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O idiota em sentido estrito

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 13 de outubro de 2013

          

Termos como “idiota”, “imbecil”, “mentecapto” etc. podem ser usados como meros xingamentos. Neste caso, não indicam nenhuma deficiência mental  objetiva no indivíduo a que se aplicam, mas somente a raiva que os falantes sentem dele – a qual pode até mesmo ser, e freqüentemente é, causada pela percepção de uma superioridade intelectual que os incomoda e humilha.
            Não uso jamais – repito: jamais – esses termos com esse sentido. Quando digo que alguém é idiota ou imbecil, ou quando o sugiro mediante outras palavras, é porque notei claramente, na pessoa de quem falo, uma ou várias das 28 deficiências intelectuais assinaladas pelo célebre educador romeno Reuven Feuerstein (v. por exemplo aqui), as quais resultam sempre em julgamentos impulsivos, deslocados da situação.  
            Esse erro, o mais freqüente hoje em dia entre os debatedores brasileiros de qualquer assunto, corresponde esquematicamente à falácia lógica que os antigos denominavam “ignoratio elenchi”, em que o sujeito pensa ter provado alguma coisa quando de fato provou, se tanto, outra completamente diversa. Isso acontece, evidentemente, quando o cidadão é incapaz de entender qual o ponto em debate. É impossível que um estudante não adquira esse vício quando adestrado desde pequeno para remeter tudo de volta, sempre e sistematicamente, a meia dúzia de chavões tidos como universalmente explicativos, em vez de tentar perceber o que está realmente em jogo na discussão. O apelo compulsivo a rótulos infamantes como “fascismo”, “fundamentalismo religioso”, “preconceito e discriminação”, “racismo”, “homofobia”, “teoria da conspiração”, “elite exploradora” etc., é hoje praticamente obrigatório e funciona como substitutivo socialmente aprovado do esforço de compreender aquilo que se pretende impugnar mediante o emprego fácil e desesperadoramente mecânico desses termos.
            O controle “politicamente correto” do vocabulário tenta vestir uma camisa-de-força verbal no adversário mas termina por aleijar intelectualmente o próprio usuário desse artifício, reduzindo-o à condição de repetidor histérico de insultos completamente despropositados.
            Como o que no Brasil de hoje se chama “educação universitária” consiste eminentemente em adestrar os alunos nessa prática, não é de espantar que quatro entre cada dez estudantes das nossas faculdades sejam analfabetos funcionais, o que não significa que os outros seis tenham uma inteligência à altura das funções para as quais ali se preparam.
            Demonstrações de inépcia em doses francamente escandalosas são freqüentes não só entre maus estudantes, mas entre pessoas que ocupam os postos mais destacados na esfera da alta cultura neste país. Quando, por exemplo, o escritor Luiz Ruffato é aplaudido pela mídia ao classificar como “genocídio” a redução do número de índios brasileiros de quatro milhões (número hipotético) para 900 mil desde os tempos de Pedro Álvares Cabral até hoje, tanto ele quanto sua platéia demonstram que não têm a menor idéia do que venha a ser um genocídio e só usam a palavra como reforço da identidade grupal dos “bons” contra os “malvados”. “Pensar”, no Brasil, significa que o sujeito se apaixona por um símbolo do que lhe parece “o bem” e “a justiça”, e imediatamente liga o gerador de lero-lero para acabar com o mal no mundo.

            Outro tanto deve ser dito do dr. Miguel Nicolélis, que se escora na sua autoridade de neurocientista para dizer que Jesus, Abraão e Maomé eram apenas esquizofrênicos que imaginavam falar com Deus. Esse homem estuda o cérebro há décadas, mas ainda não se deu conta de que é impossível encontrar, nesse órgão, qualquer prova de que algum objeto pensado exista ou inexista fora dele

 .

Isto aplica-se a Deus como a um gato, a uma pedra ou a uma banana. Aplica-se aliás até ao próprio cérebro. Com toda a evidência, o ilustre membro da Academia Pontifícia de Ciências não entende o alcance da sua própria afirmação, produzida no gerador de lero-lero para fazer bonito ante pessoas que também não a compreendem. Seis meses de estudo das “Investigações Lógicas” de Husserl não lhe fariam nenhum mal.

            Já nem comento os palpiteiros enragés que, em explosões verbais de uma comicidade irresistível, aparecem a toda hora professando dar cabo do Olavo de Carvalho de uma vez por todas. Um deles, a quem eu tentava explicar que não é possível ter serviço públicos gratuitos e ao mesmo tempo “acabar com a desigualdade social”, não parecia entender que um serviço público só é gratuito quando custeado por alguém que não é o seu beneficiário: a redução da desigualdade social distribui as despesas mais equitativamente entre todos e acaba automaticamente com a gratuidade. Numa situação idealizada, onde todos tivessem ganhos equivalentes, das duas uma: ou todos pagariam contribuições iguais para custear os serviços independentemente de usá-los ou não, ou cada um pagaria proporcionalmente aos serviços que recebesse. No primeiro caso estaria imediatamente instaurada a desigualdade entre os que pagam sem usar e os que usam sem pagar. No segundo, os serviços não seriam gratuitos de maneira alguma. Por mais que eu explicasse, analisasse e desenhasse essa equação simples, o sujeito, homem de formação universitária, continuou esperneando e jurando que eu era um adepto da injustiça social.
            Só pode haver divergência de opiniões entre pessoas com nível similar de inteligência e conhecimento. Com mentecaptos, só o que existe é uma dificuldade de comunicação quase invencível.

Cãozinho amestrado

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 20 de janeiro de 2013

          

O termo “teoria da conspiração” pode ser usado como um rótulo infamante ou como um conceito científico. No primeiro caso, ele tenta dar ares de coisa demencial a qualquer denúncia bem comprovada que, para uma platéia leiga, soe um pouco estranha à primeira audição. No segundo, como ensina Norman Cohn, ela expressa um conjunto de traços objetivamente verificáveis.

