Yearly archive for 1999

O Império ecológico e o totalitarismo planetário

Sobre o livro de Pascal Bernardin, L’Empire écologique

por Charles Lagrave

Lectures Françaises, mars 1999.

Tradução de Olavo de Carvalho

Nota do Tradutor. — Como as conclusões do livro aqui comentado parecem aproximar-se em mais de um aspecto (se bem que não em todos) a algumas de O Jardim das Aflições (Rio, Diadorim, 1995), julguei que seria interessante reproduzir nesta homepage o artigo publicado em Lectures Françaises, revista que não está na Internet. — O. de C.

Nossos leitores lembram-se talvez de havermos explicado nestas crônicas (1), em diversas ocasiões, como estava em vias de operar-se o triunfo mundial do marxismo: o aparente deslocamento do campo comunista, fazendo cessar a oposição entre os dois blocos Leste e Oeste, permitiu a sua fusão num “liberal-socialismo” que nos leva diretamente a uma ditadura mundial. Essa síntese hegeliana não é o resultado de uma evolução natural, mas o resultado de uma manobra deliberada, preparada de longa data.

Alguns leitores talvez tenham pensado que exagerávamos, que a situação não era tão grave e que todas essas coisas eram bem inverossímeis. A esses — e aliás também aos demais — aconselho insistentemente comprar e ler o quanto antes o novo livro de Pascal Bernardin: L’Empire écologique ou la subversion de l’écologie par le mondialisme (“O império ecológico ou a subversão da ecologia pelo mundialismo”, Éditions Notre-Dame des Grâces, 1998).

Na sua obra anterior, Machiavel pédagogue, o autor, apoiado em enorme massa de documentos oficiais, trazia-nos a prova de que um gigantesco empreendimento de lavagem cerebral vem se realizando no ensino, desde várias décadas, por meio das técnicas mais elaboradas de persuasão psicológica oculta. Do mesmo modo, no presente livro, ele estabelece, graças a uma documentação igualmente inatacável, que idêntico empreendimento de subversão das mentalidades está em ação sob a máscara da ecologia e que a convergência entre comunismo e capitalismo, que parece ter aproveitado somente a este último, é na verdade uma manobra cuidadosamente preparada para assegurar a perenidade da revolução, impondo ao mundo inteiro uma concepção totalitária do homem e da natureza. Esta revolução ideológica total desembocará por fim numa “espiritualidade global”, isto é, numa nova civilização e numa nova religião que estarão a serviço de um socialismo absoluto e universal: o governo mundial.

A subversão pedagógica tem por objetivo “modificar os valores, as atitudes e os comportamentos, proceder a uma revolução psicológica, ética e cultural. Para chegar a isso, utilizam-se técnicas de manipulação psicológica e sociológica. Este processo, manifestamente revolucionário e totalitário, não encontra nenhuma resistência entre as elites, quer sejam de direita ou de esquerda. Concebido e conduzido por instituições internacionais, ele concerne ao conjunto do planeta, e muito raros são os países poupados. Ele inscreve-se no projeto mundialista de tomada do poder em escala global pelas organizações internacionais. Nesta perspectiva, os diversos governos nacionais não serão, ou já não são, senão simples executantes encarregados de aplicar as diretrizes que tenham sido determinadas em escalão mundial e de adaptá-las às condições locais, que, por outro lado, eles se esforçam para uniformizar” (2).

A difusão dessas técnicas de manipulação psicológica e sociológica no sistema educativo mundial não pode ser um fenômeno espontâneo, mas, ao contrário, é um trabalho “cuidadosamente planejado e rigorosamente executado” graças aos métodos desenvolvidos pelos soviéticos. “É certo que antes da perestroika os comunistas tinham criado as estruturas nacionais e internacionais que permitissem à revolução prosseguir por meios menos visíveis do que aqueles usados na sua fase bolchevique. Outra questão maior então surge imediatamente: pode essa estratégia ter sido aplicada em outros domínios? Ou ainda: que é, verdadeiramente, a perestroika? Um desmoronamento real do sistema comunista, sob a pressão de suas ‘contradições internas’, ou uma incrível virada estratégica elaborada cuidadosamente durante muitas décadas e executada magistralmente?(3)” A esta questão crucial, Bernardin responde, apoiado em textos irrefutáveis, eles mesmos “corroborados pelos acontecimentos sobrevindos após a queda do muro de Berlim, […] que a perestroika foi um processo revolucionário de inspiração leninista e gramscista. Seu objetivo principal é portanto a tomada do poder em escala planetária. Nesta perspectiva, a convergência entre capitalismo e socialismo, que se realiza diante dos nossos olhos, não é senão uma etapa que deve conduzir à instauração de um governo mundial” (4).

