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Professores…

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de agosto de 2013

          

No debate da TV Futura com o intelectual católico Sidney Silveira, talento que merecia adversários bem melhores, um sr. Ricardo Figueiredo de Castro, professor de História Contemporânea na UFRJ, deu um show de ignorância à altura do que é de se esperar da classe universitária hoje em dia, enquanto seu colega Paulo Domenech Onetto, professor de Filosofia Política na mesma instituição, preferiu caprichar na baixeza e na mendacidade, como seria mais próprio de um ministro de Estado.
O primeiro, com aquele olhar de tranquilidade soberana que dá a qualquer um os ares de uma tremenda autoridade científica, assegurou que “os conservadores de hoje em dia, como os do século 19, tendem a pensar o processo histórico desde uma perspectiva rígida, formalista, que não aceita a mudança”.
Sei o quanto é injusto exigir que um professor universitário atual conheça alguma coisa, mas, se esse professor conhecesse ao menos a história da disciplina que leciona, saberia que o senso do tempo, da história e da mutabilidade foi introduzido no pensamento europeu por historiadores e intelectuais conservadores, em reaçãoà ideia dos revolucionários de 1789 que, inspirados na física newtoniana, acreditavam numa sociedade moldada segundo os cânones universais e imutáveis da Razão.
Os nomes de Georg W. F. Hegel, Edmund Burke, François-René de Chateaubriand, Leopold von Ranke e, mais tarde, os de Jacob Burckhardt e Hippolyte Taine, deveriam bastar – para quem os leu, o que não é o caso – para eliminar qualquer dúvida a respeito.
Já entre os revolucionários, nem mesmo em Karl Marx aparece claramente o senso da “mudança como algo inerente ao processo histórico”, para usar os termos do prof. Figueiredo, já que a visão marxista da história é a de um processo predeterminado por leis tão imutáveis quanto as de Newton, caminhando de fatalidade em fatalidade até desembocar no socialismo.
A elevação da “mudança” às alturas de mito abrangente e força universal soberana não aparece no pensamento ocidental moderno antes de Nietzsche, embora tenha tido alguns precursores nas fileiras do anarquismo e em alguns obscuros representantes da intelectualidade revolucionária russa pré-marxista.
Confiante na sua devota ignorância histórica, o referido sentenciou ainda que os conservadores “tendem a exagerar o papel dos políticos de esquerda na condução do processo de transformação, como se este fosse gerido por pequenos grupos de intelectuais e não algo que faz parte da dinâmica da sociedade”.
Ele deveria ter ensinado isso a Lênin, que zombava de todo “espontaneísmo”, como ele o chamava, e enfatizava mais que ninguém o papel da vanguarda revolucionária. Poderia também ter dado lições a Georg Lukács, para o qual a consciência de classe do proletariado não era sequer uma realidade presente, mas uma possibilidade abstrata a ser concretizada pela ação da elite. Poderia também passar uns pitos em Antonio Gramsci, para o qual a força criadora da revolução está acima de tudo na elite intelectual. Ou poderia escrever uma tese de que Lênin, Lukács e Gramsci foram conservadores.
É claro que na sociedade há processos de transformação espontâneos mesclados à ação planejada de grupos políticos. Já disse aqui que a distinção meticulosa desses  fatores, bem como a análise das suas múltiplas relações e interfusões  é a chave de toda narrativa histórica decente.
Mas quererá o prof. Figueiredo dizer que setenta milhões de chineses foram para o beleléu assim sem mais nem menos, por força da mera “dinâmica da sociedade”, sem que alguém no topo do governo ordenasse a sua extinção? Quer dizer que 20 milhões de russos foram morrer no Gulag levados por forças impessoais e anônimas e não por um decreto oficial?
Quer dizer que 30 mil vítimas das Farc morreram porque estavam acidentalmente na direção de balas perdidas, e não porque a narcoguerrilha as matasse? Quer dizer que 17 mil cubanos foram fuzilados por acidente e não por ordem  de Fidel Castro e Che Guevara? Quer dizer que 6 milhões de judeus pereceram no Holocausto por mera coincidência, sem que ninguém no governo alemão decidisse dar cabo deles? Quer ele ignorar que os acontecimentos de maior impacto desde o início do século 20 foram decisões fatais de elites governantes e grupos ativistas?
Pois já que ele acredita tanto no poder da mudança, deveria saber que a principal mudança histórica dos últimos 100 anos foi a criação de meios técnicos de ação que aumentam formidavelmente o poder das elites governantes e dos grupos ativistas bem financiados, reduzindo a população a um estado de inermidade patética.
O professor também disse que não vê “nenhuma animosidade contra os conservadores na universidade brasileira” e que “os comunistas nunca foram hegemônicos no PT”. Tsk, tsk, tsk.
Seu colega, o sr. Paulo Domenech Onetto, também tem algumas opiniões, mas não vêm ao caso. Na ânsia de dizer algo contra mim, afirmou, com ares de quem acreditava nisso, que tenho à minha volta um pelotão de guarda-costas eletrônicos, que barram o acesso à minha pessoa na internet, para me proteger de debates.
 Não ocorreu à criatura que para fazer isso os referidos teriam de violar a minha correspondência e neste caso não seriam meus guarda-costas, e sim espiões. Interessa conhecer as opiniões de um difamador mentecapto incapaz
de compreender as suas próprias invencionices?