            O mais saliente desses traços é o uso de analogias e coincidências fortuitas como “provas” de unidade intencional por trás de discursos separados e inconexos vindos de agentes que se ignoram uns aos outros. Mesmo a mais vaga e frouxa afinidade de idéias é tomada aí como evidência de uma ação político-partidária organizada.

            Associada a esse traço vem a uniformidade da rotulação ideológica prévia e pronta, destinada a costurar num arremedo de explicação o repertório das informações abrangidas, evitando-se cuidadosamente a confrontação com hipóteses explicativas diversas ou antagônicas, condição sine qua non de qualquer investigação séria. A farsa pode ser e geralmente é camuflada sob uma pletora de fatos e documentos — aparentemente concordantes desde que amoldados sem discussão à clave interpretativa escolhida –, assim como pelo uso abundante de algum jargão acadêmico que dê ares de respeitabilidade ao que não passa de uma explosão irracional de ódio difamatório. Erros e mentiras de detalhe, bem espalhados ao longo do discurso, preenchem os rombos da explicação geral.

            Compreendida essa distinção, a tese do sr. Lucas Patschicki, Os Litores da Nossa Burguesia: O Mídia Sem Máscara em sua Atuação Partidária (2011), é, no sentido mais técnico e estrito, uma teoria da conspiração.

            No intuito de fazer crer que o jornal eletrônico Mídia Sem Máscara é uma perigosíssima organização fascista internacional decidida a consolidar a opressão burguesa e imperialista sobre a pobre classe trabalhadora, o sr. Patschicki usa dos seguintes expedientes:

            1. Arrola uma vasta bibliografia teórica, toda ela marxista, que repete a velha e surrada noção comunista do fascismo como “um fenômeno surgido com o imperialismo, cuja função política e social primária é o de reorganizar o bloco no poder de maneira brutal durante a crise aberta, para a manutenção e reprodução da sociedade de classes”. Que haja dois erros de português já nessa primeira declaração de princípios não deve nos surpreender – eles são abundantes em todo o texto, provando que a condição de semlietrado não é obstáculo a uma carreira acadêmica neste país –, nem deve nos desviar do essencial: o autor ignora ou exclui toda a imensa bibliografia não marxista, sobretudo mais recente, que impugna e reduz a pó essa definição do fascismo. O sr. Patschicki não é um historiador nem um cientista social: é um crente comunista que se mantém a uma profilática distância de toda leitura que possa abalar a pureza da sua fé. Tão inusitada é para ele a experiência dessa leitura, que, examinando o material do Mídia Sem Máscara, ele não pôde se furtar a “sentir náuseas um sem-número de vezes”. Com isso ele reproduz e exemplifica um fenômeno que eu já havia observado desde 2002, “a tendência incoercível (da militância comunista) de reagir às minhas palavras antes mediante uma agitação confusa de sensações ruins do que por qualquer elaboração intelectual… Quando as pessoas não têm como refutar uma idéia, jogam contra ela a expressão hipertrofiada de suas reações psicofísicas: ‘Me dá nojo’, ‘Me dá ânsia de vômito’ etc… ‘Ensino universitário’, no Brasil de hoje, consiste em adestrar a juventude nessas reações automatizadas.” O sr. Patischiki foi, nesse aprendizado, dócil como um cãozinho de circo: os reflexos condicionados comunistas impregnaram-se direto no seu aparelho digestivo, sem passar pelo seu cérebro.        

            2. Ao longo de todo o seu extenso trabalho, ele não encontra espaço para discutir ou refufar nenhuma afirmação minha ou as de qualquer outro colaborador do MSM. Limita-se a reiterar que são fascistas, dando sempre e invariavelmente como prova disso o fato de que convergem na sua oposição ao comunismo. Para isso ele dá por pressuposta, é claro, a redução de todo anticomunismo ao fascismo, coisa que ele aprendeu com seus orientadores, comunistões moldando a cabeça de um comunistinha. Assim, por exemplo, ele nem de longe examina criticamente a minha descrição da estrutura tripla do poder globalista no mundo; apenas proclama que ela é um disfarce do bom e velho imperialismo americano, e passa adiante todo pimpão, sem ter a menor consciência de que o cãozinho acumula assim as funções de palhaço.

            3. É quase inacreditável que, na investigação sobre uma publicação atual e atuante, o autor não tenha nem mesmo tentado entrevistar o fundador dela, nem seu editor executivo, nem qualquer de seus colaboradores, que poderiam ter corrigido inumeráveis erros de informação nascidos da interpretação fantasiosa dos documentos escritos. Um desses erros já falsifica na base as dimensões da publicação estudada: “O MSM foi criado em 2002… Naquela primeira edição, contou com a participação de cinqüenta e três colunistas…” Cinqüenta e três? O MSM não tinha nenhum colunista: limitava-se a reproduzir artigos extraídos de outros blogs. Era produto doméstico, criado inteiramente por mim, por minha esposa Roxane e por minha filha Maria Inês, com orçamento nulo. Nossa originalidade foi apenas a de reunir num site único materiais que estavam espalhados pela internet. A ampliação imaginária do tamanho do empreendimento é uma condição prévia das interpretações paranóicas que Patschicki lhe dá em seguida.