De fato, o verdadeiro pai da perestroika é o teórico comunista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), o qual havia compreendido que a revolução bolchevique, querendo modificar em primeiro lugar as condições da vida econômica, era demasiado violenta para obter a aprovação de um consenso generalizado, e preconizava, em conseqüência, efetuar primeiro uma revolução ideológica, isto é, mudar antes de tudo as maneiras habituais de pensar. “Gramsci propõe realizar primeiro a instauração de uma nova civilização. Os meios que ele propõe parecem fracos, mas na verdade são muito poderosos. A revolução ideológica deve ser veiculada pelos intelectuais e por uma ditadura pedagógica. Deve ser feita em nome de imperativos éticos e respeitar a dignidade e os direitos do homem (isto é, utilizar métodos não-aversivos). […] A revolução ecológica formará a ossatura das revoluções — ideológica, religiosa, ética e cultural — veiculadas pela ditadura pedagógica. As idéias de Gramsci são portanto indispensáveis para toda compreensão do mundialismo e da perestroika” (5).

O totalitarismo planetário

Após ter feito explodir sucessivamente tudo o que era cristão, primeiro a Igreja no século XVI, depois as monarquias católicas a partir de 1789, depois os impérios cristãos em 1918 e por fim as sociedades cristãs. a Revolução universal prepara-se para reunificar o mundo em torno de um novo paganismo que, como os paganismos antigos, constituirá uma camuflagem da religião do demônio (6). Os povos se rejubilarão de ter atingido a idade de ouro da humanidade enfim unificada, ao passo que terão de fato caído sob o poder daquele que é “mentiroso e homicida desde o princípio”.

“A revolução ecológica em curso efetua a síntese entre o liberalismo, o comunismo e o ‘humanismo’ maçônico que se arraiga nos mistérios antigos e no culto da natureza. Ela permite lançar um olhar novo sob os dois fenômenos políticos maiores deste fim de século: a desaparição do comunismo e a emergência da Nova Ordem Mundial. Ela define-se como a convergência das forças revolucionárias anticristãs, que sobem ao assalto do último baluarte legado pela cristandade: a concepção inconsciente de Deus, do homem e do mundo que define o nosso quadro intelectual. Mais ainda que a revolução copernicana, essa mudança de paradigma (7) teria conseqüências infinitas. A antropologia cristã contrarrestava as tendências totalitárias de todo Estado, as quais, por definição, a perspectiva holística (8) enaltece. O totalitarismo será então declinado em todas as suas dimensões: primeiro a dimensão religiosa, depois as dimensões políticas e sociais. A destruição da antropologia cristã acrescentará ainda um obstáculo maior à busca da verdadeira fé: a perspectiva cristã se tornará estranha às gerações futuras. A destruição do comunismo e a aparição da Nova Ordem Mundial marcam portanto a emergência de um totalitarismo planetário inédito que muito deverá, no entanto, às concepções pagãs. É um episódio maior da guerra de religião que o paganismo move contra o cristianismo desde sua aparição” (9).

Esse totalitarismo planetário está programado para se estabelecer em nome do bem-estar da humanidade, sem provocar reação séria, pois quem desejaria lutar contra o bem? Ouçamos Gorbachov: “É minha convicção que a raça humana entrou num estágio em que todos somos dependentes uns dos outros. Nenhum país, nenhuma nação deveria ser considerada isoladamente das outras, ainda menos oposta às outras. Eis o que o nosso vocabulário comunista denomina internacionalismo, e isto significa nosso voto de promover os valores humanos universais” (10). Ora, como observa mui justamente Bernardin, “o interesse da humanidade substitui a ditadura do proletariado, mas o indivíduo continua sempre esmagado ou negado” (11).

