Apostila do Seminário de Filosofia

TERCEIRA AULA

Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro, 29 de março de 1994.

Transcrição de:
Heloísa Madeira
João Augusto Madeira
e Kátia Torres Ribeiro

1a parte

O pensamento de Aristóteles surge dentro de certo desenvolvimento em três etapas do que chamamos a Filosofia do Conceito – aquela que busca um objeto estável, algo que possa ser objeto de conhecimento, e o encontra, com Sócrates, no elemento conceptual da realidade. Elemento conceptual é a parte ou aspecto dos entes que, podendo ser resumido, encaixado dentro de uma forma mental fixa, revela o que estes entes são em essência, independentemente das variações ou transformações que possam sofrer no curso de sua existência. Por exemplo, um animal qualquer, leão, cavalo, burro, por um lado tem este aspecto essencial que faz com que possamos designá-lo sempre pelo mesmo nome referindo-nos à mesma espécie; por outro lado, é evidente que não há dois cavalos iguais, dois leões iguais. Também é evidente que o cavalo não permanece o mesmo desde que nasce até que morre. E que todo o processo de geração, existência, corrupção e morte não afeta a essência ou elemento conceptual destes entes. O leão morto não passa a ser outra coisa;é um leão, essencialmente o mesmo, porém privado de existência. Distinguindo entre o que seria o aspecto essencial e o aspecto acidental ou transitório das coisas, o método de Sócrates propunha que a mente humana se preocupasse principalmente do elemento conceptual, sendo que o outro aspecto não seria propriamente matéria de conhecimento, mas apenas de sensação e opinião.

Em seguida, com Platão, vemos que este elemento conceptual, já recortado, separado por Sócrates, adquire uma espécie de autonomia no sentido ontológico. Em Sócrates, a divisão entre o aspecto existencial e o conceptual era apenas técnica; era um artifício através do qual Sócrates tentava apreender um aspecto mais valioso da realidade, digno de ser investigado. Em Platão, esse aspecto separado por Sócrates é enfatizado como sendo ele mesmo a realidade, ao passo que o aspecto existencial, acidental e transitório é visto como uma espécie de tecido de aparências que nos oculta a verdadeira realidade. A passagem de Sócrates para Platão é bastante nítida; é uma diferença quase abissal. Uma coisa é dizer que vale mais a pena olhar a realidade por determinado aspecto por ser ele mais revelador; outra coisa é dizer que este aspecto é que é real e que o outro é, se não totalmente falso, pelo menos parcialmente ilusório. Podemos resumir tudo dizendo que em Sócrates a divisão dos dois mundos ou aspectos tinha um sentido metodológico, ou gnoseológico, e em Platão passa a ter um alcance ontológico. Um preceito metodológico ensina como você deve investigar as coisas; um princípio ontológico estabelece como as coisas realmente são..

Muitas vezes, na história do pensamento e na história das ciências, aconteceu que preceitos metodológicos se transformaram em leis ontológicas. O caso mais recente é o do marxismo. Marx diz que devemos olhar a constituição da sociedade em primeiro lugar por sua infra-estrutura econômica e depois, em função dela, descrever os outros estratos da sociedade – leis, política, costumes, valores, artes etc. Em primeiro lugar, isto é um preceito metodológico e como tal obviamente funciona. Porém, tem isto também um alcance ontológico? Será a sociedade objetivamente constituída assim? Uma base econômica sobre a qual e e função da qual se vão criando outros estratos? Marx não deixa isto muito claro. Ele diz apenas que em última instância o fator econômico é decisivo, dando a entender que outros fatores podem ser decisivos em instâncias não últimas. Como ele não diz em parte alguma o que entende por última instância e onde termina a instância penúltima, o mais prudente é interpretar o seu preceito em sentido apenas metodológico. Porém, a tradição marxista começou a tratar esta hierarquia metodológica como se fosse um preceito ontológico. Como se a sociedade fosse construída realmente de baixo para cima, a partir de um embasamento econômico que determinaria todo o resto. E hoje esta idéia, como preceito ontológico, entrou tão fundo na cabeça das pessoas que praticamente todo mundo pensa assim, mesmo quem não gosta do marxismo… O que seria um mero preceito metodológico ou no máximo uma hipótese ontológica acaba virando uma convicção das massas que acreditam que isto tenha um fundamento científico.

