Olavo de Carvalho
30 de julho de 1999
Ao leitor Diogo Rosas Gugisch, de Curitiba, que protestava contra o boicote da Gazeta Mercantil ao meu trabalho de estudioso e intérprete da obra de Otto Maria Carpeaux, o sr. Daniel Piza Nabolla, editor do caderno de cultura desse jornal, enviou a seguinte resposta, que o destinatário me retransmitiu hoje por e-mail:
Caro Diogo,
Imaginar que dei minhas opiniões em contraste com as de Olavo de Carvalho é que é uma gozação. Quanto ao trabalho de pesquisa de dois anos em ritmo “mouro”, soube que ele não estava sozinho, ao contrário de mim quando organizei o livro de Francis (além disso, montar verbetes é bem mais complicado do que juntar artigos). Mas não desmereço a empreitada, não tanto que a destacamos em capa. Um abraço,
Daniel Piza
A resposta evidencia que toda discussão racional se tornou impossível no presente caso, porque a discussão racional subentende a referência a um conjunto de dados que seja acessível a ambas as partes, e a diferença entre o comércio editorial e o estudo científico da literatura não está, ao menos no momento, acessível ao sr. Piza Nabolla.
Sua antologia de frases de Paulo Francis é o tipo da obrinha de ocasião, que nenhum repórter tarimbado levaria mais de uma semana para realizar, principalmente se composta, como é o caso do Dicionário da Côrte, exclusivamente de textos recentes, conservados nos arquivos eletrônicos dos jornais que os publicaram, e prontos para obeceder ao comando Copy and Paste do programa Word. Quanto a “montar os verbetes”, por enigmática e prestigiosa que se anuncie esta expressão, consiste apenas em colocá-los em ordem alfabética, tarefa que, se pode apresentar dificuldades temíveis desde o ponto de vista do sr. Nabolla, não deve ter sido tão árdua para o seu computador, mesmo que não se tratasse de um pentium e sim — como o próprio sr. Nabolla — apenas de um pentelium.
Que o sr. Piza Nabolla enalteça até às nuvens a micharia que, com atrozes dores de parturiente, foi tudo quanto até hoje o seu cérebro criador pôde dar ao mundo, é coisa que não se deve estranhar, pois, afinal, até as ratazanas lambem as crias, sem nojo algum e até com ares de quem pariu coisa que preste.
Que, porém, ele o faça em detrimento de algo como os Ensaios Reunidos, alegando que “montar verbetes é bem mais complicado do que juntar artigos”, só mostra que não tem a menor idéia do que seja a pesquisa e edição de textos literários. Não posso, evidentemente, argumentar com alguém que ignora tão completamente um dado essencial da discussão. Mas esse dado é acessível a qualquer aluno de letras e é, na verdade, a condição prévia para o ingresso nos estudos literários, de vez que nenhum estudante incapaz de distinguir entre uma simples publicação comercial e um documento preparado para uso científico logrará chegar ao fim do primeiro ano de faculdade.
“A proliferação dos erros produziu a multiplicação das explicações“, dizia Joubert. É verdade, mas não vejo sentido em ficar explicando ao sr. Piza Nabolla que a pesquisa de jornais extintos, em arquivos de quatro Estados, seguida de cotejo e anotação de 3.000 páginas de originais defeituosos e da redação do primeiro estudo abrangente sobre o seu autor, não é propriamente “juntar artigos”. Ele teria a obrigação de saber disso, ou, não o sabendo, pelo menos deveria ter imaginação bastante para fazer uma idéia da coisa. Mas a imaginação pressupõe o senso das proporções, que, já se viu, falta completamente ao sr. Nabolla.
Que a responsabilidade de um caderno de cultura seja entregue a um sujeito capaz de expor com tanta candura sua ignorância dos elementos básicos da investigação literária, eis um fato que ilustra, mais que qualquer outro, o estado de completo descalabro a que chegou a nossa imprensa soi disant cultural.
Mas não é somente no aspecto intelectual que o sr. Nabolla Piza está bem abaixo das responsabilidades que nominalmente lhe incumbem. Pelo lado moral ele não está nada melhor. Pois, além de ser um ignorante presunçoso, é também um mentiroso e um difamador.
Mentiroso, porque simplesmente não é verdade que ele preparou sozinho o Dicionário da Côrte de Paulo Francis — antologia de autor vivo que contribuiu pessoalmente para a feitura da obra, não só lendo e aprovando a seleção, mas escrevendo-lhe o prefácio (Dicionário da Côrte de Paulo Francis, São Paulo, Companhia das Letras, 1996).
Difamador, porque a frase “soube que ele (Olavo de Carvalho) não estava sozinho (na preparação do livro de Carpeaux)” é um primor de ambigüidade perversa, destinado a deixar no leitor a impressão de que meus méritos não são somente meus, mas também de algum misterioso ghost writer.
Sim, porque essas palavras não podem se referir a meus auxiliares — pesquisadores, revisores, artistas gráficos —, a cujas contribuições, ostensivamente listadas e reconhecidas no começo do livro, nada deve o meu trabalho pessoal de intérprete e biógrafo de Otto Maria Carpeaux.
Ninguém, para referir-se a fato público e notório, usa a expressão “soube que…”. Ao contrário: este modo de dizer alude a alguma informação discreta ou sigilosa, a que o falante teria tido acesso por meios especiais. Ao usá-la, o sr. Piza Nabolla tenta deixar o leitor com a pulga atrás da orelha, perguntando a si mesmo: “Qual será o cérebro que move o Olavo de Carvalho?”.
Da minha parte, não tentarei incutir na mente dos leitores pergunta semelhante no que concerne ao fofoqueiro que pretende assim minar minha reputação: ninguém daria atenção às minhas insinuações, pois todo mundo já sabe que nenhumcérebro move o sr. Nabolla.
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