farsante vulgar, o santarrão de opereta. Este é cômico porque nele os traços incompatíveis são mantidos juntos pela solda bem frágil da hipocrisia. No fundo ele tem consciência da sua falsidade e, pego de jeito, pode ser desmascarado perante si mesmo. No herói revolucionário, a mentira existencial tomou por completo o lugar da consciência, numa espécie de sacrifício ascético. A divindade macabra ante cujo altar se consuma esse sacrifício responde então ao postulante: ao contrário do mentiroso comum, que se enfraquece pela falsidade da sua posição, o asceta do mal ganha redobrado vigor a cada nova abjuração da verdade, tornando-se, no cume da sua anti-realização espiritual, capaz de projetar hipnoticamente sua imagem sobre as multidões.

Daí uma segunda semelhança: no paroxismo do culto idolátrico, militantes e simpatizantes chegam a ver em seus ídolos presenças divinas ou ao menos proféticas. Expressando uma convicção coletiva bem disseminada hoje em dia, Frei Betto nivelou ostensivamente Che Guevara a Jesus Cristo, e Arnaldo Jabor denominou Osama de Maomé II.

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Não

Entre um revolucionário e um terrorista só há uma possibilidade: a diferença!

Jussara Cony

Deputada Estadual pelo PC do B / RS

Analisar o cenário geoestratégico mundial sob a ótica de uma pretensa semelhança entre Che Guevara, um revolucionário e Osama Bin Laden, um terrorista, abstrairia as circunstâncias históricas em que estariam se processando as modificações econômicas, políticas, sociais, culturais e militares, em suas épocas respectivas.

Che Guevara foi um humanista, um homem que dedicou sua vida, exterminada pela CIA, à libertação dos povos. Foi cria da consciência política formada, no seu tempo histórico, da necessidade de construção de estados-nações soberanos. É, hoje, uma referência internacionalista, respeitada e admirada por todos que almejam a construção de um mundo com desenvolvimento, igualdade e paz.

Osama Bin Laden, na irracionalidade de seu terrorismo é, inclusive, inseparável da irracionalidade da política imperial dos Estados Unidos. Aliás, existe entre os dois uma relação causa-efeito. É cria da política belicista, militar e imperialista norte-americana. Aliás, a Aliança do Norte de hoje é o que resta das antigas Sete Organizações Semitas cujas tropas foram armadas, treinadas e financiadas pelos Estados Unidos antes que Washington transferisse seu apoio para os talibãs do Mulá Mohamed Omar, o que mostra que os grupos fundamentalistas afegãos são olhados pela Casa Branca, alternadamente, como aliados e democratas ou inimigos e terroristas, dependendo das circunstâncias.

Portanto, um Che Guevara é conseqüência das lutas dos povos por libertação, um revolucionário na concepção e na essência do seu significado! Um Osama Bin Laden é conseqüência não só do fundamentalismo islâmico mas do jogo sinuoso de um império por seus interesses estratégicos! Nas circunstâncias históricas, Che ajudou a criar um contraponto ao império; Osama é o exemplo vivo da criatura voltando-se contra o criador: o mesmo império!

É obvio que os acontecimentos recentes que centralizam a atenção do mundo: o atentado terrorista e a guerra dos Estados Unidos contra o Afeganistão, os dois condenáveis, estabelecem modificações no cenário mundial, de desfecho imprevisível.

E, num mundo onde a mídia afirma que este é “o maior atentado terrorista da história”, há que se perguntar: de que História nos falam? Com certeza não a da humanidade como um todo onde não podem ser esquecidos os atos de terrorismo do estado norte-americano como a morte de 225 mil pessoas no bombardeio a Dresden, 16 dias após a rendição alemã; onde 150 mil morreram com as bombas em Hiroshima e Nagasaki; como as ataques que dizimaram boa parte da população do Vietnã e do Camboja e anexaram parte do México à força!

Nos diz Miguel Urbano Rodrigues, jornalista português, autor de Nômades e Sedentários na Ásia Central: “os atentados terroristas iluminaram a vulnerabilidade do império mas, paradoxalmente, criaram condições favoráveis ao desenvolvimento da estratégia de dominação planetária e perpétua dos Estados Unidos, adotada a partir da administração Reagan”. Na realidade, a decisão da guerra punitiva ao povo afegão, a necessidade de um inimigo nº 1, resulta de uma exigência política que é a de impedir que o povo norte-americano compreenda o essencial: a máquina terrorista que montou os atentados está enraizada no próprio território dos Estados Unidos. A escolha do “mau” obedece a um objetivo estratégico inconfessável: a penetração política e econômica dos Estados Unidos em uma região vital para seus interesses geopolíticos: a Ásia Central e suas enormes jazidas de petróleo e gás natural.

Talvez, na contradição exposta por Miguel Urbano Rodrigues se encontre não a se melhança, por inexistente, mas a grande diferença entre os dois. Laden, com “sua” ação terrorista, serviu ao império. Guevara, com certeza, no enfrentamento a hegemonia, serviria às lutas de libertação dos povos. Um contribuiu para fomentar a guerra que serve ao império! Outro, se vivo, contribuiria na construção de nações soberanas e, portanto, pela Paz ao mundo!

Verdadeiro versus falso

Alan Neil Ditchfield


23 de dezembro de 2001

” As massas sucumbem a uma mentira grande
com mais facilidade do que a uma pequena.”

Adolf Hitler (1889-1945), Mein Kampf, vol. 1, capítulo. 10 (1925)

O dr. Alan Neil Ditchfield, de Curitiba, que conheci quando ele estrava traduzindo Senso Incomum do físico Alan Cromer para a Editora da UniverCidade, onde então eu trabalhava, é um dos homens mais inteligentes deste país. Filho de um engenheiro inglês que veio morar no Brasil, é ele próprio engenheiro,além de empresário e, querendo ou não, filósofo. Observador arguto da maluquice nacional, de vez em quando ele me envia umas notas simplesmente deliciosas, que eu teria de ser um mórbido egoísta para sonegar aos visitantes deste site. Eis a mais recente delas. – O. de C.

Cabe distinguir o científico do pseudocientífico, para não ser iludido

Pseudo significa falso. O caminho para identificar uma inverdade passa pela reunião de conhecimento sobre o tema, neste caso sobre a própria ciência. Saber ciência não significa conhecer apenas fatos científicos, por exemplo, a distância da terra ao sol; a idade da terra; as diferenças entre espécies. Significa conhecer a natureza da ciência, configurada nas etapas do método científico: a concepção de experiências significativas, a avaliação de alternativas, o requisito de prova, a comprovação experimental de hipóteses, a construção de teorias, e sua divulgação por canais apropriados, em abordagem que torna possível derivar conclusões fidedignas e relevantes sobre fenômenos do universo físico.

Em oposição à ciência os meios de comunicação despejam uma contracorrente de disparates, fantasia, desinformação, e confusão; todas alardeadas como “fatos verdadeiros”. É trabalho quase sobre-humano distinguir o verdadeiro do falso neste turbilhão. Para abreviá-lo é útil ficar atento a alguns dos sintomas da pseudociência, pois a troca de fatos por fantasia e tolice deixa pistas que quase todos podem aprender a reconhecer. Estão listadas a seguir alguns dos mais comuns sintomas da pseudociência. A presença de um ou mais destes em qualquer matéria a identifica como pseudociência. Todavia, há idéias que não exibem nenhum destes sintomas mas podem ser pseudociência -os interessados estão sempre a inventar modos novos para enganar. O que segue é um jogo de condições, antes suficientes do que necessárias, para caracterizar a pseudociência.

PSEUDOCIÊNCIA: exibe uma soberba indiferença a fatos. Quem escreve tende a inventar falsos fatos -algo que Norman Mailer simplesmente apelidou de “factóides” -para remediar a omissão de consulta a obras de referência ou investigação direta, até mesmo quando os factóides forem centrais ao argumento do pseudocientista e suas conclusões. Isto também pode ser visto no fato de pseudocientistas raramente submeterem o que escrevem à revisão. A primeira edição de qualquer livro de pseudociência é quase sempre a última, embora o livro venha a ser reimpresso por décadas ou séculos a fio. Até mesmo um livro com enganos óbvios, erros, e erratas em todas as páginas é reimpresso no estado em que está, por várias vezes. Compare-se isto ao que ocorre com livros de ensino de ciência, os quais freqüentemente têm edição nova a cada poucos anos por causa do acúmulo rápido de fatos novos, idéias, e abordagens em ciência.

PSEUDOCIÊNCIA: é quase invariavelmente uma exegese mascarada de pesquisa. O pseudocientista recorta artigos de jornais, coleta opiniões avulsas, lê o que outro pseudocientista escreveu, ou se debruça sobre a interpretação de obras religiosas antigas ou trabalhos mitológicos. O pseudocientista nunca faz investigação independente para conferir a solidez de suas fontes; elas são aceitas com credulidade. Ou então mitos e textos velhos são interpretados simbolicamente como se fossem uma mancha de Rorschach, a qual o pseudocientista interpreta como imagina.

PSEUDOCIÊNCIA: começa com uma hipótese-normalmente atraente ao pseudocientista por razão emocional, ainda que improvável, que o induz a procurar apenas as publicações que parecem apoiá-la. Evidência contrária é censurada. Falando de modo geral, a meta da pseudociência é a de justificar convicções fortes, em lugar de investigar e descobrir o que de fato ocorre, ou ensaiar alternativas. O pior ocorrre quando o pseudocientista saca conclusões para servir a beneficiários de ideologias e mentiras politicamente corretas.

PSEUDOCIÊNCIA: é insensível a requisitos de prova válida. A ênfase não é colocada em experimentos significativos, controlados, repetíveis; repousa, ao contrário, na palavra inverificável de testemunha ocular, em histórias inverosímeis, boatos, rumores e enredos dúbios. Não há referência a trabalhos anteriores em periódico científico genuíno. Os pseudocientistas nunca apresentam qualquer evidência válida para sustentar suas reivindicações.

PSEUDOCIÊNCIA: confia na “prova” subjetiva. Uma pessoa põe gelatina em sua cabeça e a enxaqueca cessa. Para a pseudociência significa que a gelatina cura enxaquecas. Para a ciência não significa nada, de vez que que nenhuma experiência válida foi realizada. Muitas coisas aconteciam quando a enxaqueca desapareceu -a lua estava cheia, um pássaro voou perto dele, a janela estava aberta, vestia sua camisa vermelha, etc. – e a enxaqueca teria cessado em qualquer caso. Válida seria uma experiência controlada que põe um número grande de pessoas que sofrem de enxaquecas em circunstâncias idênticas, com exceção da presença ou ausência do remédio que se testa, e compara os resultados que teriam alguma chance de serem significativos. Uma mulher lê o horóscopo de seu jornal e diz que deve haver algo verdadeiro na astrologia porque o horóscopo a descreve perfeitamente. Mas quando o lemos vemos é uma afirmação geralmente válida que descreve todo ser humano que já existiu, e não tem nada a ver com aquela mulher ou as estrelas sob as quais nasceu. Estes são exemplos de convalidação subjetiva, uma das razões principais do apoio popular à pseudociência.