Um discípulo tardio do sr. Sidney Silveira (Meus caros críticos — IV)

Olavo de Carvalho

Mídia Sem Máscara, 6 de fevereiro de 2012

Na nota que acaba de publicar hoje, 6 de fevereiro, o sr. Lemos não responde a nenhuma das minhas objeções e muito menos se explica quanto à sua conduta abjeta e covarde. Ao contrário, usa da mesma velha tática do Sr. Sidney Silveira, a desconversa elegante, buscando dar a impressão de que aquela discussão é indigna da sua altíssima pessoa. Age como um porco e depois se faz de anjo de pureza. Se é verdade que ele não tem, como proclama, “nenhum interesse em polêmica, xingamentos, ataques pessoais e pirotecnia”, por que espalha insinuações venenosas e depois faz de conta que está muito acima delas, pairando no céu das idéias? Não há nada de tão sublime em dar um tapa e esconder a mão. Poucas coisas no mundo são tão desprezíveis quanto uma conduta de intrigante e fofoqueiro encoberta sob afetações de dignidade intelectual.

Se fosse preciso discutir o conteúdo filosófico do que ele diz ali e na sua mensagem anterior, bastaria, para mostrar que é tão desonesto quanto a sua atitude moral, observar que ele só admite duas alternativas: ou um mergulho na lógica matemática ou a queda no beletrismo divinatório. Colocado nesses termos, o problema já está resolvido de antemão: quem, entre o “trabalho sério” e a “pirotecnia”, escolherá ostensivamente a segunda, desmoralizando-se no ato? Espremida a questão nessa moldura, o pobre leitor não tem saída: ou se confessa um palhaço, um charlatão, ou se encerra de vez na prisão da escola analítica, agradecendo ao sr. Júlio Lemos por trancar a porta às suas costas.

Acontece que a equação assim formulada é uma grosseira falsificação do estado da filosofia dos últimos cento e poucos anos. Os métodos da lógica matemática não são os únicos que existem no mundo, nem se revelaram jamais apropriados para todos os assuntos. Entre os dois extremos que para o sr. Lemos constituem as únicas opções possíveis, estendem-se as “ciências do espírito”, as várias fenomenologias e existencialismos, a Gestalt, as não sei quantas correntes da psicanálise e da psicologia profunda, o marxismo em suas dezenas de variantes, a “nova retórica” de Chaim Perelman, a metodologia dialética de Louis Lavelle, a “lógica da filosofia” de Éric Weil, o neopragmatismo, o estruturalismo, o desconstrucionismo, os estudos de simbolismo e religiões comparadas, a técnica histórico-meditativa de Eric Voegelin, a historiografia simbólica de Modris Eksteins, a neuro-história da arte de Baxandall e mil e um outros métodos e abordagens que a filosofia analítica nem absorveu, nem impugnou. Tentar assimilar criticamente vários desses pontos de vista e articulá-los na medida do possível para obter daí um método viável de compreensão da sociedade, da história, da cultura e de alguns problemas clássicos da filosofia não é “trabalho sério”?