A síntese dialética

Solve et coagula, dizem os iniciados para resumir sua estratégia: eles começam por destruir tudo o que lhes constitui obstáculo, em seguida passam a uma fase construtiva, não para restaurar o que abateram (mesmo se as aparências levam a crer nisso), mas para construir algo de radicalmente diferente. É esse movimento que Hegel sistematizou sob o nome de dialética: a tese é o que os iniciados querem destruir, a antítese são os meios utilizados para esse fim e a síntese é a nova construção estabelecida sobre as ruínas da antiga — construção que aliás é sempre provisória, pois o movimento da dialética não pode parar jamais. Com efeito, a Revolução é incapaz de atingir um estado de equilíbrio durável, de tanto que viola a natureza humana: seu triunfo quase absoluto, que chegará no fim dos tempos, será muito breve.

Bernardin dá-nos uma boa análise da atual síntese dialética destinada a alcançar uma falsa paz universal que não será senão uma ditadura assustadora: “A sociedade ainda cristã, tal como existia antes dos movimentos revolucionários, se organizava em torno de um princípio transcendente que lhe dava sua unidade tanto ‘nacional’ quanto ‘internacional’, se remontarmos à época em que toda a cristandade reconhecia a autoridade suprema do Papa. A luta das classes, aí, não era senão, no máximo, um elemento secundário. Vieram em seguida os movimentos revolucionários, culminando com o comunismo que exacerbou o antagonismo de classes no interior das nações e dividiu o mundo em dois blocos inimigos. Ele forneceu a antítese, uma sociedade atéia e fragmentada na qual, em vez de procurar melhorar verdadeiramente a condição operária, se eliminou a burguesia ou pelo menos se alimentou o ódio em relação a ela. A síntese desses dois momentos é a perestroika (e o mundialismo) que, renunciando a à luta de classes para tender na direção de um ‘Estado de todo o povo’, quer recriar uma sociedade unificada, interiormente e exteriormente, tanto no nível nacional quanto na escala internacional. Mas, a meio caminho, no curso desse processo dialético, perderam-se a cristandade e Deus… Temos aqui um exemplo típico daquilo que se deve chamar, malgrado todos os legítimos argumentos teológicos opostos, a dialética do bem e do mal. Uma situação má, no caso a divisão das sociedades e do planeta, é provocada pelos revolucionários (antítese). As tensões nacionais e internacionais que ela engendra clamam por um retorno ao bem, à unidade social e ao apaziguamento dos conflitos internacionais. Mas a síntese proposta sob o disfarce de retorno à normalidade, e que busca efetivamente voltar à unidade social, não é de maneira alguma semelhante à situação inicial: o mundialismo e o ‘Estado de todo o povo’ não são senão a forma mais completa e acabada do totalitarismo integral. Trocou-se a unidade social pelo totalitarismo, a unidade pela totalidade” (12).

Esse totalitarismo tem por objetivo despojar o homem de sua dignidade de criatura de Deus e torná-lo pura e simplesmente um animal:

“Desembaraçadas dos últimos resíduos de cristianismo as mentalidades, será então possível voltar ao culto da Terra — sob uma forma modernizada, naturalmente. A ecologia se tornará o princípio organizador da futura civilização, sobre o qual se edificará a espiritualidade global, pura negação da graça e do sobrenatural cristão, retorno ao eterno naturalismo, ao paganismo. Pois, uma vez efetuada essa mudança de paradigma, uma vez decaído o homem de sua dignidade de ente criado e desejado pelo próprio Deus, o indivíduo necessariamente desaparece por trás da coletividade, cujo assentamento ecológico é o que mais importa conservar: a Terra, então elevada ao nível de Deusa-mãe. As conseqüências desse rebaixamento então se desdobram, inelutáveis: totalitarismo, eutanásia, eugenismo, aborto, etc. A oposição dos ecologistas não poderá impedir que o homem, rebaixado ao nível dos animais, sofra também ele manipulações genéticas e clonagem” (13).