PSEUDOCIÊNCIA: depende de convenções culturais arbitrárias, em lugar de regularidades previsíveis observadas na natureza. Por exemplo, as interpretações de astrologia dependem dos nomes de coisas, as quais são acidentais e que variam de cultura a cultura. Se os antigos tivessem dado para o nome de Marte ao planeta que chamamos Júpiter, e vice-versa, seria indiferente à astronomia, mas a astrologia teria de ser totalmente reformulada, por depender somente de nomes que não tem nada a ver com as propriedades físicas dos planetas e as vidas das pessoas.

PSEUDOCIÊNCIA: sempre encontra uma explicação absurdo ao procurá-la com tenacidade. Talvez os adivinhos possam intuir, por algum modo , a presença de água ou minerais no subsolo, mas quase todos alegam que adivinham igualmente bem num mapa. Talvez Uri Geller tenha “poderes paranormais” mas são eles realmente irradiados por um disco voador do planeta Hoova, como diz Uri? Talvez plantas tenham atributos “psíquicos” mas por que uma tigela de barro responde exatamente do mesmo modo, na mesma “experiência”?

PSEUDOCIÊNCIA: sempre evita submeter suas alegações a teste significativo. Os pseudocientistas também nunca fazem experiências cuidadosas, metódicas, convincentes e desprezam resultados de experiências levadas a cabo por cientistas com métodos reconhecidos. Pseudocientistas também nunca dão continuidade às observações. Se um pseudocientista reivindica ter feito experiências (por exemplo, os “estudos perdidos sobre biorritmo”, de Hermann Swoboda, que é tido como base da pseudociência de biorrítmos), nenhum outro pseudocientista tenta duplicar ou o conferi-las, até mesmo quando os resultados originais estiverem perdidos ou forem questionáveis. Também, quando um pseudocientista reivindica ter feito uma experiência com resultado notável, ele nunca a repete para confirmar resultados e procedimentos. Isto contraste com a ciência verdadeira em que as experiências cruciais são repetidas pelo próprio cientista e por cientistas no mundo inteiro, com precisão sempre crescente.

PSEUDOCIÊNCIA: se contradiz freqüentemente, até mesmo nas próprias premissas. São desprezadas as contradições lógicas ou são explicadas com sofismas.

PSEUDOCIÊNCIA: cria mistério onde nenhum existe, omitindo informação crucial e detalhes importantes. Qualquer coisa pode ser tornada “misteriosa,” se for omitido o que se conhece sobre assunto, ou for apresentada à luz de detalhes irrelevantes. Os livros sobre “Triângulo das Bermudas” são exemplos clássicos disso.

PSEUDOCIÊNCIA: não progride. Há modas que vêm e passam, e o pseudocientista salta de uma moda a outra (de fantasmas a pesquisa de Percepção Extra- Sensória, de discos voadores a estudos psíquicos, de pesquisa do paranormal à procura de monstros). Mas dentro de um determinado tópico não se registra avanço, nenhuma informação é acrescentada à conhecida; teorias novas não são formuladas; conceitos velhos nunca são revistos ou descartados levando em conta descobertas novas, de vez que nada há de novo na pseudociência. Quanto mais velha a idéia mais parece merecedora de respeito. Nenhum fenômeno natural ou processo antes desconhecido à ciência foi alguma vez descoberto por pseudocientistas. Realmente, os pseudocientistas quase sempre partem de fenômeno bem conhecido aos cientistas, mas com pouca divulgação ao grande público que, desarmado, fica propenso a aceitar o arrazoado que o pseudocientista fizer sobre o fenômeno. Exemplos: o poder de andar sobre brasas, fotografia “Kirliana”.

PSEUDOCIÊNCIA: prefere a propaganda, o cochicho de bastidores, a falsa representação, em lugar de apresentar evidência válida (a qual presumivelmente não existe.) A pseudociência oferece exemplos de quase todo tipo de atentado à lógica e à racionalidade conhecidos aos estudiosos, e inventa alguns próprios. Uma artimanha favorita é a do non sequitur, em que o pseudocientista recorre à “Analogia com Galileu”. O pseudocientista compara-se a Galileu, e diz que da mesma maneira que é incompreendido Galileu também o foi pelos seus contemporâneos; então o pseudocientista também deve ter razão, como Galileu a teve. Claramente a conclusão não segue às premissas. Além do mais, qualquer um que tenha ouvido falar de Galileu sabe que suas idéias foram testadas, verificadas, e aceitas prontamente pelos seus contemporâneos cientistas. Quem rejeitou as descobertas de Galileu foi o clero da religião oficial, que preferiu a pseudociência que conhecia à descoberta de Galileu que a contradizia.

PSEUDOCIÊNCIA: argúi com base no incógnito, numa falácia primária. Em outras palavras, os pseudocientistas fundam suas alegações no caráter incompleto da informação disponível sobre uma questão, em lugar de as fundarem no que é conhecido. Mas nenhuma alegação é sustentável na falta de informação. O fato de fulano ter visto algo inexplicável no céu significa apenas que ele não consegue explicar o que viu. Não se pode usar este fato como prova de que aqueles discos voadores vêm do espaço exterior, de vez que não temos nenhuma evidência que ele viu um disco voador- ou se teve ilusão de ótica. A frase, “A ciência não explica…” é comum em literatura de pseudociência. Em muitos casos, a ciência não tem nenhum interesse no suposto fenômeno porque não há evidência de que exista; e em outros casos, a explicação científica é bem conhecida e bem estabelecida, mas o pseudocientista não a quer ou a desconsidera para criar mistério.

PSEUDOCIÊNCIA: argúi com base em exceções, anomalias, eventos estranhos ou paranormais, e razões questionáveis, não com base em regularidades bem estabelecidas da natureza. A experiência de cientistas nos últimos 400 anos é que as alegações e relatórios que descrevem comportamento estranho de objetos bem compreendidos tendem, após investigação, a comprovar fraudes, enganos honestos, registros falhos, mal-entendidos, falsificações descaradas, e asneiras. Não é bom aceitar informações sem as conferir. Os pseudocientistas sempre tomam quaisquer informações como verdadeiras, sem crítica independente.

PSEUDOCIÊNCIA: apela à falsa autoridade, à emoção, ao sentimento, ou à desconfiança sobre fato estabelecido. Uma celebridade teatral jura que é verdade, então assim deve ser. Um estudante que abandonou estudos de escola secundária pontifica como perito em arqueologia, sem ter feito qualquer estudo sobre o assunto. Um psicanalista é tido como conhecedor de tudo de história universal, além de física, astronomia, e mitologia, apesar de suas afirmações serem incompatíveis com tudo conhecido nos quatro campos. As façanhas do paranormal Smoori Mellars são genuínas, como testemunha um físico que não seria enganado com truques de magia (ainda que o físico nada saiba sobre truques de prestidigitador). Apelos emotivos são comuns: “No fundo seu coração você sabe que é verdadeiro”, “O que lhe faz sentir bem, deve ser verdadeiro”. Caso pitoresco foi oferecido por uma congressista americana, frustrada pela negativa de cientistas em endossar suas opiniões radicais sobre o tema de aquecimento global: “cientistas podem divergir, mas ouvimos a Natureza e ela chora.” Os pseudocientistas são apegados a teorias conspirativas: “muita evidência comprova a existência de discos voadores mas o governo mantém segredo”. Invocam irrelevâncias: “Cientistas não sabem tudo “ – mas não estávamos a falar sobre tudo, apenas discutíamos a possibilidade da existência de disco voador, alegadamente visto no céu.

PSEUDOCIÊNCIA: faz reivindicações extraordinárias e avança teorias fantásticas que contradizem tudo que se sabe sobre a natureza. Não só omite evidência para apoiar a reivindicação como verdadeira como também descarta todas investigações anteriores que conduziram à conclusão oposta. (“disco voadores têm que vir de algum lugar e como a terra é oca eles devem vir de dentro”. “A faísca que faço com este aparelho elétrico não é mesmo faísca, mas a manifestação sobrenatural de energia psico-espiritual.” “Todo humano é cercado por uma aura impalpável de energia eletromagnética, a auréola oval de que falam os místicos hindus antigos, a qual espelha todo o humor e condição do homem”.)

PSEUDOCIÊNCIA: faz uso de um jargão obscuro em que os neologismos criados não têm sentido preciso ou definições unívocas, e a maioria não define coisa alguma. O ouvinte é induzido a interpretar as declarações de acordo com seus próprios preconceitos. Por exemplo, o que vem a ser “energia biocósmica”? Ou um “sistema de amplificação psicotrônica”? Os pseudocientistas acreditam que um arremedo de nomenclatura científica, com som vagamente “técnico”, reforça sua credibilidade.

PSEUDOCIÊNCIA: invoca o critério de verdade da metodologia científica, enquanto nega sua validade. Assim, um procedimento experimental inválido que parece mostrar que a astrologia acerta, é proposto pelo pseudocientista como “prova” de que a astrologia é válida, mas descarta milhares de experiências sérias que não comprovam acertos em qualquer forma ou sentido. O fato de que alguém teve sucesso em iludir com truques de prestidigitação dada platéia de cientistas “comprova” que ele é um super-homem psíquico, enquanto é omitido o fato de ter sido pilhado em outras platéias onde seus truques foram percebidos.

PSEUDOCIÊNCIA: alega que o fenômeno estudado é ciumento. O fenômeno só ocorre sob certas condições vitais vagamente especificadas (i.e., na ausência dos descrentes inveterados ou de certas pessoas; quando ninguém estiver olhando; quando o “fluidos” estiverem certos; em data propícia). A atitude científica é que todos os fenômenos são passíveis de estudo por qualquer pessoa devidamente equipada, e que todos os procedimentos de estudo válidos devem levar a resultados consistentes. Nenhum fenômeno natural conhecido tem “ciúmes”. Não há modo de construir um aparelho de televisão ou um rádio que só funcionam quando nenhum cético estiver presente. Um homem que diz ser violinista de concerto, mas não parece ter possuído um violino e que se recusa a tocar onde alguém puder ouvi-lo, está provavelmente mentindo sobre sua habilidade de tocar o violino.

PSEUDOCIÊNCIA: tende a recorrer a explicações limitadas a um só cenário. Em outras palavras, ouvimos uma versão e nenhuma alternativa; não encontramos qualquer descrição de processo físico plausível. Por exemplo, o pseudocientista Velikovsky ganhou boa divulgação para venda do livro, Mundos em Colisão, em que aventou a hipótese de que outro planeta teria passado perto da terra e causado uma inversão do eixo da terra. Isto é tudo que ele afirma. Ele não explicou qual o mecanismo. Mas o mecanismo é de importância capital, porque as leis da física caracterizam tal inversão como impossível. Segundo as leis da mecânica, a mera aproximação de um planeta não pode inverter o eixo de outro planeta. Se Velikovsky tivesse descoberto algum modo como um planeta pode mudar o eixo de outro, ele presumivelmente teria descrito a mecânica. A declaração calva, sem descrição do mecanismo subjacente, nada informa. Em outra página, Velikovsky diz que Vênus era uma vez um cometa, o qual foi lançado ao espaço por um vulcão em Júpiter. Ora, planetas de nenhuma maneira se assemelham a cometas, os quais são bolas de de gelo e pedras e que nada têm a ver com vulcões. Como são desconhecidos vulcões em Júpiter (que nem mesmo tem superfície sólida), não há nenhum processo físico que fundamente as afirmações de Velikovsky. Ele nos dá palavras, encadeia uma a outra numa oração, mas as relações são alheias ao universo em que vivemos e nenhuma explanação nos é oferecida de como estas relações funcionam ou possam existir. Ele relatou histórias de ficção, não teorias científicas. Teve liberdade para publicá-las na imprensa ordinária e ganhou muito dinheiro com o estardalhaço, mas nunca conseguiu publicar suas idéias em periódico científico.