Também na antropologia, a idéia de que o antropólogo, quando examina diferentes culturas, deve evitar fazer uma hierarquia valorativa, como se uma cultura fosse melhor do que a outra, é um preceito metodológico. Depois, quase que implicitamente, tornou-se uma regra ontológica que diz que “não existem diferenças de valor entre as culturas ou os costumes”. Um costume como a antropofagia, por exemplo, deve ser considerado tão bom – ou tão ruim – como o da adoção dos órfãos. Sempre que passamos do preceito metodológico para o ontológico existe no mínimo uma imprudência muito grande.

Na passagem do socratismo para o platonismo parece ter havido isto e não sei nem se o próprio Platão e os que o cercavam se deram conta desta escorregadela, pela qual foram do metodológico ao ontológico.

E preciso cuidado para saber quando alguém está falando sobre a constituição da realidade ou sobre a melhor maneira de examiná-la. Dizer que um método é mais conveniente do que o outro nada pressupõe a respeito da realidade. O fato de que convenha examinar algo por certo lado não quer dizer que este lado seja objetivamente o mais importante.

Distinção entre a ordem do ser e a ordem do conhecer

Aristóteles esclareceu isto perfeitamente com a distinção da ordem do ser e da ordem do conhecer. Quando o arquiteto concebe uma casa, ele concebe o todo, o esquema geral; mas na ora de construir tem de seguir a ordem exatamente inversa, tijolo por tijolo. Quando você vê a casa, novamente o que vê é o todo; mas quando vai percorrê-la tem de ir parte por parte. Há uma série de inversões da hierarquia. Do mesmo modo, o primeiro que conhecemos nos seres é o seu aspecto exterior e manifesto, mas é claro que este aspecto é o último na sequência de constituição desses seres.

Um preceito metodológico refere-se à ordem do conhecer, que nem sempre reflete a hierarquia real do ser. Quando você conhece uma pessoa, a primeira coisa que vê é a aparência física. Mas como esta pode ser reveladora, se ela é própria apenas daquele momento? Você conhece alguém de quarenta anos, está vendo a aparência desta idade, não sabe tudo o que aconteceu antes. A ordem do conhecer nem sempre vem na hierarquia certa do ser.

Um método é apenas um caminho para chegar a alguma coisa. Ora, descrever o caminho pelo qual você chega de São Paulo ao Rio de Janeiro não é falar nada sobre o Rio. A partir de uma descrição da Via Dutra você nada fica sabendo sobre a cidade do Rio.

Evolução da filosofia do conceito: de Sócrates a Platão.

Se procurarmos em tudo aquilo que está documentado como dito por Sócrates – as falas a ele atribuídas – algo de uma ontologia, não o encontramos de maneira nenhuma. Só encontramos preceitos de lógica, de ética e de metodologia. Quando o Sócrates que aparece nos Diálogos de Platão começa a dar a preceitos de Sócrates valor ontológico, aí podemos dizer que quem está falando é Platão. Ele transformou uma sugestão metodológica numa doutrina formal sobre a constituição do real. Em vez de dizer que é mais fácil examinar os seres pelo seu aspeto conceptual ou lógico do que pelo simples aspecto sensível, ele diz que o aspecto conceptual ou lógico é a verdadeira realidade, e que o aspecto sensível, ou existencial, é aparência, é um véu.

Com isto, uma separação meramente mental que nós fazemos – a separação entre o ser e o seu conceito – é hipostasiada, personificada, materializada numa divisão real do mundo em dois estratos. Como se o mundo único da nossa experiência, aquele sobre o qual investigamos, já não fosse bastante complicado, você cria dois mundos.