Ou o sr. Lemos, jovem como é, já assimilou e superou com a velocidade da luz todo esse arsenal de perspectivas e conhecimentos, chegando à conclusão de que é tudo bobagem e de que só a escola analítica tem consistência, ou sua afeição a essa escola é uma simples preferência de juventude que ele, na sua presunção boboca, toma a priori como superior a tudo o que ele desconhece.

Que autoridade divina ele não precisaria ter para saltar por cima de todo um século de filosofia e proclamar que fora da lógica matemática há apenas “pirotecnia” e nenhum “trabalho sério”?

O pior é que, depois de resumir assim explicitamente e reiteradamente o leque de opções a esses dois extremos, ele procura atenuar a impressão de fanático da escola analítica, que teme ter deixado nos seus leitores, e passa a declarar que não é tão logicista assim, que aliás não é nem mesmo wittgensteiniano, que, no fim das contas, talvez seja até um pouco tomista. E nem parece se dar conta de que, com isso, está confessando que a redução do quadro a uma opção entre a “seriedade” da lógica matemática e o “beletrismo” de tudo o mais foi apenas uma falsificação, um truque de retórica vagabunda para impressionar a meninada, para ludibriá-la num jogo de cartas marcadas, para induzi-la à força a uma conclusão artificiosa.

O post que ele acaba de publicar constitui-se de considerações destinadas a esclarecer o seguinte ponto: Qual é a exata posição de Júlio Lemos no panorama das escolas filosóficas? Será ele um analítico? Será um wittgensteiniano? Será um aristotélico? Será um tomista? Será um UFO?

É como se o mundo, perplexo ante a riqueza desnorteante de perspectivas na obra publicada de Júlio Lemos, aguardasse ansiosamente uma autodefinição do filósofo para saber onde situá-lo no quadro histórico. Mas, em primeiro lugar, o sr. Lemos não tem obra publicada nenhuma. Ninguém está desorientado quanto às suas idéias, pela simples razão de que ninguém sabe sequer se elas existem. Segundo: o lugar do sr. Lemos na História não era o assunto da discussão. Terceiro: se um debatedor, pego em flagrante delito de difamação velada e falsificação erística da realidade, não responde nada e desvia a conversa para uma autocatalogação erudita, é evidente que ele está tentando apenas parecer bonito para camuflar a feiúra da sua conduta, como se a vaidade fosse um atenuante da intriga e da mendacidade.

Para piorar ainda mais as coisas, o sujeito faz alarde de seus altos estudos de lógica no instante mesmo em que incorre no truque erístico pueril que assinalei acima, o de prejulgar a questão reduzindo as alternativas a duas propositadamente recortadas para fazer de uma delas a escolha obrigatória. Mesmo supondo-se que ele conhecesse lógica tão extensamente quanto pretende, de que teriam servido tantos e tão dificultosos estudos se não o habilitam sequer a perceber um ardil de falsa retórica no ato mesmo de apelar a esse expediente cretino?

O domínio que um filósofo tem da lógica não se evidencia no que ele gargareja a respeito dela, mas no uso efetivo que faz dela ao analisar problemas da realidade e da experiência. O próprio Aristóteles ensina que a lógica não faz parte da filosofia, que ela é apenas um preâmbulo aos estudos filosóficos, tal como algum conhecimento de gramática é um preâmbulo à arte literária sem ser parte integrante dela. Isso quer dizer, claramente, que a filosofia começa onde a lógica cessa de ser um foco de atenção autônomo e se incorpora à mente do filósofo como um habitus, um automatismo inconsciente ou semiconsciente, que serve às investigações propriamente filosóficas com a docilidade de um motor que não faz ruído, exatamente como, no corpo saudável, o funcionamento dos órgãos internos passa despercebido.

A lógica do sr. Lemos, ao contrário, só faz barulho, não cessa de chamar a atenção para a sua augusta importância, mas, na hora de expor uma questão que nada tem de complexa e dificultosa, falha miseravelmente, apelando à erística mais tosca.

O sr. Júlio Lemos não é sério: é apenas afetado. E não dá o menor sinal de que, num futuro próximo, se tornará capaz de distinguir uma coisa da outra.

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