PSEUDOCIENTISTAS: exploram a antiga propensão humana à explicação mágica. Magia, feitiçaria, bruxaria- estão baseadas em semelhança espúria, falsa analogia, e equivocadas conexões de causa-e-efeito. Desta forma, influências inexplicáveis e conexões entre coisas são dadas como premissas e não estabelecidas através de investigação. (Se você pisar numa rachadura na calçada sem pronunciar certo encanto, sua mãe rachará um osso; comer folhas com forma de coração faz bem a quem sofre de doenças cardíacas; irradiar luz vermelha no corpo aumenta a produção de sangue; cabras são agressivas e assim alguém nascido no signo de Capricórnio será agressivo; peixes são “alimento” do cérebro porque carne de peixe se assemelha a tecido de cérebro, etc.)

PSEUDOCIÊNCIA: preza pensamento anacrônico. Quanto mais velha a idéia, mais atraente. Para a pseudociência trata-se da sabedoria dos antigos -especialmente se a idéia for patentemente errônea, há muito descartada pela ciência.

Até esta altura foi discutida a pseudociência sem qualquer comparação com a ciência propriamente dita. Porém, é instrutivo fazer um confronto direto, ponto por ponto. Por exemplo:

CIÊNCIA: A publicação científica é para cientistas. Há prévia revisão por pares do pesquisador, e há padrões rigorosos para lisura e precisão.

PSEUDOCIÊNCIA: A literatura é dirigida ao público geral. Não há revisão, padrão, verificação anterior a publicação, nenhuma exigência de precisão.

CIÊNCIA: São exigidos resultados que possam ser reproduzidos; devem ser minuciosamente descritas as experiências de forma que possam ser repetidas por qualquer pesquisador, ou mesmo melhoradas.

PSEUDOCIÊNCIA: Resultados não podem ser reproduzidos ou verificados. Estudos, se é que existem, são vagamente descritos; não se pode entender o que foi feito ou como.

CIÊNCIA: Razões de insucessos são interpretadas e estudadas minuciosamente. Acidentalmente as teorias incorretas podem levar a previsões corretas mas nenhuma teoria correta fará previsões incorretas.

PSEUDOCIÊNCIA: Fracassos são esquecidos, desculpados, ocultados, menosprezados, descontados, explicados com sofismas, evitados a todo custo.

CIÊNCIA: Com o passar do tempo, cada vez mais fica conhecido sobre os processos físicos sob estudo.

PSEUDOCIÊNCIA: É estéril. Nunca esclarece fenômenos físicos ou processos; não há progresso efetivo e nada de concreto fica conhecido.

CIÊNCIA: Deficiências pessoais, idiossincrasias e equívocos de vários investigadores se compensam sem afetar o tema sob estudo.

PSEUDOCIÊNCIA: Defeitos, idiossincrasias e equívocos de pseudocientistas se somam em nada.

CIÊNCIA: Convence por recurso à evidência, com argumentos fundados no raciocínio lógico ou matemático, até o limite que os dados permitirem. Quando evidência nova contradiz idéias velhas, elas são abandonadas.

PSEUDOCIÊNCIA: Busca convencer por apelo à fé e à crença. A pseudociência tem elemento quase-religioso: tenta converter, não convencer. Você é levado a aceitar, apesar dos fatos não por causa deles. A idéia original nunca é abandonada, qualquer que seja a evidência.

CIÊNCIA: Nenhum conflito de interesse; o cientista não tem nenhum ganho financeiro pessoal em jogo no resultado de seus estudos.

PSEUDOCIÊNCIA: Conflitos extremos de interesse. O pseudocientista geralmente tem algo a ganhar e alguns até vivem da venda de serviços, por exemplo, horóscopos e adivinhações.

Os jornalistas, em particular, parecem incapazes de compreender este último ponto. Um repórter típico que recebesse pedido para escrever um artigo sobre astrologia acharia suficiente entrevistar seis astrólogos e um astrônomo. O astrônomo diz que astrologia é bobagem; os seis astrólogos dizem que é valioso conhecimento que realmente funciona e, mediante pagamento de módica quantia, eles se propõem a fazer um horóscopo. É patente o interesse. Para o repórter, e aparentemente para o editor e leitores, a investigação consagra a astrologia por seis votos a um. Se o repórter tivesse tido o bom senso de perceber que deveria ter entrevistado seis astrônomos (os quais são conhecedores dos planetas e suas interações e podem ser objetivos por serem desinteressados em astrologia) ele teria colhido seis condenações da astrologia como asneira.

Listas comparativas do tipo aqui apresentado poderiam ser estendidas indefinidamente, porque nada há em comum entre a ciência e a pseudociência em qualquer tema. Elas são visões antagônicas sobre a natureza. Ciência confia, e persiste, em difíceis e rigorosos procedimentos de indagação, em testar e pensar analiticamente, o que restringe o auto-engano ou a cegueira a fatos. Por outro lado, pseudociência preserva os antigos e irracionais modos de pensar sem objetividade, os quais são dezenas de milhares de anos mais velhos do que a ciência; os modos de pensar que deram origem à maioria das superstições e idéias fantásticas e equivocadas sobre o homem e natureza, do animismo ao racismo; da terra plana num universo feito casa, com Deus no sótão, Satanás no porão e a humanidade no piso térreo; de rituais mandachuva e torturas de doente mental para exorcizar os demônios que o possuem. A pseudociência encoraja as pessoas a acreditar no que quiserem, e oferece argumentos falaciosos com os quais uma pessoa pode se iludir, ao pensar que sua convicção contém algo válido, apesar de todos os fatos demonstrarem o contrário. Ciência começa por exigir a abstração do que intuímos para tentar, por pesquisa, descobrir o que de fato é verdadeiro. São rotas que não convergem; levam a direções completamente divergentes.

Alguma confusão neste ponto é causada pelo que podemos chamar de invasão de seara alheia. Ciência não é um título honorário que confere poderes; é uma atividade que se exerce. Sempre que cessa a atividade, deixa-se de agir como cientista. Um volume grande de pseudociência é gerado por cientistas genuínos ou auto-proclamados, com modos que vale lembrar. Um cientista quase invariavelmente acaba fazendo pseudociência quando muda de um campo, no qual é formado e competente, para mergulhar noutro campo no qual é ignorante. Um físico que reivindica ter achado um princípio novo de biologia -ou um biólogo que reivindica ter achado um princípio novo de física- está quase sempre a fazer pseudociência. Um cientista torna-se um pseudocientista quando sustenta uma idéia contra toda evidência e experiência, por estar emocional ou ideologicamente engajado. Um cientista que adultera dados, ou os suprime quando não concordam com seus preconceitos, ou recusa-se a deixar que outros os examinem para avaliação independente, torna-se um pseudocientista. Ciência é um cume alto de integridade intelectual, imparcialidade, e racionalidade. Para levar a analogia à frente, o cume é íngreme e escorregadio. Exige árduo esforço para nele permanecer. Mas qualquer relaxamento de esforço leva a pessoa a cair na pseudociência. Parcela substancial de toda a pseudociência é gerada por indivíduos que receberam pouco treinamento científico ou instrução técnica estreita e especializada, mas que não são cientistas profissionais e não tiveram oportunidade para compreender a natureza do empreendimento científico; contudo julgam-se “cientistas”. Vezeiros nisto são certos médicos e engenheiros, e também psicanalistas e técnicos de um tipo ou outro e, mais recentemente, os tais cientistas de computador.

Pode-se indagar se não há exemplos noutra direção; isso é, de idéias de pessoas que foram injustamente julgadas como pseudocientistas mas que eventualmente acabaram aceitas como ciência válida. Do que há pouco esboçamos, é improvável que isto aconteça, se é que algum dia ocorreu. De fato, nenhuma pessoa informada sabe de qualquer caso nas centenas de anos em que o método científico pleno foi exercido por pesquisadores. Em alguns casos pensou-se que um cientista estaria equivocado, mas com idéias cujo mérito acabou reconhecido. A microbiologia criada por Louis Pasteur revolucionou a medicina, mas foi inicialmente rejeitada por pseudocientistas da classe médica com o argumento corporativista de que Pasteur era químico, não habilitado para estudar temas de medicina.

Um cientista pode formar uma opinião sem ter suficiente evidência para convencer seus pares de que ele está certo. Tal pessoa não se torna pseudocientista, a menos que continue sustentando que suas idéias estão corretas contra toda evidência que mostra conclusivamente o contrário. É inevitável errar ou se iludir, pois somos todos humanos, e todos estamos expostos a cometer equívocos e a fazer juízos falhos. Porém, um cientista deve estar alerta à possibilidade de enganos, e deve ser rápido em sua correção, quando os enganos colocarem estudos correntes sobre bases falsas, não identificadas e rejeitadas a tempo. Em resumo, o cientista que estiver em erro apontado por seus colegas, abandonará suas idéias errôneas. Um pseudocientista nunca o fará. De fato, uma curta definição de pseudociência seria a de que se trata de método para escudar e justificar preconceitos sobre o homem e natureza – para justificar, defender e preservar erros.

É vital que cada cidadão aprenda a distinguir ciência da pseudociência. Não se trata de tema acadêmico mas de obrigação cívica. Numa democracia todo eleitor deve ter acesso a fontes de informação vitais e ser capaz de verificá-las. A pseudociência é frequentemente vista por pessoas instruídas e racionais como um absurdo por demais óbvio para ser levada a sério, antes uma piada do que motivo para medo. Esta é uma atitude negligente pois a pseudociência pode ser extremamente perigosa. Quando infiltra sistemas políticos passa a justificar atrocidades em nome da pureza racial; ao minar o sistema educacional expulsa a ciência do currículo; ao desorientar a profissão médica sentencia milhares à morte ou sofrimentos desnecessários; ao perverter uma religião, gera fanatismo, intolerância, e guerras santas; ao dominar meios de comunicação, barra aos eleitores informação efetiva sobre assuntos públicos de capital importância – uma situação que no momento atinge proporções catastróficas, a induzir más escolhas por milhões com poder de voto. É preciso distinguir o verdadeiro do falso.

As seis mentiras que seguem mostram como a pseudociência explora a ignorância

1. A floresta amazônica deve ser submetida a controle internacional; é Pulmão do Mundo

Esta é uma Mentira Grande cunhada por um jornalista que entendeu mal o que um cientista de silvicultura falou há trinta anos. Implica que a floresta amazônica seria o principal conversor, em oxigênio, do gás carbônico gerado por atividade humana. Como fato, todas as florestas do mundo contribuem com menos de 5% do oxigênio regenerado; o resto vem sobre tudo da fotossíntese feita por plâncton na superfície dos oceanos, com o mesmo processo pelo qual plantas em crescimento absorvem gás carbônico, fixam carbono e liberam oxigênio. Há razões boas para preservar a floresta amazônica; a geração de oxigênio não está entre elas.