A doutrina dos dois mundos é quase um tendência natural do espírito humano. Hoje vemos, dois mil e tantos anos depois de Platão, que certo platonismo já aparecia na arte do homem das cavernas. Isto foi destacado por um grande historiador da arte, chamado Wilhelm Worringer. Ele observou que o homem primitivo, longe de ser um cidadão perfeitamente integrado na natureza, sentindo-se perfeitamente bem ali, é, ao contrário, um ente aterrorizado pela natureza imensa que o cerca, cheia de imprevistos e ameaças incompreensíveis. Por isso mesmo, a arte dos povos primitivos, longe de ser uma arte naturalista, uma arte que retrate a natureza com toda a sua variedade de formas e cores e seres, é uma arte simplificadora, uma arte geométrica, que expressa um impulso abstrativo muito intenso. Worringer explica assim este estilo de arte: quando o mundo real nos parece demasiadamente complicado ou ameaçador, tendemos a nos refugiar num domínio intelectual puro, para podermos encontrar dentro dele os princípios de organização simplificadora, com os quais mais tarde voltaremos a tentar nos instalar no mundo externo. Como você não está entendendo o que se passa fora, recua para organizar os próprios pensamentos. Depois de os ter organizado, volta à ação exterior. Ora, uma arte de ornamentação puramente geométrica é o que se observa em praticamente todas as sociedades tribais; e uma arte naturalista, na qual o artista se deleita em copiar as formas da natureza, só aparece nas sociedades organizadas, na polis. O naturalismo, a curtição da natureza, são próprios do homem civilizado, e não do primitivo. Para este a natureza é um caos, porque ele não tem poder sobre ela. A partir da hora em que consegue organizar o pensamento humano, e em consequência, a sociedade, coloca uma hierarquia, coloca todo mundo para trabalhar, monta as cidades, cria sistemas de produção e defesa, e afinal sente-se mais seguro e face desta natureza, então sim os aspectos terrificantes dela são atenuados e começam a aparecer os aspectos estéticos. A beleza da natureza só é visível depois que você está a uma boa distância dela.

Esta arte primitiva tem também um sentido religioso, ritual, de modo que as formas puramente geométricas expressam um realidade que, não sendo visível neste mundo, não estando na natureza, é no entanto superior a ele, e na qual o homem se sente protegido contra o caos exterior. Expressa um mundo de relações puramente espirituais, angélicas. São símbolos, signos mágicos ou religiosos. Podemos ver nestes fenômenos descritos por Worringer uma espécie de platonismo primitivo, e aí entenderíamos o platonismo não apenas a filosofia de um certo cidadão, mas como uma tendência constante do espírito humano, e que reaparece sempre que a situação fica caótica e o homem, não conseguindo entender o que se passa, procura em primeiro lugar reordenar o seu mundo interior. Por isto dizia Alain que Platão é o filósofo bom para os que estão em dificuldades interiores, ao passo que Aristóteles é para os cientistas e pesquisadores do mundo.

Num outro contexto completamente diferente, Carl-Gustav Jung, que não levo muito a sério como teórico mas cujas observações clínicas são primorosas, notou que sonhar com objetos geométricos acontece na hora em que a anima está dialogando com o superego ( anima é a parte da psique que congrega desejos, aspirações de felicidade; superego é senso imanente de autoridade, legalidade interna ), no sentido de obter autorização para fazer alguma coisa que ela deseja. Na hora e que se estabelece este diálogo que visa reordenar a relação entre as leis e os desejos, é que o sujeito começa a sonhar com figurar geométricas. O geometrismo expressa um princípio de reorganização da mente. Por um motivo muito simples: o geométrico forma uma espécie de ponte entre o puramente matemático e o sensível. As matemáticas começam a se desenvolver primeiro pela geometria e só depois chegam à aritmética pura. No tempo de Platão, a geometria já estava bastante desenvolvida e a aritmética só começa a caminhar uns quatro séculos depois. É mais fácil raciocinar matematicamente com figuras geométricas do que com números abstratos. O geometrismo aparece como um diálogo, uma intermediação entre a parte sensível e a parte inteligível, ou como diria Jung, entre a anima e o superego.