Dada a importância da obra, voltaremos a falar de L’Empire écologique, mas desde já podemos dizer aos leitores que, se tiverem de comprar não mais de um livro em 1999, será preciso absolutamente que seja esse. A obra de Bernardin, pela sua amplitude, ultrapassa em medida bem vasta os assuntos que citamos; seu conjunto constitui uma admirável demonstração, magistralmente sustentada, do objetivo que o autor se propôs: “descrever a etapa atual da Revolução, que deve desembocar na edificação do Império ecológico, da Cidade terrestre; e mostrar como esta, querendo se elevar até o céu, busca realizar neste mundo a Cidade celeste” (14). Nós, cristãos, bem sabemos que é impossível restabelecer o paraíso terrestre, mas que, em contrapartida, o inferno terrestre é sempre, e a qualquer momento, perfeitamente realizável. Que Deus, em Sua misericórdia, se digne de nos poupar essa provação, ou pelo menos de encurtá-la o mais possível!

Ch. Lagrave

NOTAS

  1. O autor refere-se à coluna “Réflexions sur la Politique” que escreve mensalmente em Lectures Françaises. [N. do T.]
  2. Pascal Bernardin, L’Empire écologique, p. 8.
  3. Id., p. 9.
  4. Ibid., p. 69.
  5. Ibid., pp. 54-55.
  6. “Os deuses dos pagãos são demônios”, escrevia São Paulo.
  7. A palavra paradigma é aqui tomada no sentido de “maneira habitual de ver as coisas”.
  8. Holístico ou holista é adaptação de uma palavra inglesa que significa global. O princípio holista implica especialmente a unidade dos contraditórios, o que destrói o fundamento mesmo de todo pensamento lógico. Aplicado à sociedade, esse princípio nega o indivíduo e não leva em consideração senão a comunidade, tal como numa formigueira ou cupinzeiro.
  9. Ibid., p. 12.
  10. Cit. ibid., p. 62.
  11. Ibid., p. 61.
  12. Ibid., pp. 63-64.
  13. Ibid., p. 573.
  14. Ibid., p. 570.

Viva o fascismo!

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 4 de março de 1999

No Brasil de hoje, há três e não mais de três blocos ideológicos.

O primeiro é o neoliberalismo globalista. Ele proclama que a liberdade econômica é a condição necessária e suficiente de todas as outras liberdades, que toda interferência de valores extra-econômicos na vida econômica é uma ameaça ao progresso, que o enriquecimento de todas as pessoas é o objetivo moral supremo e que portanto as leis, os Estados, as religiões, as artes e os costumes devem ser julgados segundo sua maior ou menor capacidade de fomentar a prosperidade geral num ambiente de livre mercado.

Daí ele conclui que todas as barreiras nacionais, religiosas e culturais que se opõem à mundialização do mercado são obstáculos ao progresso humano. Para derrubá-los, ele cria a técnica da engenharia social que permite destruir os valores tradicionais, abolir as diferenças de culturas nacionais e religiosas por meio da educação em massa, da propaganda e das leis. Todos os atos, sentimentos e reações humanas, mesmo os mais íntimos, tornam-se então objeto de planejamento estatal – e, quando finalmente a liberdade econômica impera sobre o mundo, todas as demais liberdades desapareceram para sempre.

O segundo bloco é socialista. Ele proclama que a igualdade é o supremo valor. Não existe pior mal no mundo do que um homem ser rico e o outro pobre. Quando todos estiverem economicamente nivelados, um não poderá mais oprimir o outro pela ameaça da fome e do desemprego.

Para instituir a igualdade, é preciso quebrar a espinha dorsal do poder econômico, e o instrumento para fazer isso é o Estado. Mas como quem tem o poder econômico não o cede de mão beijada, o Estado, para tomá-lo, tem de ser forte, muito mais forte do que o ralo Estado liberal que se contentava em ser um árbitro entre mercadores. Os funcionários do Estado socialista investem-se então de poderes especiais. O poder não somente se centraliza, mas se eleva. Abolido o poder econômico, resta apenas o poder político. As diferenças entre os homens não desapareceram, mas agora só há uma diferença essencial: a diferença entre quem tem e quem não tem poder político, entre quem está dentro e quem está fora da Nomenklatura. Antigamente, o homem alijado do poder político podia usar do poder econômico, seu ou emprestado, para fazer face à autoridade do Estado. O poder econômico fazia a mediação entre os de cima e os de baixo. Agora não há mais mediação. Quem sobe, sobe dentro do Estado. Quem cai, cai pelo cano do esgoto do Estado. E como não há poder fora do Estado, é compreensível que quem está dentro não queira sair nunca, e quem está fora não tenha como entrar senão por especial concessão dos de cima. Quando finalmente se estabelece a perfeita igualdade econômica, a desigualdade de poder político é tamanha, que torna o governante socialista uma divindade inacessível aos clamores de baixo.