Naquela época um cientista francês estava a fazer pesquisa na Amazônia sobre florestas equatoriais. Seu nome era Jean Dubois, e seu cartão de visita era impresso numa lasca de madeira. No seu ponto de vista as florestas equatoriais não geram superávit de oxigênio. São muito antigas e há muito teriam atingido estado de equilíbrio entre oxigênio gerado durante o dia e oxigênio consumido pelas próprias plantas e pelo processo de decomposição de matéria orgânica. Pesquisa recentes anos indicam que a opinião de Dubois’ pode ser otimista. Uma rede de instrumentos de medição automáticos registrou mudanças na composição de atmosfera devidas ao metabolismo da floresta, a intervalos de tempo sucessivos, a altitudes diferentes. As medidas mostram que a demanda de oxigênio pelo processo biológico de decomposição de matéria orgânica é tão intensa que a floresta consome mais oxigênio do que pode gerar.

Segue que florestas equatoriais agem como chamas eternas, somando às emissões de gás carbônico da queima de combustíveis e consumindo o oxigênio do mundo. Assim, se redução de gases de efeito de estufa for o alvo, os signatários do Protocolo de Kioto deveriam, para serem consistentes, encorajar a derrubada da floresta e sua substituição por plantações de grãos. Só vegetação que cresce pode gerar oxigênio e fixar carbono. Este cenário nunca será visto porque cultivar grãos é improdutivo na planície amazônica. O clima é por demais quente e úmido para o cultivo de grãos, e a terra sob florestas tropicais torna-se estéril quando a tênue camada de húmus é arrastada. Assim o mundo está confrontado com mais uma fonte de gás carbônico a contribuir para o aquecimento global do planeta, se é que há tal aquecimento. O aquecimento global ainda é controvertido no plano científico mas o catastrofismo do noticiário sugere a fabricação de mais uma Mentira Grande para servir o propósito a seguir descrito.

2. Quando são desconhecidos efeitos a longo prazo cabem atos cautelares, mesmo sem base científica

É a Mentira Grande com que são propostos atos arbitrários, em nome do meio ambiente, por oportunistas sedentos de poder. O alvo predileto é a indústria do petróleo. Acusações aderem à essa indústria como boneca de piche, por manter por mais de século as piores relações públicas de qualquer atividade.

Falta senso de proporção nas inverdades divulgadas por extremistas ecológicos, em ignorância ou má fé. Equipes de televisão foram ao local de um acidente de estrada e anunciaram um desastre planetário quando um tambor de óleo diesel caiu na valeta. Exxon foi perseguida pelo acidente em Valdez no Alasca mas, uma década depois, as alegações de dano irreparável a longo prazo não se materializaram. Na Segunda Guerra Mundial foram afundados uns quarenta milhões de toneladas de navios, aproximadamente a metade deles navios-tanque. Foram derramados aproximadamente 100 milhões de barris de petróleo nos oceanos, o equivalente da produção de uma refinaria com uma capacidade de 48 mil barris por dia, para todos os 2193 dias da duração da guerra. O planeta ainda está vivo apesar do colossal derramamento de óleo e nunca foi escrita uma palavra sobre o dano irreversível ao meio-ambiente por ele provocado. O que traz alvoroço são acidentes que, na última década, derramaram a média de 175 barris por dia.

Por força de restrições ecológicas e legislação hostil deixam de ser exploradas importantes reservas americanas de óleo e gás. Muito está em terras de domínio público no Alasca, numa área de 80000 quilômetros quadrados, e dentro dela a extração de óleo ocuparia um total de um quilômetro quadrado, o que equivale à área de um aeroporto. Extremistas ecológicos não a querem. Sua atitude “que congelem no escuro ” não chega a ser uma política de energia responsável.

Foi desastrosa para a Califórnia, mas não como os extremistas ecológicos anteviam. Há mais de três décadas os eleitores californianos deram legitimidade a quadrilhas de extorsão exploradoras de licenciamento ambiental, aqueles interesses à sombra de muito comício pelo meio-ambiente. Por longos anos os californianos bloquearam a construção de refinarias novas e a reforma das existentes. Nenhum oleoduto novo é permitido. Concessionárias de utilidade pública foram hostilizadas e levadas à bancarrota. A California hoje colhe a falta de energia que semeou.

As companhias de petróleo fariam bem se orientassem a má vontade contra ativistas ecológicos a um propósito construtivo: o de trazer assuntos de meio-ambiente ao plano da razão: o de escolher entre diversos graus de desconforto com custos diferentes. Ninguém tem qualquer coisa a temer de ação cientificamente guiada; só devem ser temidas as inverdades tecidas para colocar a emoção pública a serviço de maníacos, como mostrado nos próximos dois tópicos.

3. Cem cientistas contra Einstein

Este é o título de propaganda nazista que dá adeus à razão. Conceitua a Teoria da Relatividade como atentado judaico à física ariana. Einstein perguntou “Por que cem? Basta um se estiver certo”. Se cem mil votos fossem lançados contra a evidência experimental que apóia a teoria da relatividade isto não desautorizaria o pensamento de Einstein. A contagem de votos, qualificados ou não, não faz sentido em ciência; só vale a dura evidência interpretada sob o método científico.

A idéia de que os alemães são uma raça superior, polacos e russos são subraças e que os judeus não são humanos e são inimigos mortais de Alemanha é a mais monstruosa das Mentiras Grandes. Não há modo de uma convicção religiosa ou um idioma eslavo modificar genes. Nazistas chegaram ao poder porque estavam afinados aos preconceitos e receios da maioria dos alemães. O repúdio à ciência que engolfou os alemães e os arrastou à derrota e vergonha ainda está à espreita no mundo e pode lançar qualquer povo contra qualquer objetivo. O resumo de Winston Churchill de Mein Kampf é citado abaixo como lembrança de valores sociais que certa vez tornaram politicamente correto assassinar milhões de vítimas inocentes.

[A tese principal de Mein Kampf é simples. O homem é um animal lutador; então a nação, sendo uma comunidade guerreira, é uma unidade de combate. Qualquer organismo vivo que deixe de lutar pela sua existência está sentenciado à extinção. Um país ou raça que deixa de lutar está igualmente condenado. A capacidade de luta de uma raça depende de sua pureza. Conseqüentemente é necessário libertá-la de corrupção estrangeira. A raça judia, devido a sua universalidade, é por necessidade pacifista e internacionalista. Pacifismo é o mais mortal dos pecados, porque traz a rendição da raça na luta pela existência. O primeiro dever de todo país é então o de nacionalizar as massas.

Inteligência no caso do indivíduo não é de primeira importância; a vontade e a determinação são as qualidades principais. O indivíduo que nasce para comandar é mais valioso que incontáveis milhares de personalidades servís. Só a força bruta pode assegurar a sobrevivência da raça; daí a necessidade de formas militares. A raça precisa lutar; a que não o faz decai e perece. Se a raça alemã estivesse unida a tempo já seria dona do globo. O Reich novo tem que juntar dentro de um território todos os elementos alemães espalhados pela Europa. Uma raça que sofreu derrota pode ser salva pelo restabelecimento de sua auto-confiança. Acima de tudo, o exército deve ser ensinado a acreditar em sua invencibilidade.

Para restabelecer a nação alemã as pessoas devem ser convencidas de que a recuperação de liberdade por meio da força é possível. O princípio aristocrático é fundamentalmente são. O intelectualismo é indesejável. A meta principal da educação é produzir um alemão que possa ser convertido com o mínimo de treinamento num soldado. As maiores revoluções história seriam inconcebíveis sem a força motriz de paixões fanáticas e histéricas. Nada será conseguido com as virtudes burguesas de paz e ordem. O mundo ruma agora a uma revolução, e o Reich alemão novo precisa preparar a raça para os derradeiros e maiores confrontos na terra.

Política externa pode ser inescrupulosa. Não é tarefa da diplomacia permitir que uma nação afunde heroicamente; é a de cuidar de sua prosperidade e sobrevivência. A Inglaterra e Itália são os únicos dois possíveis aliados para a Alemanha. Nenhum país entrará em uma aliança com um estado pacifista covarde governado por democratas e marxistas. Se a Alemanha não cuidar de si, ninguém cuidará dela. Suas províncias perdidas não podem ser recuperadas por apelos solenes aos céus ou por esperanças piedosas na Liga de Nações, mas só por força de armas. A Alemanha não deve repetir o erro de lutar simultaneamente contra todos seus inimigos. Ela tem que isolar o mais perigoso e o atacar com todas suas forças. O mundo só deixará de ser anti-alemão quando a Alemanha recuperar igualdade de direitos e seu lugar ao sol. Não deve haver sentimentalismo na política externa alemã. Atacar a França por razões puramente sentimentais seria tolo.

A Alemanha precisa aumentar seu território na Europa. A política colonial de antes da guerra foi um erro e deve ser abandonada. A Alemanha deve procurar expansão à custa do território russo, e especialmente nos Estados Bálticos. Nenhuma aliança com a Rússia pode ser tolerada. Empreender guerra com a Rússia contra o Ocidente seria criminoso, pois o alvo dos soviéticos é o triunfo de Judaísmo internacional.]. Volume I de A Segunda Guerra Mundial.

 

4. Pesquisa biológica é tão perigosa que deve ser submetida a controle político.

Tal controle político trouxe fome para os russos. Com base na lei de Hegel, da transformação de quantidade em qualidade, os marxistas sustentam que descendentes de ferreiros herdam grandes e musculosas mãos. É a hipótese de Características Adquiridas proposta por Lamarck foi debatida no século 19..A idéia foi rejeitada por geneticistas modernos ao descobrir que características hereditárias são somente transmitidas por células reprodutivas e nada têm a ver com células somáticas (do corpo). Não permanece hoje nenhuma dúvida sobre isto, com conhecimento da molécula de DNA e seu papel em genética. Por mais de três décadas Trofim D. Lysenko, dirigiu a pesquisa agronômica soviética e foi responsável pela política agrícola da União Soviética. Por razões ideológicas e contra evidência agronômica experimental ele rejeitou a genética de Mendel em favor da doutrina descartada de Características Adquiridas. Suas idéias foram circuladas com técnicas de propaganda sensationalista e permaneceram como ortodoxia marxista muito após a morte de Stalin e a descoberta da estrutura de DNA. À ação nefasta de Lysenko pode ser atribuído muito da baixa produtividade da agricultura russa. Aconteceu porque um estado policial expurgou uma geração inteira de cientistas mais atentos a fatos observados que ao credo marxista.

A Rússia não tem exclusividade em matéria de superstições sobre temas biológicos. Estas vieram à tona recentemente no Ocidente. O que a maioria conhece sobre assuntos científicos vem de livros de ficção sobre cientistas loucos. Os cientistas estão agora sob ataque, os da Food and Drug Administration, do governo norte-americano, e até mesmo os da venerável Royal Society, a mais prestigiosa das academias de ciência. Isto seguiu uma controvérsia jornalística a respeito de sementes geneticamente modificadas e surtos de doença de vaca louca e febre aftosa na Europa. Por tudo a ciência é culpada e surgiu um clamor para trancar o monstro.