Demolindo Otávio de Ramalho

Olavo de Carvalho

Mídia Sem Máscara, 4 de maio de 2012

O sr. Rodrigo Constantino, que estreou no teatro do mundo, uns anos atrás, invadindo comunidades no Orkut (especialmente as minhas) para ali meter à força mensagens em apoio dele mesmo assinadas com nomes imaginários, diz que, ao mencioná-lo en passant nos meus programas de rádio, estou mendigando a sua atenção. Dois dias depois de colocada essa declaração no Youtube, ela tinha 250 visitantes. Bastou aparecerem dois artigos contra ela no Mídia Sem Máscara, e horas depois as visitações tinham subido para 3.763. Quem escreve uma coluna intitulada “Mundo às Avessas” é o dr. Emir Sader, mas em matéria de inversão o sr. Constantino não fica atrás: no universo dele, foi a formiguinha que mandou o elefante baixar as calcinhas.

Algumas das inversões em que ele incorre, no entanto, são menos cômicas do que alarmantes. Ele assegura que descer das suas altas cogitações para prestar atenção ao que digo é um desperdício dos seus talentos, ao qual só se entrega, de má vontade e por brevíssimos instantes, quanto forçado a isso pela minha mórbida insistência. Mas, ao mesmo tempo, informa estar escrevendo um romance que tem entre seus personagens… a minha pessoa. Aparecendo ali sob o nome “Otávio de Ramalho”, sou um religioso hipócrita, um falso profeta que se dá muito mal e acaba sendo socorrido por outro personagem, encarnação, é claro, do próprio sr. Constantino.

A confissão apareceu numa conversa entre o sr. Constantino e seu leitor Eduardo Ribeiro no Facebook, dia 26 de abril (https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=314756478593697&id=100000289514686):

Eduardo Ribeiro: Existe alguma possibilidade de reconciliação entre vocês, Rodrigo?

Rodrigo Constantino: Só na ficção. Devo lançar meu livro novo, um primeiro romance, onde há um personagem religioso chamado Otávio de Ramalho… Ele quebra a cara, claro, mas o personagem principal estende a mão para ele.

Conjeturar motivações neuróticas inconscientes na conduta alheia é algo que se deve evitar o quanto possível, só recorrendo a tão extremo expediente quando a conduta em questão é demasiado incongruente para poder ser explicada por qualquer intuito racional. É precisamente esse o caso. Como é possível alguém deixar sua imaginação ser tão vivamente afetada, seu mundo interior ser tão vastamente ocupado por outro indivíduo ao ponto de querer exorcisá-lo mediante uma criação literária, e ao mesmo tempo, em público, fazer de conta que jamais pensa nesse indivíduo, que o considera insignificante demais para merecer um minuto de atenção? A intensidade da experiência interior contrasta aí de tal modo com a afetação pública de indiferença, que é impossível deixar de enxergar nessa conduta o sinal de um conflito pessoal muitíssimo mal camuflado.

Uma breve análise mostrará a complexidade do problema.

Que alguém aspire a provar sua superioridade moral imaginando o adversário em desgraça e colocando a si próprio no papel da mão generosa que ao mesmo tempo o socorre e humilha, já é uma fantasia pueril de onipotência que uma pessoa normal só vivenciaria, se chegasse a tanto, por um breve momento, desvencilhando-se dela em seguida com um sorriso de auto-ironia, e esquecendo-a para sempre.

Se, porém, a fantasia se torna tão recorrente e obsessiva que já não se satisfaz em expressar-se no recinto modesto da fantasia privada, mas tem de exteriorizar-se em criação romanesca, então é óbvio que se trata de um sintoma neurótico inquietante — um mecanismo imaginário de compensação de um insuportável sentimento de inferioridade. Tão insuportável que tem de ser camuflado em público mediante a ostentação forçada de indiferença, por sua vez desmascarada logo em seguida pela confissão da fantasia literária.

É fato amplamente reconhecido na psicologia da criação literária que os escritores de ficção tomam como material de base os fantasmas que povoam as suas obsessões interiores. Com toda a evidência, ocupo um lugar considerável no espaço interior do sr. Constantino, certamente maior do que concedo a ele (e talvez até a mim mesmo) no meu. Escrevendo, ele busca domar o fantasma, primeiro levando-o à derrota e ao fracasso, depois montando a cena triunfal em que Constantino, o magnânimo, estende a mão de ateu generoso ao hipócrita desmoralizado. No entanto, o esforço mesmo de elaborar literariamente o personagem leva-o a pensar nele mais e mais, agravando em vez de aplacar a obsessão. Nessas condições, a menor provocação (ser citado de passagem num de meus programas de rádio como autor de um contra-senso lógico) bastou para levar o sr. Constantino a uma explosão de fúria na qual veio a lançar sobre o adversário as acusações mais toscas e fantasiosas (v. adiante). Como a explosão, no entanto, arriscava perigosamente revelar em público a obsessão originária que ele desejaria ocultar, ele precisou recobri-la de uma segunda camuflagem ainda mais postiça, afetando indiferença superior a um objeto de ódio no qual não consegue parar de pensar.

Já vi muita gente ostentar ou fingir recusa de atenção, para se fazer de importante e rebaixar o interlocutor à condição de pedinte. O que é mais raro, e que já sai da esfera da pura hipocrisia para entrar no terreno da simulação neurótica, é alguém usar desse truque e ao mesmo tempo dar com a língua nos dentes, revelando que o tipinho alegadamente indigno da sua atenção lhe remexe os sentimentos e assombra a imaginação ao ponto de fazê-lo perder o equilíbrio emocional.

Desde que apareci no cenário da sua existência, a vida interior do sr. Constantino tornou-se um jogo de esconde-esconde com ele mesmo, caracterizando, sem a menor possibilidade de dúvida, aquele tipo de drama neurótico que, se não for desmascarado logo, arrisca transformar-se em fantasia psicótica.

Se o sr. Constantino já transpôs ou não essa fronteira perigosa é uma pergunta que, tendo em vista o caráter fantástico e alucinatório das acusações que ele me lança no seu vídeo do Youtube, não posso deixar de fazer. Eu não a faria se algo nessas acusações sugerisse a hipótese de mentiras conscientes, maquiavelicamente concebidas para destruir minha reputação. Mas, bem ao contrário, o tom em que as emite indica antes que ele acredita nelas piamente, como quem enxergasse ao vivo, com seus próprios olhos, coisas que nunca existiram nem podem existir.