O terceiro bloco é o fascismo. Hoje ele não encanta senão a uma minoria, mas é uma minoria profética. Ele proclama que o liberalismo é a ditadura do poder econômico, o socialismo a ditadura do poder político. Quem tem de mandar, diz ele, não é este nem aquele: é a nação.

Para fortalecer a nação, ele propõe uma aliança do poder econômico com o poder político, do capital com o Estado. A nação é a unidade, a conciliação dos contrários, a superação de todas as divergências. Com os dois poderes irmanados e cantando em uníssono na harmonia do Estado-síntese, a nação ergue a cabeça entre as nações e, se alguém reclamar, pau nele. Se o neoliberalismo realizava a liberdade mediante a supressão das liberdades, se o socialismo realizava a igualdade mediante a absolutização da desigualdade, o fascismo encarna o terceiro ideal da modernidade. Ele realiza a fraternidade: no fascismo todos os que têm poder são irmãozinhos, e não gostam que a gente se meta nos assuntos de família deles.

Donde concluo fatalmente que só o fascismo, embora aparentemente minoritário, tem futuro, porque só ele pode tornar felizes, ao mesmo tempo, os neoliberais e os socialistas. E nós? Ora, eles vão estar tão felizes que não vão querer saber a nossa opinião. E, a essa altura, se vocês querem meu conselho, será melhor mesmo não ter nenhuma.

Os Donos do Brasil

Por Donald Stewart Jr.


18 de Fevereiro de 1999

Meu falecido amigo Donald Stewart Jr. — brasileiro filho de canadense – foi um dos homens mais conscientes que conheci neste país. Engenheiro e empresário, sempre ocupadíssimo com projetos complicados de construção civil, escrevia melhor que qualquer jornalista da época e compreendia a sociedade brasileira com mais acuidade que muitos cientistas sociais. Autor de uma esplêndida tradução de Ação Humana de Ludwig von Mises e de vários artigos brilhantes publicados no Jornal do Brasil, foi também o fundador e o grande incentivador do Instituto Liberal. Um correspondente anônimo, a quem muito agradeço,  teve a feliz lembrança de me enviar por e-mail este artigo de 1999, no qual Stewart mostra algo da sua capacidade de enxergar o óbvio que ninguém queria ver. – O. de C.

É crença geral que os donos do Brasil são aqueles que são donos de alguma coisa: donos de casas, apartamentos, empresas, fazendas, títulos, ações, direitos, etc. É compreensível que assim seja porque todos nós, seres humanos, queremos sempre ser donos de mais alguma coisa, o que nos leva a crer que os que são donos de todas as coisas são os `Donos do Brasil`.

 O que também leva a maioria das pessoas, seja por inveja, seja por uma sensação de injustiça, a hostilizar os empresários, os banqueiros, os fazendeiros, os ricos, os herdeiros, os que são donos das coisas enfim. Curiosamente essa mesma hostilidade não ocorre em relação aos que são donos de um talento qualquer como compor música ou jogar futebol, embora não raro esses `artistas` possam ser donos de mais coisas do que os que são hostilizados como proprietários. Talvez seja porque todos nós podemos aspirar a vir a ter aquilo que os sem um talento explícito conseguiram ter e certamente nenhum de nós imaginaria ser possível vir a ter o talento de um Chico Buarque ou de um Ronaldinho. Confortados por essa hostilidade, com o ego atendido ao qualificar como injustiça o resultado que lhes desagrada, a imensa maioria das pessoas não chega a perceber quem são, na realidade, os verdadeiros donos do Brasil.

