Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 22 de março de 2007

Quando Georg Lukács proclamou que o inimigo prioritário a ser destruído pelos comunistas não era “o capitalismo”, mas “a civilização judaico-cristã” — sendo logo seguido nisso pelos frankfurtianos, por Antonio Gramsci e enfim por todo o movimento esquerdista mundial –, ele enviou aos adeptos do capitalismo uma mensagem que eles não parecem ter recebido até hoje: esvaziado dos valores civilizacionais judaico-cristãos, o livre mercado é o terreno ideal para o florescimento da revolução cultural marxista.

A experiência não cessou de lhe dar razão: quanto mais as sociedades capitalistas abandonam os princípíos que aprenderam com o judaísmo e o cristianismo, mais poder e autoridade ganham os movimentos de esquerda. Isso acontece por igual na Europa Ocidental, nos EUA e nos países periféricos em transe de “modernização capitalista”. Se a queda da URSS não diminuiu em nada a força do esquerdismo ocidental, é porque este tirava e tira sua energia das próprias condições locais, e não da ajuda soviética. Essas condições podem ser descritas sumariamente assim: expansão capitalista e destruição concomitante das bases morais e culturais do capitalismo. Entre os dois fatores, a ampliação dos meios de participação democrática é financiada pelo primeiro para acabar servindo cada vez mais ao segundo.

O liberalismo, erigindo o livre mercado no princípio máximo da vida social em substituição aos antigos valores civilizacionais que o possibilitaram, é o instrumento ideológico principal dessa transmutação masoquista do capitalismo em imimigo de si mesmo. No mínimo, a democratização liberal-capitalista em curso é o fato consumado, é a situação vigente, e por isso mesmo não pode ser um ideal de futuro. O liberalismo torna-se assim o advogado do status quo que o estrangula culturalmente, deixando aos esquerdistas o reino dos ideais e valores. Quando se apossa dos slogans “progressistas” da esquerda para tentar provar que se realizam melhor no capitalismo, tudo o que consegue com essa simulação de esperteza é subsidiar com o dinheiro capitalista o aumento do prestígio da esquerda, reduzindo o capitalismo a um meio e entregando à utopia socialista o monopólio do fins, o cetro da autoridade moral. Daí o paradoxo: quanto mais notório o sucesso econômico do capitalismo, mais espetacular a ascensão cultural e política do socialismo.

Lênin dizia: “O capitalismo nos fornecerá a corda com que o enforcaremos.” O liberalismo é essa corda.

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Milhares de pessoas deixaram de ser homossexuais por meio de tratamento ou devoção religiosa. Época jamais entrevistou uma delas. Mas bastou um pastor que trabalhava na área contar que era gay enrustido, e a revista fez o maior barulho em torno do charlatão confesso, dando a entender que todos os envolvidos em evangelização de homossexuais são como ele. Isso não é jornalismo. É propaganda. As duas maiores revistas semanais brasileiras, Veja e Época, são amostras patentes de como a defesa da economia de mercado pode coexistir com a adesão cega e subserviente às metas da revolução cultural  esquerdista.

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