O geometrismo é um recuo para uma reorganização interior, um rearranjo entre as exigências da alma humana e o senso de ordem, hierarquia lógica, realidade firme, etc. Visto assim, o platonismo não é a filosofia de Platão, mas um tendência que reaparece a todo momento, sempre que o homem sente a necessidade de refluir desde um situação exterior caótica até um princípio espiritual, interno, invisível ou transcendente de organização. E se é assim, sempre que houver uma situação de caos social, intelectual, moral, ressurgirá algum platonismo, ou seja, uma divisão do mundo em dois estratos, dando mais atenção ao estrato superior interno, representado em geral por figuras e relações de tipo geométrico. Veremos isto às portas da Renascença, época de muito caos, de dissolução da unidade da civilização cristã, e onde indivíduos mais sensíveis, como Kepler, sentem a necessidade de restaurar a doutrina platônica sob as formas geométricas do cosmos. Segundo Kepler, haveria entre as distintas esferas planetárias as mesmas relações que existem na sequência dos sólidos geométricos platônicos. O desejo de encontrar na realidade externa um princípio geométrico é um desejo de ordenação. Do mesmo modo, a queda do marxismo após a revelação dos crimes de Stalin por Kruschev precipitou a intelectualidade européia numa crise de consciência para a qual encontrou alívio aderindo ao estruturalismo de Cl. Lévi-Strauss, uma espécie de geometrismo antropológico que, inspirado no rigorismo linguístico de Saussure, reflui do devir histórico para a busca das estruturas permanentes.

Ora, só procuramos ordenar o que está desordenado. Quando você está se sentindo perfeitamente bem na confusão e na variedade do mundo externo, não quer organizá-lo de maneira alguma. A distinção que faz o Worringer entre a arte primitiva ou geometrizante e a arte clássica de tendências mais naturalísticas é a distinção que existe entre o homem que teme o cosmos e o que se sente bem nele. Mas este sente-se bem porque está um pouco fora dele, protegido por uma camada — Lévi-Strauss dizia “almofada” –que é a própria civilização.

A época de Platão era uma época de caos moral muito grande. Platão tinha o impulso de reformar, reordenar o mundo todo; tinha um projeto político para o mundo inteiro, principalmente para Atenas. Na famosa Carta VII ele explica que o grande objetivo de sua vida tinha sido reformar politicamente a Grécia. Platão não era só um filósofo, era um homem público, um homem de ação. Vemos na biografia de Platão que este impulso reformador e reordenador se defronta com uma série impressionante de fracassos, num dos quais ele tenta dar seu apoio a um golpe de Estado que teria sido dado por um discípulo seu numa cidade vizinha; tinha ele a idéia de, a partir desta cidade, reordenar a Grécia, voltando vitorioso para Atenas, como fez depois Mohammed ( Maomé ) – saiu, reformou a cidade vizinha e voltou à sua, para reformá-la nos moldes da primeira. Platão faz uma espécie de Hégira – mas não dá certo. O golpe de Estado é reprimido, Platão é preso e vendido como escravo na feira, sendo recomprado por seus discípulos.

Sócrates não teve nenhum intuito de agir politicamente, a sua é um tipo de filosofia muito mais pura que a de Platão, mistura de filósofo e estadista — reformador, político, moralista, profeta. Saindo desta e de outras experiências do mesmo teor, ele inicia, na maturidade, quando começa a se tornar independente do mundo socrático para criar seu próprio mundo filosófico, uma transição marcada por um abstratismo, uma geometrização e uma absolutização da divisão do mundo em dois estratos. Em parte, essa mudança na orientação da filosofia de Platão acontece por força destas experiências que mostram ao filósofo o caráter rebelde do caos do mundo, que não se curva tão facilmente aos nossos impulsos reformadores. Aí ele sente que antes de reformar o mundo é preciso fazer uma espécie de interiorização, uma reforma do mundo interior, uma reordenação conceptual para mais tarde tentar com base nela reorganizar o mundo. O empreendimento não foi totalmente fracassado porque toda a proposta pedagógica que Platão oferece para a reforma do mundo acaba sendo adotada, letra por letra, pelo clero católico. Se observarem o que é a educação de um padre na igreja e perguntarem de onde a Igreja tirou isto, esta idéia de uma preparação interior até que o sujeito esteja pronto para atuar no mundo, nada encontrarão nos Evangelhos ou no Antigo Testamento. Não há fontes cristãs deste modelo: sua fonte é o velho Platão. Na famosa República Platônica, a chefia é conferida aos filósofos mais profundos; a filosofia deles é uniforme, todos pensam igual, numa espécie de clero filosófico. Esta proposta não foi adotada na política mundial, mas o foi na organização da Igreja. Neste sentido, a proposta platônica perdeu a batalha na Grécia mas venceu em uma outra parte do mundo, justamente a parte que continha em si as mais promissoras sementes de futuro, as sementes da civilização européia que, sem sombra de dúvida, é obra da Igreja.