Até mesmo dentro de Food and Drug Administration há vozes que pedem o relaxamento de requisitos de evidência científica em favor de “valores sociais consensuais” na tomada de decisões. Um de seus documentos faz uso errôneo de Teoria de Caos, Complexidade e Incerteza, conceitos matemáticos que têm significados longe do intento do autor do papel.

Desde sua criação em 1928 a FDA zela pela saúde pública assegurando que alimentos são próprios para consumo, os cosméticos inofensivos, que produtos sejam honestamente rotulados, e que drogas medicinais novas sejam liberadas a consumidores após escrutínio imparcial de seus efeitos sobre a saúde. Esta meritória reputação foi mantida porque FDA está obrigada, por lei, a fundamentar seus atos em critério científico. Estas duas palavras excluem atos baseado em conveniência política, preconceito, sabedoria convencional, direito adquirido, opinião politicamente correta, pressão de lobby, a próxima eleição, suborno, “valores sociais” e uma carrada de razões espúrias que costumam corromper controles de governo sobre atividade econômica.

FDA não achou nenhuma razão cientificamente válida para proibir o uso de sementes geneticamente modificadas e com toda justiça recusa rendição a motivos além dos científicos. Atos guiados por conveniência política equivalem a edifício construído sobre areia movediça, como mostrado pelo caos que há em legislação de meio-ambiente, por leis de zoneamento urdidas para benefício de especuladores de imóveis e pela colcha de retalhos de restrições de comércio exterior que perturbam transações internacionais. De vez que o cerne da política está lidar com resultados questionáveis de ação governamental, só a ciência pode oferecer base para regulamentos esclarecidos. Com a ciência o FDA protege a saúde pública, sem indevido cerceamento da liberdade, num país onde o povo desconfia de governo.

A controvérsia em torno de modificação genética surgiu por acaso na Inglaterra quando um homem idoso, que investigava efeitos, sobre a saúde, de batatas de semente geneticamente modificada, foi manipulado por jornalistas a tecer uma história sobre uma conspiração para encobrir resultados de pesquisa contrários a interesses comerciais poderosos. Os porcos alimentados com tais batatas tinham adoecido. O alvoroço que seguiu à publicação da denúncia levou à investigação do assunto por uma banca designada pela Royal Society. O que se apurou foi que a saúde dos porcos fora afetada por um fungicida, não por qualquer atributo da batata. Os métodos do pesquisador tinham falhas grosseiras, não permitiram isolar a causa correta e a divulgação de conclusões equivocadas à imprensa de fora transgressão ética.

Erros surgem quando um cientista fica tão empolgado com seu trabalho que preconceitos passam a dominar conclusões. A revisão da pesquisa por pares do pesquisador, antes de publicação em periódico científico, resolve a maioria dos casos. Conflito de interesse pode surgir quando os resultados de uma pesquisa forem benéficos ou prejudiciais à organização que emprega o pesquisador. Foi o caso da reação lenta à doença da vaca louca quando, para evitar pânico, a pesquisa por funcionários de saúde pública foi mantida sob sigilo por tempo excessivo.

5. O critério científico é guia inseguro

O movimento pelo relaxamento do critério científico, até mesmo dentro de FDA, menospreza a verdade científica como um mito descartado sob o Princípio de Incerteza de Heisenberg e abusa dos nomes sugestivos de Teoria do Caos e Complexidade para defender regulamentação governamental como assunto opinativo a ser dirimido por debate e voto, ou por arbítrio do serviço público.

Um congressista americano prega uma “ciência por consenso”, a qual seria mais confiável do que ele chama de “ciência individualista”. Seria o trato de questões científicas segundo o regimento interno de câmara de vereadores. Mas a aritmética de contar votos pode falhar quando confrontada com a matemática dura da ciência. Acima de contendas políticas pairam verdades claras aos que discernem qual conhecimento é incipiente e sujeito a mudança, o que é inalterável e o que é incerteza, num sentido científico. Má compreensão do método científico é mal que pode se tornar virulento.

A Teoria da Probabilidade trata da incerteza e a Teoria de Caos não o faz. Complexidade, em ciência, é um campo de estudo dedicado ao processo de auto-organização. O conceito básico de Complexidade é que todas as coisas tendem se organizar segundo padrões identificáveis. A Complexidade procura equações matemáticas que descrevem a área fronteira entre equilíbrio e turbulência, como no jogo de oferta e procura numa economia de mercado ou o relacionamento entre organismos vivos num ecossistema. Sua ferramenta, a teoria de fractais, veio do estudo de Benoit Mandelbrot da Complexidade. A Geometria de Fractais é um ramo da matemática que trata de padrões feitos de partes que têm de algum modo semelhança com o todo, uma propriedade chamada auto-simetria. A Geometria convencional é orientada a formas regulares e usa dimensões de número inteiro, tais como linhas com uma dimensão, cones com três dimensões, ou um espaço-tempo com quatro dimensões. A Geometria de Fractais trata de formas, que ocorrem na natureza, melhor descritas com dimensões de números não-inteiros – linhas como cursos de rios, com uma dimensão de 1.2, e montanhas com uma dimensão fractal entre 2 e 3. A expressão de uma relação de causa e efeito é freqüentemente uma equação matemática inferida do ajuste de dados observados a um molde geométrico nem sempre adequado. Em procedimento inverso, as dimensões fractais permitem a escolha da geometria que melhor se ajusta aos dados, com simplificação de expressões matemáticas e ganho de confiabilidade no uso. Em nenhuma sentido é isto um pulo no incognoscível de filósofos.

O Princípio de Incerteza de Heisenberg estabelece que nunca podem ser conhecidos simultaneamente alguns pares de variáveis como velocidade/posição de partículas subatômicas como um elétron, porque o próprio ato de medir afeta a medida. Assim a posição de um elétron em dado momento só pode ser conhecida dentro de uma gama de valores prováveis. Mas é o que basta para um físico fazer declarações de grande certeza, mas a palavra Incerteza vem sendo interpretada como confissão de que cientistas estão inseguros no que afirmam, e que a verdade científica seria um mito que reflete valores sociológicos; que qualquer coisa pode passar por verdade.

Extrair certeza de pistas incertas é há muito tempo a tarefa de cientistas, mas não dá a ninguém o direito de saltar a conclusões com atos de fé. Dois séculos atrás Karl Friedrich Gauss usou o método de mínimos quadrados para interpretar séries de medidas para julgar dentro de que faixa poderia se situar o verdadeiro valor. Ele fez uso da técnica para calcular a órbita do asteróide Ceres, recém-descoberto, com base em apenas algumas observações preliminares e de qualidade incerta. O cálculo de órbita convencional feito o ano seguinte com uma série longa de medidas precisas confirmou o trabalho de Gauss como um exemplo de interpretação hábil de incertezas de medida; de realização sólida, construída com material pouco promissor.

A matemática oferece um reino inteiro de certezas. Que 2+2=4 e que a soma dos ângulos internos de um triângulo plano é igual a dois ângulos retos, são verdades que sempre estarão conosco, não importa que que avanços forem feitos em conhecimento científico ou que mudanças ocorrerem no contexto social e seus valores relativísticos. De fato, há uma cadeia longa de raciocínio dedutivo, ancorada no Elementos de Euclides, que se estende por mais de 23 séculos com continuidade que liga todos os elos às mais recentes descobertas da estrutura de DNA. No século 20 a física se tornou um capítulo de geometria, a química uma página da física e a biologia um parágrafo da química, tudo convergindo a um corpo único de conhecimento, plenamente confirmado por experimentação sistemática. Valores sociológicos foram irrelevantes a sua construção.

O pensamento desconstrucionista sobre ciência está tão difundido que respeitado periódico de estudos sociais no Estados Unidos imprimiu, como sério, um artigo em que se afirma que constantes como a velocidade de luz, c=299.792,5 km/segundo, constante de gravitação G=6.673.10-11.m3.kg-1.s-2, e o número “pi“=3.14159… têm valores convencionados dependentes do contexto social vigente, e que poderão mudar num contexto social futuro. Cabe indagar o que acontecerá se sábios futuros arbitrarem o valor p=4. Círculos ficarão quadrados e corpos celestes serão cubos?

Um apelo para se reunir para discutir assuntos e achar áreas de concordância soa democrático. O debate no plano da razão é ideal para acertar ação sábia em assuntos opinativos. Mas está fora de lugar em assuntos científicos e não pode funcionar com os que não reconhecem como válidas suas regras de convivência. Nenhum acordo é concebível entre democratas e nazistas, inicialmente tidos pela maioria do povo alemão como lunáticos por demais marginalizados para serem levados a sério. Mas as doutrinas raciais nazistas se tornaram os valores sociais do Terceiro Reich, um assunto que remonta ao terceiro tópico e continua no próximo.

6. Regras de mercado são suficientes para feira de aldeia mas inadequadas a uma economia complexa.

Esta é uma questão de opinião porque o estudo de economia está longe de uma ciência exata, se é que a palavra é apropriada para pensamento especulativo, mais com natureza de arte que ciência, sobre ação combinada de agentes independentes.

O que a experiência universal demonstra é que a substituição de economia de mercado pelo arbítrio burocrático do planejador estatal deixa a atividade à deriva, sem bússola, sem sextante, sem cronômetro. Instala-se em conseqüência um colossal desperdício de materiais, trabalho, energia e capitais. A economia foi chamada de administração de escassez. Abre-se então espaço para a ação governamental construtiva na atenuação de carências coletivas mas a história registra modos certos e errados de o fazer.

Um bom exemplo é visto nos estados do oeste americano no uso de água escassa. O uso era regido por regras jurídicas arcaicas que remontam à prática inglesa medieval, país onde a escassez de água nunca importou. A falha foi corrigida por um engenheiro que pensava em termos de vazões e gradientes para por ordem no emaranhado jurídico e colocar direitos à água numa base científica. A oferta de água foi colocada sob leis da hidráulica e a procura sob leis de mercado. Em 80 anos os desertos de Califórnia se tornaram jardins.

Outro exemplo é o de Cingapura, cidade que ocupa um espaço restrito mas combina tráfico ordeiro com brandas restrições sobre a circulação de veículos. Um sistema engenhoso de pedágios, com níveis variáveis governados por oferta e procura, penaliza o abuso de rotas favoritas a horas de ponta. Multas draconianas e restrições complicadas não teriam resolvido questões de trânsito mas teriam gerado uma polícia corrupta. Tornar a extorsão lucrativa é rota segura a resultados indesejáveis, como visto na China onde são executados centenas de presos por corrupção. Onde há tal poder as fortunas mudam de mão mais rapidamente que num cassino.

O planejamento econômico por burocracia governamental e por cartéis falhou e caiu em descrédito mas seus slogans ainda são ouvidos. Que o confronto da competição cega deve dar lugar à cooperação fraternal. Isto sugere um antagonismo de tipo não visto em partida de futebol onde ambos os elementos estão presentes como parte do jogo. Mas se a meta de um jogo é definida como a de matar o adversário (guerra) a próxima partida não será jogada.