Com toda a evidência, o Olavo de Carvalho que povoa as fantasias íntimas do sr. Constantino tem pouco a ver com o personagem de carne e osso que tantos conhecem, seja pessoalmente, seja através de seus escritos e aulas.

Cada palavra do sr. Constantino no vídeo que ele colocou no Youtube mostra que ele praticamente nada sabe do que Olavo de Carvalho pensa, escreve e é. Nem jamais procurou investigar nada a respeito. O alvo sobre o qual ele despeja a sua ira é de alto a baixo um personagem imaginário, uma criação de fantasia.

Alguns exemplos bastarão para demonstrá-lo acima de qualquer possibilidade de dúvida.

1. Foro de São Paulo

Segundo o sr. Constantino, criei em torno do Foro de São Paulo toda uma “teoria da conspiração” na qual amplio imaginariamente os poderes dessa entidade ao ponto de descrevê-la como um grupo secreto de meia dúzia de pessoas onipotentes que, a portas fechadas, decidem os destinos… da Nova Ordem Mundial!

Quem quer que tenha lido meus artigos a respeito verá que, exatamente ao contrário, descrevo o Foro como uma vasta entidade de massas, formada por mais de duzentos partidos e organizações, que toma decisões em assembléias plenárias e as publica em atas, em dois idiomas, à vista de todo o mundo.

Mesmo aquilo que pudesse ter havido de mais discreto nas conversações do Foro não permaneceu em segredo por muito tempo, já que o próprio fundador da entidade, o sr. Luís Ignácio Lula da Silva, revelou tudo em dois discursos que pronunciou já na condição de presidente da República e que, longe de ficar secretos por um minuto sequer, foram imediatamente estampados no site oficial da própria Presidência.

Se alguma “conspiração de meia dúzia de pessoas” existiu no caso, não foi do Foro de São Paulo: foi dos diretores de jornais brasileiros que, por medo, por interesse político ou por instinto de proteção paternal para com a esquerda, decidiram nada publicar a respeito e se mantiveram fiéis ao seu voto de silêncio por dezesseis anos.

Para dar às coisas um ar ainda mais demencial, o sr. Constantino imagina que o Foro, no meu entender, decide em segredo não só os rumos da política latino-americana, mas os da Nova Ordem Mundial inteira.

Se eu assim pensasse haveria toda a razão em me chamar de maluco. Na verdade tenho dito e repetido, e meus leitores o sabem de cor e salteado, que, embora nenhuma entidade decida por si os destinos do mundo, os quais dependem de um jogo de forças humanamente incontrolável, existe presentemente uma complexa disputa entre três esquemas de poder global – russo-chinês, islâmico e ocidental – à qual é preciso prestar atenção para compreender alguns dos fatos maiores que se desenrolam no cenário político internacional. O Foro de São Paulo não é nem mesmo visível nessa escala. É um reflexo longínquo, numa área limitada do Terceiro Mundo, de processos globais que provavelmente seus líderes e os participantes das suas assembléias não chegam nem mesmo a compreender.

O mundo conduzido por onipotentes conspiradores secretos fechados numa sala do Foro de São Paulo é, de cabo a rabo, uma criação do próprio sr. Constantino, ou, mais precisamente, de Otávio de Ramalho, que seu criador, após tê-lo inventado, já não consegue mais distinguir da pessoa real que ele diz ter-lhe servido de inspiração remota.

2. Teocracia

O sr. Constantino afirma, com inflamada convicção, que defendo a implantação de um “governo teocrático”.

Ele não pode citar uma única frase minha que comprove, ou mesmo sugira, minha adesão a essa proposta esdrúxula.

Poderia, ao contrário, se desejasse saber o que penso, encontrar várias passagens que apontam a centralização do poder papal, iniciada na Idade Média e consumada no início da modernidade, como uma das causas da decadência da Igreja Católica. O sr. Constantino não enxerga nenhuma contradição entre fazer de mim um apóstolo do governo teocrático e, ao mesmo tempo, um “saudosista da Idade Média”. Isso em si não constitui loucura, apenas ignorância, mas a ignorância da realidade é um componente essencial de qualquer interpretação alucinatória dos fatos. Se algo louvei um dia na sociedade medieval foi justamente a diversidade, a pluralidade de poderes autônomos que na ordem feudal asseguravam, ao menos regionalmente, uma grande independência ante os poderes centrais – o papado e as monarquias. Ora, como qualquer estudante de História tem a obrigação de saber, e como já expliquei mil vezes nos meus cursos, foi justamente a tentativa insana de instalar na Europa um governo teocrático, a partir do século XI, que desmantelou o sistema feudal e abriu caminho para o advento dos governos absolutistas, cada um deles, a seu modo, com pretensões de representar a autoridade da religião (processo descrito em O Jardim das Aflições, que o sr. Constantino mente ao dizer que leu). Só na cabeça de um completo ignorante pode a Idade Média aparecer como sinônimo de “governo teocrático”. Mas nem todo ignorante usa da sua ignorância como instrumento para criar uma interpretação alucinatória das idéias alheias. Para isto já é preciso alguma loucura.