 Os verdadeiros `Donos do Brasil` são os políticos. Não porque sejam os donos das coisas, mas porque são os donos de nós todos, os brasileiros, que somos apenas os donos das coisas. São eles que têm o poder de nos tornar mais ricos (os das elites empresariais que são beneficiados por alguma forma de proteção ou privilégio que o governo lhes concede), ou mais pobres (os que compõem a imensa maioria e que sofrem as conseqüências das medidas adotadas pelos políticos ). São eles que podem confiscar nossa poupança, conceder-nos aposentadorias milionárias, dar benefícios a empresas nacionais ou multinacionais para instalar seu negócio na sua área de influência, gastar mais do que arrecadam gerando um déficit público e por conseqüência uma dívida pública – e não pagar a dívida assim gerada. São eles que podem reduzir o poder de compra dos assalariados via inflação (poder que tem sido bem menos usado nos últimos anos, mas que pode voltar a ser usado a qualquer momento), aumentar impostos no último dia do ano, todos os anos, aumentar ou não aumentar a taxa de câmbio, a taxa de juros. São eles que podem criar novos municípios e os seus respectivos aparatos burocráticos (foram criados mais de mil desde 1990), embora a sua arrecadação não seja suficiente para cobrir sequer 15% da despesa. Enfim, será difícil apontar algo que os `Donos do Brasil` não possam fazer tanto para o bem como para o mal.

 E, é verdadeiramente estarrecedor constatar que tudo isso podem fazer sem serem responsabilizados pelos seus atos. Podem contrair uma dívida para eleger o seu sucessor, assim como podem não pagar dívidas legitimamente constituídas e nada lhes acontece. Suas atitudes e opiniões são fruto de circunstâncias conjunturais e dos efeitos de curto prazo. São capazes de promulgar uma Constituição como a de 1988, e tentar reforma-la cinco anos depois. Vivem no paraíso: são donos sem serem responsáveis.

 Eles são os FHC, os Lula, os Covas, os Maluf, os Sarney, os ACM, os Itamar, os Brizola. Pouco importa se tenham sido eleitos democraticamente ou tenham assumido o poder rompendo uma ordem institucional. São também, ou foram, os Getúlio, os Geisel, os Figueiredo, os Delfim. São eles, ou foram eles, pelo que nos meus já 50 anos de vida ativa pude observar, os que tomaram as decisões que resultaram no país que temos hoje. E sempre o fizeram, sem exceção, dizendo agir em nome e em benefício do povo brasileiro, preocupados com os mais carentes e com os mais necessitados e nos legaram o país não desenvolvido que somos, a constituição que nos rege, as instituições que nos vigem, os privilégios e os infortúnios que nos beneficiam ou nos infelicitam. Se V. está satisfeito com tudo isso é a eles que V. deve render a sua homenagem. Se não está, precisa tomar consciência da absoluta necessidade de reduzir o tamanho do Estado e, consequentemente, reduzir o poder da classe política.

 Não se trata de substituir quem está no poder. Trata-se de reduzir o poder dos políticos o que implica em limitar o Estado àquelas funções em que ele é o agente mais adequado: as funções necessárias ao provimento da ordem e da justiça. E para isso não há necessidade de gastar, como é o caso nos dias de hoje, cerca de 37% do PIB. Bastariam 10% do PIB.

 Não se trata de tirar o poder dos políticos para entregá-lo aos empresários ou aos militares ou aos padres ou a quem quer que seja. O poder, quanto mais diluído, mais descentralizado melhor, para que o cidadão não fique sujeito aos desatinos de seu arbítrio, nem possa almejar o benefício de sua generosidade, que, no mais das vezes, é apenas uma manifestação de altruísmo com o dinheiro alheio, não raro por motivos escusos. O poder dos empresários, as vezes tão temido e hostilizado, combate-se facilmente. Basta submetê-los à competição; à mais desobstruída competição. O que qualquer empresário realmente teme é ver outro empresário mordendo-lhe os calcanhares, obrigando-o a ter que trabalhar mais para poder vender por menos.

 Reduzir o poder dos políticos não é tarefa fácil porque implica em tirar poder de quem está no poder. Se V. leitor achar que, embora difícil, é algo que precisa ser tentado, junte-se aos que defendem o Estado mínimo, a igualdade perante a lei, a responsabilidade individual, a ausência de privilégios e a economia de mercado. Mas venha munido de tenacidade e paciência porque uma mudança cultural dessa natureza implica num esforço de convencimento que leva, pelo menos, o tempo de uma geração. É difícil, é verdade, mas não é impossível. Talvez a maior dificuldade consista no fato de que muita gente prefere depender dos políticos do que depender de si mesmo; prefere ser propriedade dos políticos do que ser dono de si mesmo.

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