O Kaiser Wilhelm II e Mussolini viam a guerra como o rei dos jogos esportivos e a idéia está implícita na luta de classe de marxistas. A história mostra que a autocracia é governo por quadrilha de malfeitores, como numa ordem feudal ou sua sucessora, o estado totalitário do século 20. Na idade média o rei esteva acima da lei e não podia cometer crime. Agindo no nome do rei, cortesãos roubavam, matavam e saqueavam com impunidade. Em toda parte as burocracias de governo têm nostalgia por tempos nos quais seus caprichos e sede de poder prevaleciam sobre escolhas e direitos de cidadãos privados. Na Alemanha de Bismarck a burocracia seqüestrou o poder, e na União Soviética, aluna atenta do planejamento, regulamentação e diktats de uma Alemanha autocrática, os controles estatais sobre cidadãos foram levados a extremos absurdos nunca sonhados pelos déspotas da antiguidade.

As tragédias, alemã e russa, correram nos dois séculos seguintes à Queda da Bastilha. Depois da revolução francesa aguçou-se o antagonismo político entre um passado feudal e um presente moderno na Alemanha. Sob pressões da revolução industrial e das ferrovias os vinte e seis reinos e ducados da Alemanha criaram uma união alfandegária, o Zollverein, pois não era mais tolerável parar trens nas cercas de principados para fazer conferência, tributar, e extorquir suborno. Em sessenta anos de comércio livre foi construído um colosso industrial saudável graças à remoção de restrições arcaicas à atividade de artesãos e empresários. Até a anexação dos estados alemães pela Prússia, o mais atrasado deles, floresceram as contribuições alemãs para ciência e tecnologia.

Bismarck, chanceler da Prússia, era um senhor rural autocrático, mas um político astuto que viu ameaça no crescente poder de industriais e suas reivindicações por um governo constitucional, mais afinado com uma economia moderna do que a monarquia despótica da Prússia. Para contrabalançá-los Bismarck chamou ao palco político um ator novo, os social-democratas de ideologia marxista, e lhes deu a tarefa de colocar a indústria alemã sob controle do governo como provedora do exército mais poderoso do mundo. Isto eles fariam nas próximas décadas até as 1945, sob o rótulo de Organização da Indústria, depois conhecido como planejamento econômico. À sombra de tarifas protecionistas erguidas por Bismarck ficou fácil armar a indústria em cartéis para a restrição de concorrência.

O governo alemão encorajou monopólios, supostamente para evitar o desperdício, duplicação, e competição predatória visto em economias de mercado. A inovação, pela qual a indústria alemã fora notável, murchou sem a espora da competição, mas o grande dispêndio bélico manteve os fabricantes ocupados e amorteceram a capacidade de a indústria alemã se ajustar à demanda. A rigidez estrutural criada por monopólios e controles de governo vieram à tona quando cessaram os gastos militares em 1918 criando enorme capacidade ociosa. Na ocasião toda a indústria alemã trabalhava sob cartéis que fixavam preços, salários, cotas de produção e zonas de vendas exclusivas. Cartéis não podem fixar demanda, e tiveram de acomodar a produção a um baixo nível, e com isto o emprego. Em 1932 quase metade da população não tinha renda. Estas aflições não decorreram do Tratado de Versalhes ou da depressão americana. Tudo pode ser visto em ordem inversa. O mau desempenho econômico da Alemanha, por ela mesmo criado, propagou-se através da Europa e inibiu a recuperação pós-guerra. A América e Japão, continuaram a ampliar capacidade nos anos vinte, mas ficaram sem os mercados de exportação esperados. Suas iniciativas isoladas desmoronaram. No Japão, ao fim de 1931, metade de todas as indústrias tinha fechado as portas de fábricas inativas, o que pôs em marcha uma sucessão de aventuras militares funestas.

À origem das desventuras estava uma indústria alemã viciada durante cinqüenta anos a despesas grandes para armamentos e munição. Quando o Hitler saciou o viciado com encomendas militares a indústria alemã reavivou e o desemprego desapareceu, o que ganhou apoio popular pelas horrorosas doutrinas nazistas. Além de duas guerras a conseqüência para o mundo de uma indústria alemã pervertida seria que, entre 1914 e 1954, o comércio internacional permaneria estagnado, a 50% do nível atingido em 1913.

Marxistas explicam este quadro complexo, e tudo mais no mundo, como o resultado do jogo de forças econômicas segundo leis da história. A seus crentes o marxismo tem uma atração que pode ser chamada de cultura instantânea. Um marxista, depois de memorizar um jogo de slogans e clichês, e um enredo de tese, antítese e síntese, fala fluentemente sobre qualquer assunto, de campeonatos esportivos a mecânica celeste, sem se deixar deter por fatos, aritmética ou consistência. Um marxista descarta objeções com dedo em riste e vocifera: Inimigo de Classe! Com tal exorcismo o marxista desobriga-se de responder e coloca-se além do alcance da razão.

Lenin, um bacharel em direito formado por uma faculdade provinciana, e armado com cultura instantânea, escreveu sobre física e matemática para repudiar, como incompatíveis com materialismo dialético, as leis da termodinâmica e a lógica-matemática de Bertrand Russell e Alfred North expressa no livro basilar Principia Mathematica. Materialismo dialético pode transformar qualquer um em crítico de música. Compositores da estatura de Khatchaturian, Prokofiev e Shostakovich foram publicamente humilhados quando o partido comunista entendeu que havia decadência burguesa em sua música. O partido comunista perseguiu todos os seis vencedores russos de Prêmios de Nobel. Pelo mundo afora os credos políticos Hegelianos gêmeos, o nazismo e o comunismo, legaram uma esteira de países decadentes com economias arruinadas e a corrupção que vai com o poder ditatorial.

O rejeição do império da razão e da ciência é o atributo comum de todas as seis Mentiras Grandes. Mais sofrimento e penúria são resultados previsíveis da ação por elas inspirada e não uma marcha para felicidade, prosperidade, justiça, ou para um meio-ambiente mais saudável.

A histeria atual de europeus contra sementes geneticamente modificadas e o pânico a respeito de um aquecimento global não comprovado, ilustram o que acontece quando a ciência deixa de orientar as mentes. É perturbador ler a falsidade divulgada por uma aliança de anarquistas de camisa preta, fazendeiros reacionários, ativistas verdes, demagogos neo-nazistas, sindicatos retrógrados. Se a falsidade prevalecer a Europa afundará uma vez mais no abismo de uma nova Idade das Trevas.

Cabe pilhar pseudocientistas em flagrante delito para apontá-los à execração

Foi o que fez Alan Sokal, conceituado professor de física da New York University. Reuniu volumoso arquivo de recortes do publicado por pensadores “pós-modernistas” franceses e seus discípulos americanos, que abusam de termos matemáticos e de conceitos científicos mal digeridos para mistificar leitores com textos incompreensíveis, ditos “profundos”. Perplexo com o relativismo inconseqüente de sociólogos, críticos da ciência “branca, machista e eurocêntrica”, Sokal concluiu que ciência social não existe, que qualquer coisa vale como tal, e submeteu sua opinião a comprovação experimental.

HIPÓTESE

Que prestigioso periódico americano de estudos sociais publicaria artigo, repleto de asneiras, se: fosse bem escrito e alinhado com preconceitos ideológicos do editor

Sokal preparou monografia de 35 páginas, Trangressing the Boundaries, urdida com graça literária. Apresentou credenciais impecáveis, de ter ensinado na Università di Roma “La Sapienza” e na Universidad Nacional Autónoma de Nicaragua, sob o regime Sandinista. Anunciou descoberta de uma Teoria de Gravitação Quântica, síntese em plano superior da mecânica quântica e da teoria da relatividade, a qual supera ambas. Seria tão revolucionária que sua publicação fora recusada pelos canais convencionais, o que obrigou Sokal a apelar para a hospitalidade do periódico Social Text, aberto a idéias avançadas. Uma implicação da teoria seria a negação da realidade física. [cogito – ergo non sum?]. Na Teoria da Gravitação Quântica grandezas tidas como constantes, a velocidade da luz, c, o número “pi” e a constante da gravitação universal, G, passariam a ter valores ditados pelo contexto social em determinada época. Prega-se a matemática liberatória, livre das algemas da tabuada e das regras de aritmética, sensível a anseios de feministas, homossexuais e ecologistas. Condena-se o ensino da geometria superada de Euclides, por ser mero instrumento de dominação do establishment sobre o ensino popular. Nenhum disparate foi inventado por Sokal. Toda a monografia está apoiada em mais de uma centena de citações ao publicado por pensadores pós-modernistas sobre ciências exatas. Vão da negação da validade do método científico, fundado na experimentação sistemática e no raciocínio lógico dedutivo, à denúncia de preconceitos machistas em mecânica dos fluidos.

PROVA

A monografia Transgressing the Boundaries: Towards a Transformative Hermeneutics of Quantum Gravity foi aceita com todas as asneiras (perceptíveis como piada por estudante de engenharia) e foi mesmo publicada em “Social Text” #46/47, pp. 217-252 (1996).

QUOD ERAT DEMONSTRANDUM

Simultaneamente, em outra revista, Sokal publicou nota de esclarecimento do que tinha feito:

“Há a tentação de tomar tudo por brincadeira de estudante, não fossem as implicações assustadoras, a saber, que maré silenciosa de irracionalidade ameaça solapar nossas instituições de ensino superior, para ditar, do púlpito de uma ignorância cega, intolerante e obscurantista, o que é certo fazer, dizer e pensar.”

Um alvo são as idéias de Régis Debray, compañero de Che Guevara, preso na Bolívia e solto pela diplomacia francesa após ruidosa campanha de direitos humanos. Desde então Debray vive da exploração do cause célèbre e teve até passagem pelo gabinete como ministro da cultura. Em inglês seu nome traduz como o Rei do Zurrado. Outro com nome que convida trocadilho é Derrida. Pensa como personagem de Lewis Carroll, versado nas operações de Ambition, Distraction, Uglification, Derision. Na França, depois das contribuições à matemática de pensadores com a estatura de: Descartes, Pascal, Fermat, D’Alembert, Delambre, Fourier, Lagrange, Monge, Poisson, Laplace, Cauchy, Galois, Poincaré, Benoit Mandelbrot, surge a contribuição dos pós-modernistas com essência descrita por Lewis Carroll: “When I use a word,” Humpty Dumpty said in rather a scornful tone, “it means just what I choose it to mean—neither more nor less”. [Through the Looking-Glass]

O artigo de Sokal está disponível em Internet no endereço: < http://www.sablesys.com/sokal.html>.

Apontamentos a um panfleto

Prof. Bráulio Porto Matos
Professor da Faculdade de Educação da UnB.


23 de dezembro de 2001

Embora publicado aqui com considerável atraso, este trabalho notável do prof. Bráulio Porto Matos é um documento de primeira importância. Ele demonstra que as denúncias feitas por Edmundo Campos Coelho contra a mesquinharia e o oportunismo da casta de professores universitários são hoje ainda mais atuais do que quando publicadas em 1973 no livro A Sinecura Acadêmica. – O. de C,

Informação incompleta e mentira deslavada são duas fontes comuns de meias-verdades. De qualquer forma, meias-verdades devem ser recusadas mesmo quando enunciadas em uma peça predominantemente retórica. O Comunicado Andes-ADUnB, intitulado “Á opinião pública em geral e à comunidade universitária em particular”(06.08.2001), apresenta, em pouco menos de duas páginas, algumas informações precárias, inverdades e insinuações perigosas que passo a considerar.