O sr. Constantino, se tivesse algum interesse em saber o que penso, em vez de inventá-lo à imagem e semelhança de “Otávio de Ramalho”, poderia ter encontrado também este parágrafo, que publiquei já em 1998 na “Fórmula da minha composição ideológica” (http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm):

“Acredito que há princípios morais universais, permanentes, que a inteligência discerne por baixo da variação acidental das normas e costumes, e acredito, enfim, que há o certo e o errado. Mas, por isso mesmo, impor o certo é errado, a não ser em caso de vida ou morte. A autoridade religiosa deve se limitar a ensinar o certo, com toda a paciência, sem tentar expulsar o pecado do mundo à força. E se nem os religiosos, que por sua dedicação à vida interior têm autoridade para falar dessas coisas, devem impor regras morais à força, muito menos deve fazê-lo o Estado, que afinal não passa de uma gerência administrativa, a coisa mais mundana e prosaica que existe. As leis devem fundar-se apenas em considerações práticas de ordem, segurança e interesse coletivo, muito corriqueiras, e jamais em motivos pretensamente elevados de ética, que terminam por fazer da burocracia estatal um novo clero, e do Código Penal um novo Decálogo. A coisa mais nojenta que existe é a metafísica estatal.”

Pode haver uma expressão mais clara de oposição radical a toda veleidade de governo teocrático? Pergunto eu que regime teocrático seria concebível sem o poder estatal de ditar normas morais, esvaziando a religião, aliás, de uma de suas missões específicas mais importantes. O curso inteiro de Ética que proferi na Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 2003 foi uma longa apologia do aprendizado da moral por experiência, o que implica a liberdade individual de tentar e errar, proibida, por definição, em qualquer Estado teocrático ou simplesmente moralista.

Quando digo que uma norma moral só deve ser imposta pelo Estado “em caso de vida ou morte”, é evidente que a proibição do aborto se inclui nessa categoria. Na imaginação do sr. Constantino isso basta para fazer de mim um adepto do Estado teocrático, mas nesse caso será preciso admitir que o Estado brasileiro, tal como definido na Constituição de 1988 e nas anteriores, já é teocrático, uma vez que proíbe o aborto como um crime contra a vida humana.

Talvez o sr. Otávio de Ramalho seja realmente um teocrata. Não sei, porque não o conheço. Mas a hipótese de que eu o seja também é tão despropositada, tão estranha e hostil a tudo o que escrevi e ensinei, que só pode ter sido calcada no modelo dele, não em algo que eu tenha jamais dito ou pensado.

3. A seita

O sr. Constantino, espumando de indignação, acusa-me de ser um desses pseudo-gurus da Nova Era, um “chefe de seita” rodeado de discípulos fanatizados e servis que me oferecem, além da obediência canina, toda sorte de louvores e rapapés para satisfazer à minha vaidade insana.

Tempos atrás, com o projeto de escrever um livro que nunca terminei, mas de cujos rascunhos utilizei uns pedaços em O Jardim das Aflições, estudei bastante o fenômeno das seitas – Rajneesh, Moon, Love Family e similares – para ter uma idéia de como funcionam e de como conseguem reduzir pessoas normais e saudáveis ao estado de apatetada passividade mental e veneração idolátrica do mestre, que o sr. Constantino atribui aos meus alunos.

Mais recentemente, estudei o caso dos Legionários de Cristo, organização sui generis porque se constituiu não fora a à margem das religiões tradicionais, mas no seio mesmo da Igreja Católica (fato que basta para explicar por que passou despercebida por tanto tempo).

No esforço de coletar material, tornei-me até mesmo membro da International Cultic Studies Association (ICSA), a maior instituição científica destinada ao estudo do fenômeno das seitas.

Não sou, pois, um principiante na matéria.

Em absolutamente todos os casos estudados na bibliografia a respeito, sem qualquer exceção, a técnica empregada pelos chefes de seitas para produzir nos seus discípulos o estado mórbido acima aludido inclui os seguintes itens:

1) Os discípulos são fisicamente separados de seus ambientes familiares e sociais de origem e levados para morar em instalações especiais (como ashrams ou monastérios) onde convivem tão-somente com o guru e seus auxiliares.

2) Nesses locais de residência, são sistematicamente desprovidos de toda privacidade e forçados a viver num ambiente de promiscuidade psicológica (às vezes também física) que destrói neles todo senso de autonomia individual.

3) São submetidos à prática constante e repetida de complexos rituais coletivos e exercícios psicológicos que afetam sua imaginação e suas emoções para além de tudo quanto possam compreender racionalmente.

4) São levados a sentir-se comprometidos para com o grupo e o chefe por meio de juramentos de fidelidade e segredo, bem como submetidos a humilhantes rituais de acusação e autocrítica em caso de desobediência.

Em muitos casos, mas não em todos, o impacto desse conjunto de técnicas é reforçado por medidas especiais, como privação alimentar e dietas debilitantes, ingestão de drogas, sexo grupal etc.

Nos meus cursos, não tenho contato nenhum com meus alunos exceto as aulas expositivas que profiro aos sábados, por internet. A maior parte deles nunca vi em pessoa e não tenho sequer um arquivo com as fotos dos estudantes matriculados. Não tenho um corpo de auxiliares para fiscalizar a conduta dos alunos, que continuam vivendo em seus ambientes sociais longe de qualquer possibilidade ou pretensão minha de controlá-los ou fiscalizá-los. Não praticamos rituais nem exercícios psicológicos de espécie alguma.

Como posso então exercer sobre eles o tipo de domínio que caracteriza um “chefe de seita”? Ou inventei algum tipo de técnica mágica, que me permite controlar à distância e por meio de simples conferências semanais a conduta de pessoas que nunca vi nem sei quem são, ou então o sr. Constantino é que está vendo coisas.

Mais caracteristicamente ainda, todas as seitas conhecidas envolvem sua atividade numa aura de segredo, mantida à força de juramentos de fidelidade e só rompida, quando vem a sê-lo, longos anos depois, quando algum ex-discípulo resolve contar o que se passou ou algum repórter investigativo consegue furar a barreira de silêncio e descobrir o que se passa entre os muros do ashram.

