Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 24 de agosto de 2006

Nativo de um país onde o cumprimento de praxe oferecido às damas são dois beijinhos no rosto — três para as solteiras –, não posso deixar de sentir desprezo pelo moralismo encenado, hipócrita em último grau, das queixas alegadas para derrubar o ministro israelense Haim Ramon e desestabilizar o governo de uma nação em perigo.

Mas vejo claramente que por trás da loucura há um método — e a astúcia que o inspira não é nada desprezível.

Aceitar novos padrões de conduta é absorver os valores que eles transmitem. O código politicamente correto esmaga as normas baseadas na tradição religiosa e no hábito consagrado, colocando em seu lugar, com a brutalidade dos decretos inexoráveis, um sistema de cobranças artificiosas inspiradas em valores paradoxais como a empáfia feminista, o exibicionismogay, o ódio racial e político, a rejeição pueril das responsabilidades da gravidez — tudo isso impingido como alta e irrecorrível obrigação moral. A acrobacia mental requerida para o cidadão adaptar-se a essa mutação súbita traz um dano profundo e dificilmente curável. Os engenheiros comportamentais que conduzem o processo da transformação social forçada sabem muito bem o que estão fazendo: estão cortando redes inteiras de reflexos condicionados, dinamitando os alicerces das personalidades, reduzindo almas adultas, por meio da dissonância cognitiva, à condição de bebês indefesos carentes de apoio grupal (leiam Pascal Bernardin, “Machiavel Pédagogue). O conteúdo explícito das novas regras pouco interessa. Os debates a respeito são puro diversionismo. O importante é o desconforto cerebral, calculado para induzir passividade, dependência, aceitação rápida e indiscutida do inaceitável. Assim uma geração orgulhosa de sua rebeldia juvenil contra mandamentos religiosos milenares acaba se curvando servilmente a exigências fúteis mil vezes mais repressivas.

Voltada contra pessoas e famílias, a artimanha já é de uma crueldade psíquica absolutamente criminosa. A novidade da década é o seu uso como instrumento da guerra assimétrica. Já não se trata de subjugar indivíduos, mas de colocar nações inteiras de joelhos ante os caprichos da Rainha de Copas. O império do politicamente correto começa vetando palavras, policiando olhares, maliciando automatismos impensados. As vítimas riem, submetem-se por preguiça, sem perceber que o acúmulo de proibições absurdas vai fabricando aos poucos uma arma mortífera contra a ordem social, as liberdades públicas e, por fim, a segurança do Estado.

Quando a estabilidade política de um país em guerra tem de ser sacrificada à presunção vaidosa de uma soldadinha que se acha pura e excelsa demais para receber o distraído “selinho” dado por um ministro, o alcance monstruoso da operação se revela de repente, todo de uma vez: de nada adianta Israel (ou a América) ter um exército valoroso lutando no exterior, se no interior seu povo é vulnerável à chantagem maliciosa de inimigos camuflados em vestais ofendidas. Na guerra assimétrica, são as vestais, não as bombas e canhões, que determinam a vitória.

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