Comecemos pelas inverdades. O documento diz que estamos sofrendo um:

 “… arrocho salarial decorrente de sete anos de congelamento salarial, visto que a gratificação imposta pelo MEC, além de irrisória e antiacadêmica, discrimina aposentados e docentes da carreira do ensino básico das IFES”.

Primeiro, não é verdade que a nossa remuneração permaneceu inalterada nesses últimos sete anos. Ao contrário, ela mais que dobrou nesse período. Os dados do Gráfico 1, extraídos de meus próprios contra-cheques, ilustram claramente a evolução dos rendimentos de um Professor Adjunto 1 da UnB (doutorado) nesse período. Para “regularizar” a curva dos “Rendimentos Brutos” distribuí a média aritmética simples do 13º salário e das férias ao longo dos doze meses subseqüentes (pareceu-me mais adequado usar esse procedimento do que o cálculo de médias móveis de ordem 12). Excluí desse cálculo as parcelas atrasadas do reajuste de 28% (MS 929-o STJ/DF 2605), posto que elas variam em função do tempo de serviço. Verifica-se, então, que o rendimento bruto subiu da casa dos R$ 2.000,00 (dois mil reais) para a casa dos R$ 5.000,00 entre o início de 1995 e meados de 2001. Um aumento, portanto, bastante superior ao que o movimento grevista ora reivindica: “75% a mais de qualidade no ensino!”, diz um cartaz afixado no corredor de minha faculdade, provavelmente por alguém que considera a avaliação do Provão ignominiosa “quantificação positivista” do saber.

Poder-se-á argumentar: que o congelamento diz respeito ao “Vencimento Básico” registrado no contra-cheque (correspondente a apenas 1/3 do valor do rendimento bruto atual); que a Constituição Federal define aumento salarial em termos dessa rubrica; e que a essa mesma rubrica pesa sobremodo na definição do valor das aposentadorias. Tudo isso é discutível (no lugar de reivindicar a incorporação permanente de todo rendimento “extra” ao vencimento do cargo efetivo, pode ser mais adequado fixar de maneira menos “fantasiosa” esse vencimento básico e criar um adicional de produtividade desonerado de desconto previdenciário, cabendo ao docente decidir se fará aplicações em previdência privada complementar). De qualquer forma, não é verdade que continuamos a receber o mesmo que recebíamos há sete anos atrás.

Apresento também no Gráfico 1 as curvas dos “Tributos” (Imposto de Renda e Previdência Social), do “Aluguel/Condomínio” e da “Gratificação de Estímulo à Docência – GED”. Primeiro, porque fiquei curioso em saber em que medida o aperto fiscal do governo tem nos atingido. Nesse sentido, não se verifica um aumento muito acima do aumento salarial como se poderia esperar. Segundo, porque o apartamento funcional que muitos de nós ocupa constitui um subsídio indireto expressivo. No presente caso (apartamento de três quartos em área nobre do Plano Piloto), estamos falando de um adicional de aproximadamente R$500,00 ao mês no salário. Em sete anos, portanto, teremos recebido algo em torno de R$42.000,00 de subsídio-moradia. Terceiro, porque os dados da GED mostram que ela não é irrisória, conforme afirma o Comunicado Andes/ADUnB. Como diria meu velho pai, “R$1.400,00 é dinheiro em qualquer lugar do mundo”.

Além disso, não é verdade também que a GED seja “antiacadêmica”. Trata-se de um instrumento de avaliação construído por colegas da própria universidade onde trabalhamos, e, no caso da UnB, tem-se levado em conta indicadores bastante razoáveis (número de turmas ministradas, número de orientações, artigos e livros publicados, patentes registradas, etc…). Diria até que o sentimento de que MEC está nos empurrando a GED goela abaixo tende a ser mais forte entre aqueles que recusam qualquer avaliação efetiva do desempenho docente. Mesmo que caiba aprimorar os sistemas de avaliação em curso, fato é que muitos colegas se contentam em empurrar com a barriga a situação que Edmundo Campos Coelho identificou em seu A sinecura acadêmica (1988), um livrinho que desagradou tanto o “baixo clero”, quanto o “alto clero” das universidades públicas federais. Munido de poucos -mas expressivos- indicadores da baixa produtividade nas universidades federais, Coelho reclamou da hiper-politização da vida universitária por parte dos docentes menos qualificados, e do relativo abandono da graduação por parte daqueles que, academicamente melhor preparados, deveriam assumir a liderança dessa instituição. [1]   Acredito que a GED tem ajudado a corrigir algumas dessas distorções. Tem-se dito que essa gratificação está forçando o professor a abandonar suas pesquisas para assegurar um aumento salarial mediante mais horas-aula. Cabe realmente investigar o tamanho desse prejuízo, mas desconfio que seja pequeno o número de docentes que, havendo obtido financiamento para suas projetos, não encontra o devido respaldo de seus departamentos para desenvolvê-los.

Naturalmente, não quero justificar aqui a centralização da avaliação institucional nas mãos de uma tecnocracia acadêmica federal tendencialmente arrogante, mas devemos reconhecer que, em geral, as iniciativas efetivas das universidades nessa área foram muito tímidas até bem pouco tempo. [2]

O Comunicado Andes/ADUnB veicula também uma informação incompleta acerca do orçamento das universidades federais, informação essa que conta apenas uma parte dessa história. Diz-nos ele:

“Estudo do IPEA (CORBUCCI, P.R – Indicações sobre o Orçamento das IFES, Texto para discussão nº 752, RJ:IPEA, agosto de 2000) atesta a violenta redução das verbas de manutenção e desenvolvimento das IFES. O gasto total das 39 universidades federais aparentemente se manteve relativamente inalterado no período após 1995. Mas se os valores forem desagregados, o quadro é outro: os gastos com ´despesas de capital` (recurso destinado à bibliotecas, insumos, melhoria de instalações etc.) despencou 80% de já irrisórios R$173 milhões em 1995 para R$31 milhões em 1998.”

Pois bem, os dados que o texto do IPEA apresenta vão muito além da rubrica “Despesas de Capital” e o próprio autor da pesquisa, Paulo Roberto Corbucci, extrai conclusões divergentes das ilações catastróficas feitas pela Andes/ADUnB. A Tabela 1 apresenta alguns dados extraídos do referido estudo. Verifica-se que o “Gasto Total” não se manteve “aparentemente” inalterado no período. Ele subiu 7,7% no conjunto das instituições e 42,3% na UnB entre 1995 e 1998.

As “Despesas de Capital”, única rubrica a que o Comunicado Andes/ADUnB faz referência, realmente caíram –81,9% no conjunto das instituições e subiram apenas 2,4% na UnB. Contudo, essa rubrica, ainda que muito importante, correspondia a 3,19% do “Gasto Total” do conjunto das instituições em 1995 (1,57% no caso da UnB). Ademais, o comunicado omite a seguinte observação complementar feita pelo próprio pesquisador do IPEA no referido texto:

A tendência assumida em relação aos investimentos em capital pode conduzir a inferências sobre o possível sucateamento do aparato tecnológico das universidades, na medida em que mesmo a sua simples manutenção em funcionamento requer a reposição de peças e componentes, quando não sua completa substituição. Entretanto, a realidade tem mostrado que várias instituições universitárias têm buscado mecanismos alternativos de financiamento dessas e de outras de suas demandas, por meio de fundações de apoio à pesquisa.” (p.18)

Ora, contrariamente à observação positiva feita pelo pesquisador do IPEA, o Comunicado Andes/ADUnB refere-se a essas fundações nos seguintes termos:

“Fundações privadas foram constituídas nas IFES, redefinindo-as como instituições de venda de serviços, em detrimento de seu caráter de instituição fomentadora de pesquisa orientada pelas questões lógicas internas do campo científico e pelas necessidades sociais.”

 No caso da UnB, existem hoje inúmeras fontes novas de captação de recursos. O CESPE, a FASUBRA, o CEAM, o DEX, a FINATEC, a Escola de Empreendedores (e até Consultorias Juniores criadas por alunos talentosos) têm conseguido captar um volume muito grande de recursos no “mercado do conhecimento”, mercado esse altamente concorrencial, dado que nele atuam “analistas simbólicos” de todo tipo. Não vejo como a universidade possa se beneficiar de uma postura puramente defensiva em relação a essas novas formas de inserção institucional. Naturalmente, os colegas de esquerda vêem com maus olhos o mercado. Tendem a achar os colegas que estão prestando consultorias uns “caça-níqueis”. Contudo, isso me parece incorreto e injusto. Incorreto, porque esses bens e serviços costumam ser bem pagos (as bolsas oferecidas pelas agências de fomento à pesquisa, por exemplo,

Tabela 1 – Gastos nas Universidades Federais Brasileiras (39 instituições) e na UnB entre 1995 e 1998

 
             
Categoria   1995 1996 1997 1998 98/95 (%)
Gasto Total Brasil 5.415.265.258,0 5.402.465.927,0 5.739.335.828,0 5.832.607.016,0 7,7
UnB 192.881.230,0 208.802.759,0 232.358.084,0 274.408.021,0 42,3
             
Gasto com Pessoal (Ativo e Inativo) Brasil 4.370.955.881,0 4.297.945.376,0 4.875.819.838,0 4.949.459.484,0 13,2
UnB 150.312.049,0 152.972.895,0 155.722.545,0 193.942.465,0 29,0
             
   Gasto com Pessoal Ativo Brasil 3.194.821.789,0 3.005.753.520,0 3.023.022.202,0 3.379.512.107,0 5,8
UnB 124.885.922,0 118.183.144,0 99.317.894,0 151.196.852,0 21,1
             
   Gasto com Inativos Brasil 1.176.134.092,0 1.292.191.856,0 1.395.199.764,0 1.569.947.377,0 33,5
UnB 25.426.127,0 34.789.751,0 34.300.203,0 42.745.613,0 68,1
             
Gasto Operacional com Pessoal (s/ Inativos e judidiciais trabalhistas) Brasil 2.964.212.476,0 2.862.069.451,0 2.989.953.736,0 3.070.632.590,0 3,6
UnB 113.365.606,0 107.789.083,0 99.317.894,0 107.881.464,0 -4,8
             
Gasto com Sentenças Judiciais (Precatórios) Brasil 230.609.313,0 143.684.069,0 490.666.338,0 308.878.502,0            *
UnB 11.520.316,0 10.394.061,0 22.104.448,0 43.315.388,0           **
             
Despesas de Capital (equipamentos, bibliotecas, etc…) Brasil 172.955.869,0 108.519.852,0 90.902.638,0 31.378.490,0 -81,9
UnB 3.032.076,0 3.907.077,0 4.415.958,0 3.105.320,0 2,4
             
Outras Despesas Brasil 383.883.785,0 473.461.873,0 495.803.011,0 527.325.391,0 37,3
UnB 31.351.967,0 39.385.286,0 56.570.031,0 64.134.900,0 104,4
             
Gasto Operacional por Aluno de Graduação de Graduação *** Brasil 11.348,0 10.609,3 10.064,7 10.063,8 -8,8
UnB 12.171,9 12.047,6 12.417,3 12.855,6 1,1
Fonte: Compilados de CORBUCCI, P.R. “As Uiversidades Federais: gastos, desempenho, eficiência e produtividade. RJ: IPEA, 2000.