Minha atividade, ao contrário, é toda pública, seja através de artigos e livros, seja através dos meus programas de rádio ou de cursos abertos a quem deseje freqüentá-los. Não só não há juramentos de fidelidade e segredo, como não há nenhuma proibição de revelar o que quer que seja. Há, no máximo, um pedido para que os alunos evitem se envolver em discussões na internet enquanto não tiverem completado os seus estudos de filosofia, calculados para uma duração de cinco anos. Não há qualquer punição para quem falhe em atender esse pedido, como de fato centenas de meus alunos falham regularmente. Há, ademais, uma multidão de ex-alunos que escrevem a meu respeito, a favor ou contra, embora o simples fato de a maioria escrever a favor baste para que o sr. Constantino a considere composta de teleguiados, vítimas de lavagem cerebral, adoradores fanáticos e coisas do gênero.

Em suma, a diferença entre o que se passa nos meus cursos e em qualquer organização do tipo “seita” é tão patente, tão imensurável, que o simples desejo de denegrir não basta para que um crítico em seu juízo perfeito se esquive de enxergá-la e saia proclamando bobagens que a mais breve inspeção desmente.

Para acreditar que sou um chefe de seita, dominador psíquico imperando sobre milhares de zumbis teleguiados, é preciso jamais ter assistido às minhas aulas e, em vez disso, inventá-las no laboratório de uma imaginação doentia.

4. O astrólogo embusteiro

O sr. Constantino chama-me de “astrólogo embusteiro do tipo Walter Mercado”.

Os trabalhos que publiquei e os cursos que proferi sobre matéria astrológica diferem tanto, situam-me a tão imensurável distância não só dos vulgares astrólogos de mídia, mas também até mesmo dos astrólogos profissionais mais “técnicos” – aqueles que não fazem previsões genéricas para os signos, mas só trabalham com base em horóscopos individuais calculados para o instante do nascimento –, que o sr. Constantino, para me igualar ao supracitado personagem, tem de ignorar por completo tudo o que escrevi e disse a respeito, e inventar-me de novo na base da pura criatividade alucinatória.

Aqui, novamente, ele fala de Otávio de Ramalho e pensa estar falando de Olavo de Carvalho.

Para não me estender em explicações, desnecessárias por demasiado óbvias, reproduzo em apêndice dois escritos meus já antigos, mas bem divulgados na época, nos quais resumo minhas opiniões, até hoje inalteradas em essência, sobre a questão astrológica.

Os leitores farão as comparações necessárias e dirão por si mesmos se é possível, se é razoável, se é normal e são, a alguém que tenha lido esses ou outros escritos meus a respeito do tema, conceber-me segundo o molde e semelhança do sr. Walter Mercado ou tipo similar.

5. O destruidor da direita

O sr. Constantino diz que a direita no Brasil está mal por causa de pessoas como eu. Vejamos se isso é possível, se é mesmo concebível como hipótese.

No Brasil só há dois partidos “de direita”: o DEM e o PP. Algum deles segue a minha orientação, ouve os meus conselhos, presta ao menos alguma atenção ao que digo? Não. Quando não permanecem num estado de total abstinência ideológica, temendo as definições como se fossem promessas de morte certa, abrem-se, na mais ousada das hipóteses, à influência dos “liberais”, como o próprio sr. Rodrigo Constantino. Que se encontrem num estado de debilitação extrema, às portas da extinção, é portanto algo pelo qual sou tão responsável quanto pela explosão de Chernobyl. Já o sr. Constantino não pode dizer o mesmo.

Há também entidades não partidárias, que pretendem influir na política de maneira indireta, ideologicamente. Algumas denominam-se “liberais”:

· Instituto Millenium

· Instituto Atlântico

· Instituto de Cultura da Cidadania

· Instituto Mises Brasil

· Instituto de Estudos Empresariais

· Instituto Liberal

· Instituto Liberdade

· Instituto Ling.

Na primeira, sou, por motivos que não vêm ao caso, persona non grata. A segunda, a terceira e a quarta me ignoram solenemente, como eu as ignoro. Nas últimas quatro fui bem recebido em tempos remotos, mas nunca deram o menor sinal de ter sido afetadas, no mais mínimo que fosse, por qualquer idéia ou proposta minha. Tanto estas quanto as quatro primeiras seguem a mesma fórmula liberal mínima (democracia e liberdade de mercado), com a qual concordo em tese, mas que sempre considerei demasiado fraca para embasar qualquer ação política eficiente, ou até para distingui-las suficientemente do PT ante os olhos do povo. Na esfera cultural, as oito são alheias, indiferentes ou até simpáticas às propostas da esquerda, como abortismo, gayzismo e liberação das drogas. São também entusiastas da globalização, porque a entendem somente como abertura de fronteiras comerciais e culturais, sem querer perceber o risco de uma ditadura burocrática mundial que essa abertura traz consigo incontornavelmente. Em suma: pensam como o sr. Rodrigo Constantino, não como eu.

Dentre essas entidades, a mais poderosa e influente é, por ironia, aquela na qual o sr. Constantino exerce um cargo e é ouvido, não digo com admiração, mas ao menos com a ternura paternal de quem espera, cruzando os dedos, que um dia ele venha a ser alguma coisa. Essa entidade foi fundada com verbas consideráveis e apoio institucional maciço. Tem mais figurões da política, das finanças e da mídia elegante na sua Diretoria e no seu Conselho do que qualquer outra entidade do gênero jamais teve no Brasil. Nascida em berço de ouro, apareceu trombeteando as mais promissoras esperanças de uma renovação triunfal da direita no Brasil. Decorridos sete anos, a direita já nem mesmo existe. E, enquanto os partidos pertencentes ao Foro de São Paulo dominam tranqüilamente o espaço em volta, ali ainda parece predominar a opinião do sr. Constantino, de que falar do Foro de São Paulo é “teoria da conspiração”. Que perigo pode representar, para a esquerda, uma assembléia de socialites que, ciosos das boas aparências, da sua imagem de pessoas polidas, elegantes e “equilibradas”, têm medo até de dizer o nome do inimigo? Não espanta que, numa grande mídia esquerdista, essa instituição e o próprio sr. Constantino sejam aceitos como representantes típicos da direita respeitável. O pior é que eles próprios lêem isso e, lisonjeados, acreditam. Murray Rothbard – o liberal dos liberais – já advertia que não há perigo maior para um liberal do que o desejo de ser respeitado pela Mídia Respeitável. Quando o sr. Constantino se gaba de representar a “direita decente”, ele encarna em pessoa uma das causas do mal que me imputa.