Organicismo versus geometrismo

Em contraste com isto, vemos que Aristóteles, pertencente a uma família de médicos e tendo, muito provavelmente estudado anatomia desde pequeno, não tendo nenhum talento especial para matemáticas, e ao contrário, manifestando certa birra com elas, e especialmente com o matematismo, se mostra um homem muito mais inclinado a conceber a idéia de formanão segundo um modelo geométrico, mas segundo o modelo do corpo vivente, seja do ser humano ou do animal. Daí parte uma série de tendências características do pensamento aristotélico. Aristóteles é o inventor da biologia e podemos tomar a sua filosofia como protótipo do pensamento biológico – o que toma o ser vivente como modelo do real. Ora, o ser vivente não é encontrado num outro mundo, através de um pensamento conceptual, mas sim neste mesmo e com os dois olhos da cara. É possível vê-lo, tocá-lo, cheirá-lo, examiná-lo, observá-lo no seu surgimento, no deu desenvolvimento, na sua plenitude, declínio e morte.

A primeira coisa que se observa num organismo é a inseparabilidade que existe entre a unidade e a variedade que o compõe. O organismo tem a característica de morrer se for cortado pelo meio. Se perder a unidade, já não existe mais. Por outro lado, é uma unidade composta de uma diversidade, de uma diversificação muito grande de órgãos – por isso mesmo se chama organismo (conjunto harmônico de órgãos que funcionam para um mesmo fim). Se você observar os vários órgãos que compõem qualquer corpo vivente, vai ver que não há nenhuma maneira de explicar a coordenação entre eles, senão em vista dos fins a que este organismo visa. Os vários órgãos são tão diferentes entre si que somente funcionam de maneira coordenada se o organismo todo tender a um determinado fim. Quanto mais dirigido a um fim claro e definido está o organismo, mais harmoniosamente funcionam os seus vários órgãos. Por isto, a ginástica ou qualquer disciplina funcionam, porque acostumam todos os órgãos a agirem de uma maneira sincrônica e harmônica, em vez de se dispersarem. Esta harmonia é a própria integridade do corpo humano. Quando os órgãos se rebelam uns contra os outros é a doença, e em seguida a morte. Quando o organismo morre, ele se decompõe, suas partes mínimas separam-se e adquirem vida autônoma. Perde a coesão, a harmonia, s subordinação e coordenação entre as partes. Tudo isto são observações que devem ter ocorrido a Aristóteles muito precocemente, muito antes de que ele as formulasse filosoficamente.

O corpo humano tem ainda a característica de ser marcadamente hierárquico. No organismo, nem todos os órgãos têm a mesma importância vital. Temos partes do corpo humano que nós mesmos incessantemente cortamos e jogamos fora: cabelos, unhas. Outras que expelimos constantemente. Outras que são substituídas: hoje sabemos que todas as células são trocadas de tempos em tempos. Naquele tempo não se sabia, mas era fácil ter uma certa antevisão disto. Temos órgãos que não podem ser eliminados, pelo menos no todo, sem um grave prejuízo para o corpo. Se nos cortam uma perna, continuamos vivendo, embora de maneira deficiente. E outros que não podem ser cortados, nem mesmo tocados – se você for acertado ali está morto. Sabemos que podemos viver sem uma parte do cérebro, mas não sem cérebro nenhum. Mas não podemos viver sem metade do coração, ou sem ossos. Esta gradação hierárquica de importância vital é outra característica do organismo. Então, temos:

1º) Unidade na variedade.

2º) Identidade entre a coesão e a existência real (a coesão é a própria possibilidade de existência).

3º) Caráter hierárquico.

Unidade diversificada, coordenação e subordinação são as carecterísticas mais evidentes do ser biológico.

Aula III – Parte II

 

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