Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de novembro de 2008

Desde que os eleitores americanos aceitaram confiar num candidato presidencial do qual não sabiam praticamente nada e que escondia deles sua certidão de nascimento, seu histórico escolar, sua lista de contribuintes e qualquer outro documento que comprovasse sua biografia oficial de campanha, ficou claro que a noção tradicional de “transparência” em política tinha sofrido um golpe mortal, do qual talvez não se recuperaria nunca mais.

O ritual funerário veio bem depressa: o Federal Reserve, que no início da crise financeira prometera tratar do assunto do modo mais “transparente” possível, agora recusa-se a divulgar os nomes dos recebedores de mais de dois trilhões de dólares em “empréstimos de emergência”. O motivo não é difícil de imaginar: causas diretas da encrenca, esses empréstimos foram arrancados dos bancos à força, pela pressão das ONGs esquerdistas, como por exemplo a Acorn, que deu emprego a Obama, financiou sua candidatura e ainda distribuiu alguns milhões de títulos de eleitor falsos para garantir o investimento. É impossível remexer essa sujeira sem fazê-la respingar na imagem do presidente eleito. Bondosamente, o Federal Reserve poupa dessa cruel decepção os fãs de Obama, e o faz mediante o expediente obâmico usual: sumir com as informações. O pressuposto mais básico da democracia americana – o acesso público aos dados relevantes – está morto e sepultado.

Para todos os bocós que votam às tontas, guiados tão somente pelo show business, isso não fará a menor diferença. Nem perceberão a mudança. Cada vez que puderem dissolver-se de novo na massa, gritando “Obama! Obama”, acreditarão estar exercendo a democracia. Para os eleitores conscientes, é a extinção de tudo o que entendem como “cidadania”, “direitos civis”, “império da lei”, etc. Doravante o povo está separado do seu governante por um abismo de silêncio, preenchido tão-somente pela obrigação de acreditar sem questionar. Ao transformar Obama num deus, a propaganda conferiu o privilégio da invisibilidade ao personagem real oculto sob a máscara. Eleita a criatura, o privilégio foi estendido a toda a administração federal, deixando à mostra apenas os símbolos convencionais da democracia, para consumo da massa crédula.

No mesmo dia – parece brincadeira –, a lista de promessas de campanha do presidente eleito desapareceu do site de transição, www.change.gov. Logo desaparecerá também da memória popular, e Obama estará apto a “distribuir riqueza” (sic) com a mesma generosidade com que, uma vez milionário, abandonou seus parentes em favelas – inclusive aquela tia que, segundo ele se gaba nas suas memórias, o ensinou a ser o provedor responsável da família –, e com o mesmo senso de dever com que deixou milhares de funcionários de campanha, perplexos, esperando até agora o salário prometido.

Tenham paciência, irmãos. Com a experiência, pouco a pouco vocês irão conhecendo o verdadeiro Obama. Mas, por enquanto, não perguntem nada. O presidente eleito já tem livre acesso a todos os mais altos segredos de Estado da nação americana, mas a realidade da sua vida permanece um segredo inviolável. Pretender investigá-la é crime de racismo. Aguardem para breve a “Fairness Doctrine”, velho sonho democrata já em avançado estado de implementação, que acabará com as perguntas incômodas nas estações de rádio, e o advento da “Força Civil de Segurança Nacional”, militância armada, do tamanho do Exército, a qual, nada tendo de sério a fazer na esfera policial, só servirá para perseguir “fundamentalistas” (não islâmicos, é claro), “homofóbicos”, “extremistas de direita” e outros tipos abomináveis.

Se essa elitização sem precedentes vem em nome da igualdade, é algo que pode parecer uma ironia cruel, mas nada tem de inusitado. Ao longo da História, cada vez que um governante quis elevar seu coeficiente de poder, fez isso estrangulando, com a ajuda da massa idiotizada, as hierarquias intermediárias. Ivan o Terrível e Luís XIV deram a fórmula, que ainda funciona.

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