* Entre 1995 e 1998, foram gastos 1,17 bilhões de reais em Sentenças Judiciais (Precadatórios) nessas 39 instituições.

   
** A UnB recebeu 7,44% do montante total de precatórios pagos aos docentes dessas instituições no período considerado.    
*** O Gasto Operacional corresponde ao Gasto Total subtraído do pagamento dos Aposentados/Inativos e despesas extraordinárias com sentenças judiciais.

giram em torno de R$3.000,00); injusto porque deveríamos admirar o “espírito de empreendimento” e entendê-lo como parte das “necessidades sociais” do país. Além disso, dados obtidos através de “pesquisas institucionais” podem ser muito valiosos para a ciência (informações sobre eficiência empresarial, comportamento eleitoral, violência nas escolas, e tantas outras, envolvem custos elevados e demandam o consentimento dos pesquisados).

É certo que o “Gasto Operacional com Pessoal” (excluindo-se os dispêndios com Inativos e Pensionistas e os pagamentos de sentenças judiciais trabalhistas) sofreu um aumento de apenas 3,6% no conjunto das instituições e uma redução de –4,8% no caso da UnB (única rubrica em que a situação desta universidade apresentou uma involução e uma performance inferior ao conjunto das instituições!). E, de fato, essa relativa estagnação/redução do “Gasto Operacional com Pessoal” das universidades tem relação com a redução do quadro docente promovida pelas restrições impostas pelo Governo à realização de concursos públicos para as vagas abertas pelas aposentadorias.

Ocorre que esse tipo de restrição orçamentária acabou forçando as universidades a melhorarem seus indicadores de produtividade, conforme atestam os dados da Tabela 2, elaborada a partir de informações fornecidas por Corbucci. A matrícula na graduação expandiu 11,2% no conjunto das instituições e 14,4% na UnB. Também em relação à pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) e à publicação de trabalhos científicos houve considerável melhora nos indicadores no período considerado. Daí o pesquisador do IPEA concluir seu estudo dizendo que:

“A maior parte dos resultados deste estudo indica que as universidades federais têm demonstrado aumento de eficiência e eficácia, apesar de seus gastos operacionais terem sido comprimidos e, paralelamente, ter-se ampliado a matrícula e os quadros profissionais formados, ao mesmo tempo em que cresceu a sua produção científica. Assim, o objetivo principal do presente estudo foi oferecer algumas evidências empíricas para o debate acerca da universidade pública no Brasil, e contribuir para a desideologização dos discursos, tanto daqueles de teor mais apologético, quanto os que visam à deslegitimação do ensino superior público (p.63)”.

Além de inverdades e informações incompletas, o Comunicado Andes/ADUnB contém também pelo menos três insinuações perigosas. A primeira delas:

 “… as medidas governamentais que objetivam viabilizar um superávit orçamentário de 3,5% do PIB, conforme acordo com o FMI, para o pagamento da dívida pública, inviabilizarão o funcionamento digno das instituições Federais de Ensino. É responsabilidade da comunidade universitária exigir um basta a essas medidas.

O que quer dizer isso? Que a sobrevivência da universidade está condicionada a um calote das dívidas interna e externa brasileiras? Será que os colegas acreditam mesmo que a fuga de capitais do país irá melhorar o orçamento das universidades públicas?

A segunda insinuação é feita na conclusão de uma crítica ao Ministro da Educação, professor Paulo Renato, que elogiou a terceirização coreana  das  universidades:

“O Sr. Ministro parece esquecer que 99% das patentes pertencem a corporações multinacionais dos países do G-7 e que os custos da propriedade intelectual inviabilizam o acesso da população a direitos essenciais como os medicamentos, insumos agrícolas, etc…”.

O que quer dizer isso? Que as universidades devem apoiar o desrespeito aos direitos de propriedade intelectual? Disse-me um amigo que a única referência feita por Hitler ao Brasil, durante os jantares que oferecia aos seus oficiais, foi essa: “Até o Brasil, que até hoje nunca produziu uma invenção digna de nota, se arroga o direito de suspender a lei de proteção às patentes e usar nossas invenções!”  Obviamente, Hitler foi duplamente injusto com Santos Dumont (que morreu de desgosto por ver seu invento usurpado pelos militaristas). É impressionante verificar, contudo, a atenção conferida por um país industrialmente avançado ao problema das patentes mesmo sob um regime “nacional-socialista” e chefiado por um maluco genocida. Nesse sentido, talvez caiba avisarmos ao Ministro José Serra, que tantos aliados vem fazendo contra o pagamento de royalties aos laboratórios que criaram a vacina contra a AIDs, que os países cientificamente desenvolvidos também possuem Constituições e estão muito mais determinados do que nós a fazer valer – enforcemment – o direito de propriedade. Para se ter uma idéia da precariedade do direito de propriedade intelectual no Brasil, confira-se a batalha ingente do brasileiro Nélio José Nicolai para obter a patente dessa extraordinária invenção sua, o BINA, um dispositivo presente hoje em milhões de telefones celulares mundo afora. [3]

A terceira insinuação:

“A liberalização do ´mercado educacional` fez com que o crescimento do setor privado fosse não apenas, acentuado social.

O que quer dizer isso? Que o estado deve dizer

Tabela 2 – Indicadores de Produtividade nas Universidades Federais Brasileiras  (39 instituições) e na UnB entre 1995 e 1998    
               
Categoria   1.995 1.996 1.997 1.998 * /95 (%)  
Alunos Matriculados na Graduação Brasil 353.235 373.880 382.869 392.873 11,2  
UnB 12.811 13.581 14.170 14.651 14,4  
               
Alunos Diplomados na Graduação Brasil 44.493 47.593 49.477   11,2  
UnB 1.375 1.722 1.648   19,9  
               
Alunos Matriculados no Mestrado Brasil 21.228   23.416   10,3  
UnB 997   1.035   3,8  
               
Alunos Titulados no Mestrado Brasil 4.832   6.311   30,6  
UnB 234   405   73,1  
               
Alunos Matriculados no Doutorado Brasil 268   448   67,2  
UnB 6.902   9.216   33,5  
               
Alunos Titulados no Doutorado Brasil 824   1.261   53,0  
UnB 26   43   65,4  
               
Trabalhos Científicos Publicados       no País por Universidade Brasil   19.569 23.490      
UnB   985 1.168      
               
Trabalhos Científicos Publicados no Exterior por Universidade Brasil   7.659 9.241      
UnB   440 505      
 
Fonte: Compilados de CORBUCCI, P.R. “As Uiversidades Federais: gastos, desempenho, eficiência e produtividade. RJ: IPEA, 2000.

* Último ano informado por 1995

 

quem pode e quem não pode abrir uma escola e o que deve ser ensinado nela? Ora, até Marx, que não podemos tomar como exemplo de sujeito tolerante,  tinha ojeriza da intervenção estatal no currículo escolar. [4]

Definitivamente, a existência de escolas privadas constitui uma importante garantia da liberdade de expressão!

Por fim, uma palavra ainda sobre essa frase-síntese do Comunicado Andes/ADUnB:

“…salários incompatíveis com a dignidade e a responsabilidade da profissão docente.”

 Como se sabe, é muito difícil determinar o “salário justo” no setor público, especialmente no caso dos “bens públicos” (definidos pela impossibilidade de limitar o seu uso àqueles que pagam por eles). Sabe-se também que, embora a educação não seja um “bem público” nesse sentido estrito, gera externalidades positivas que justificam a atuação estatal nessa área. No caso do ensino superior brasileiro, em particular, um fator adicional limita a “equalização” dos salários docentes entre o setores público e privado: a forte concentração da pesquisa nas instituições públicas, atividade que envolve custos elevados e demanda um  regime de trabalho diferenciado (incompatível, por exemplo, com regime “horista” praticado por quase todas universidades particulares). Essas especificidades acabam, então, alimentando nossa imaginação sobre qual deveria ser o “salário digno” do professor universitário: um valor indexado aos superávits fiscais obtidos pelo governo (no melhor estilo da Segunda Lei de Parkison)?; ou um valor equiparado à remuneração dos colegas do Primeiro Mundo? Ou… Não tenho competência para propor uma boa solução para o nosso sistema de remuneração, um regime de vencimentos e incentivos que evite a evasão de talentos de nosso país e encurte nosso caminho para os Prêmios Nobel. Mas decidi escrever esses apontamentos por estar convencido ao menos disso: que não é correto dar a entender à “opinião pública em geral” que recebemos o mesmo salário há sete anos;  que não que estamos recebendo “um salário de fome” (parece-me até ofensivo aos pobres dizer isso); que é vergonhoso fazer greve recebendo o contra-cheque em casa; e que, afinal, a dignidade humana não promana do salário.

Notas

[1] Haveria muito ainda o que dizer sobre a mentalidade do “baixo clero”. Acerca desse importante problema, contudo, remeto o leitor à homepage de Olavo de Carvalho, www.olavodecarvalho.org, filósofo que tem analisado os efeitos danosos da ideologia gramsciana disseminada nas universidades brasileiras (inclusive privadas!).

[2] Em verdade, o Brasil ainda não conseguiu desarmar uma espécie de paradoxo envolvendo centralização-descentralização política e modernização-estagnação socioeconômica. Salvo exceções, o país tem se modernizado socioeconomicamente sob regimes políticos autoritários e estagnado sob regimes democráticos. Como a nossa atual rede pública de ensino superior deve muito de sua criação e expansão a essa “modernização autoritária”, compreende-se então por que por que a “autonomia universitária” costuma ser pensada entre nós como fruto de uma dupla demanda dirigida ao poder central: garantia financeira e independência políticas inquestionáveis. No contexto das polêmicas entre os sindicatos docentes locais e o governo federal, a “arrogância” não tem sido exclusividade de nenhuma das partes.

[3] Para detalhes sobre esse assunto, confira-se a homepage do próprio inventor: www.nelio.hpg.com.br

[4] Em sua “Crítica do Programa Social-Democrata de Gotha”, diz Marx: “O que é absolutamente preciso condenar, é ´uma educação popular pelo Estado`. Determinar por meio de uma lei geral os recursos das escolas primárias, a qualificação necessária do pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., e – como isso se passa nos Estados Unidos – mandar verificar por inspetores de Estado a execução das prescrições legais, é totalmente diferente de fazer do Estado o educador do povo! Antes pelo contrário, é preciso banir da escola, pela mesma razão, qualquer influência do governo e da Igreja. E precisamente no Império prusso-alemão (e que não se fale, precorrendo a um subterfúgio ilusório, do ´estado do futuro`, porque vimos o que é), é pelo contrário o Estado que tem necessidade de uma muito rude educação pelo povo!”. In: – Marx, K. e Engels, F. Crítica da educação e do ensino. Lisboa: Moraes, 1978, pág.89.

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