Há também as entidades religiosas, ou associadas de algum modo à religião. Estas apreciam o meu combate contra as propostas culturais da esquerda, mas divergem de mim ou antipatizam com a minha pessoa sob tantos outros aspectos e com tamanha variedade de pretextos, que nenhuma proximidade ou colaboração entre nós é possível, nem mesmo numa esfera puramente intelectual. Algumas, católicas, rejeitam como à peste o liberalismo econômico e político, que para mim é uma condição indispensável, embora parcial e ambígua, da resistência ao totalitarismo revolucionário. Outras não querem ter seus nomes associados ao meu porque abominam toda independência de pensamento e concebem a sua pusilanimidade intelectual como uma virtude cristã. Outras, por fim, católicas ou evangélicas, têm contra mim toda sorte de prevenções supersticiosas, desde a suspeita de que sou um “gnóstico” (coisa da qual têm uma concepção entre mitológica e ginasiana) até o fato de que digo palavrões, o que nos seus sacrossantos recintos ninguém nunca faz, sendo todos os seus membros, nesse quesito, mais santos que S. Bernardo de Clairvaux, S. Thomas More e S. Francisco de Assis.

A única “direita” sobre a qual posso ter exercido alguma influência é portanto a massa anônima e inorgânica dos meus leitores, ouvintes e alunos – ou seja, aqueles brasileiros tipicamente separados por distâncias enormes, socialmente isolados, desprovidos de qualquer canal de ação política, desamparados e órfãos aos quais a direita “liberal” e a “conservadora”, igualmente, nada tem tido a dizer desde há muitos anos.

Esses me ouvem, no mínimo, porque ninguém mais fala com eles ou, quando fala, só lhes desperta bocejos, quando não tristeza e desesperança.

Como essa direita dispersa e muda não é uma organização, nem atua politicamente, nem aliás ambiciona fazê-lo, não pode estar em crise nem em decadência como as direitas institucionalizadas, seja as que dão ouvidos ao sr. Constantino, seja as que os negam a mim, seja as que fazem ambas essas duas sapientíssimas coisas.

6. Porta-voz de quem?

Se existe pena de amor perdida, é a ênfase que o sr. Constantino põe em declarar alto e bom som que não sou um porta-voz legítimo da direita, que não tenho autoridade para falar em nome dela. Pois já não expliquei mil vezes que nunca falo em nome de ninguém, exceto do meu próprio, que não represento nada nem ninguém exceto a minha pessoa? E não tenho feito disso, ostensivamente, quase obsessivamente, um princípio e regra de ação indispensável à minha independência de julgamento?

Para que negar com tanta veemência meu direito de representar entidades e partidos que não desejo representar de maneira alguma, que aliás, se os representasse, morreria de vergonha?

É patente que, ao negar-me um posto que não desejo ocupar, o sr. Constantino se oferece para preenchê-lo ele próprio, se insinua como o porta-voz legítimo e autorizado da direita nacional.

Também são penas de amor perdidas. Até certo ponto, ele já desempenha esse papel, que ninguém lhe nega. Esse é, aliás, o único motivo que posso ter para mencioná-lo de vez em quando em meus artigos e programas. Pessoalmente, por seus talentos, pelo valor da sua obra escrita e a criatividade dos seus pronunciamentos, o sr. Constantino é um zero à esquerda. É somente o posto que ocupa na rede de organizações “de direita” que lhe dá o direito a alguma atenção da minha parte, atenção aliás inevitável em vista da do meu compromisso jornalístico de analisar o estado mental das classes falantes no Brasil à luz das palavras de seus representantes.

A direita no Brasil é uma entidade em plena decomposição, em estado terminal, cuja última esperança de sobrevivência é cavar um lugarzinho de força auxiliar na implantação do programa cultural da esquerda e, em troca disso, obter algumas concessões paternais do governo na área econômica.

Ninguém personifica esse estado de abjeção melhor que o sr. Constantino. Quem lhe negar o posto de representante típico e até máximo da direita brasileira cometerá uma injustiça revoltante.

É, pois, pura fantasia dele imaginar que tem algo a disputar comigo nesse campo. A paixão, o entusiasmo com que ele se entrega a essa disputa é sinal seguro de que o eixo das suas preocupações passa longe da sua situação real.

***

Cinco anos atrás, o sr. Constantino era apenas um argumentador desastrado, ignorante dos princípios mais elementares da argumentação e da prova, que se tornava ainda mais grotesco por apresentar-se como personificação da “razão” em luta contra o “obscurantismo”.

A passagem do tempo e o sucesso obtido em impor-se como representante de uma facção moribunda excitaram-lhe a veia imaginativa ao ponto de levá-lo a duelar com fantasmas de sua própria invenção, acreditando piamente que, ao humilhá-los, inflige derrota acachapante a alguma pessoa de carne e osso.

Não hesito em conceder ao sr. Constantino a vitória triunfal sobre seu arqui-inimigo Otávio de Ramalho, que jaz a seus pés, desmascarado e humilhado, implorando a caridade de um olhar, de um gesto de perdão, talvez de uns trocados para uma média com pão e manteiga. Não era esse o sonho da sua vida? Pois ei-lo aqui, realizado, sem nem mesmo esperar pela publicação do romance, que talvez não venha a ser concluído jamais, ou cujo enredo, depois de o sr. Constantino ler isto, talvez venha a ser modificado para não dar demasiado na vista.[1]

Apenas advirto que, cedendo com demasiada freqüência à tentação de reforçar por esse meio factício um ego perturbado e vacilante, o sr. Constantino arrisca passar do fingimento neurótico à invencionice psicótica. Como vimos no caso presente, parece que já passou. Não é de estranhar que, em tamanho estado de confusão interior, ele perca até as minguadas capacidades que tinha no começo, e termine incapaz até mesmo de compreender o sentido patente de suas próprias palavras, como expus no artigo “Inocente como um feto”. Aqueles que, em volta, aplaudem e reforçam a sua conduta são aproveitadores inescrupulosos, que se servem da autodestruição psicológica de um ser humano para usá-la como instrumento a serviço de seus interesses grupais ou – que seja – de seus projetos políticos.

Richmond, VA, 2 de maio de 2012

Apêndices

Como esse espírito eminentemente idôneo, ilustrado e confiável que é o sr. Rodrigo Constantino andou alertando os incautos quanto aos riscos que correm quando se expõem à minha influência nefasta de astrólogo embusteiro e chefe de seita, decidi reproduzir aqui dois escritos meus, já antigos, sobre o tema da astrologia, que ilustram o fanatismo cego, o fundamentalismo religioso barbaramente anticientífico dos ensinamentos com que impus a gerações de jovens inocentes o culto idolátrico da minha linda personalidade.

1. O debate que entrou em órbita

Ao longo das últimas décadas, a astrologia tornou-se um sucedâneo de religião para as massas de classe média e um hobby “espiritual” para os letrados. Montada na onda do novo paradigma que alguns teóricos reclamam para a ciência no século XXI, ela ganhou mesmo ares de respeitabilidade em muitos círculos acadêmicos. Nada parece deter sua ascensão. Até as reações hostis de alguns religiosos e homens de ciência apenas aumentam sua popularidade. No mínimo, o que é objeto de debate é objeto de atenção.

No entanto, os debates, na sua quase totalidade, têm se limitado aos aspectos mais vistosos e periféricos da questão astrológica, sem fazerem avançar um passo sequer o esforço para responder às perguntas que constituem, ou deveriam constituir, o miolo do problema: existe, objetivamente, uma relação entre os movimentos dos astros no céu e o desenrolar da vida humana na Terra? Se existe, qual a sua natureza e o seu alcance? Quais as causas que a determinam? Quais as possibilidade e os meios de conhecê-la cientificamente?

Em vez de enfrentar essas perguntas, os adeptos e adversários da astrologia preferem discutir o seguinte tópico: “Astrologia funciona?” O debate toma por foco a astrologia como prática divinatória ou diagnóstica, e deixa de lado a questão das influências astrais propriamente ditas. Aparentemente, nenhum dos partidos em disputa se deu conta de que a existência ou inexistência de influências planetárias sobre a vida humana, de um lado, e de outro a eficácia ou ineficácia da ciência ou pseudociência que se gaba de conhecê-las, são questões perfeitamente distintas, e de que não se pode decidir segunda sem haver antes dado à primeira uma resposta satisfatória. Pois o que define e singulariza a astrologia não é a afirmação genérica de que “existem influência astrais” (a qual pode ser admitida até mesmo por quem odeie astrologia, como Sto. Agostinho, por exemplo), mas sim a pretensão de já possuir um conhecimento cabal de suas manifestações e variedades, ao ponto de poder descrever meticulosamente as diversificações da influência de cada planeta conforme o lugar que ocupe no céu no instante do nascimento de cada indivíduo em particular — sem exceções ou dificuldades notáveis. Bem pode ser, é claro, que esta pretensão seja descabida, maluca mesmo, sem que por isto o fenômeno das influências astrais, em si mesmo e independentemente das interpretações que os astrólogos lhe dêem, deva ser considerado inexistente.

Por óbvia que seja essa advertência, os protagonistas do debate astrológico têm preferido omiti-la, confundindo a si mesmos e ao público. Invariavelmente, no calor da polêmica, cada pequeno indício da existência de influências astrais é tomado como argumento legitimador da prática astrológica existente; de outro lado, cada sinal de ineficácia ou erro dos astrólogos é exibido como prova da irrealidade das influências astrais. Isto em lógica chama-se um non sequitur: tirar à força, de uma premissa, conclusões que dela não se seguem logicamente. Por exemplo, a pesquisa realizada por Michel Gauquelin, na França, que numa revisão de 500 mil horóscopos de nascimento encontrou uma correlação estatística altamente significativa entre grupos profissionais e tipos astrológicos (conforme a posição dos planetas na hora do nascimento), é brandida orgulhosamente pelos astrólogos como prova de que “astrologia funciona” (e não somente de que “existem influências astrais”). Inversa e complementarmente, o físico Shawn Carlson, da Universidade da Califórnia, após ter verificado, em testes estatísticos, a incapacidade de vinte astrólogos para identificarem traços de personalidade com base em horóscopos de nascimento, divulgou esse resultado (na revista Nature) como prova de que “não existem influências astrais” (e não somente de que a astrologia não funciona, pelo menos tal como praticada atualmente). Confusões dessa ordem são a regras geral nos debates sobre astrologia, mesmo quando os debatedores são homens cultos e preparados. Numa recente mesa-redonda na UFRJ, confrontado com um sujeito que, para cúmulo, era professor de metodologia científica, não consegui, por nada deste mundo, fazê-lo compreender a inépcia de uma discussão colocada nesses termos. Com os astrólogos, excetuando uns happy few, não tenho logrado resultados melhores. Coisas desse tipo contribuem para fazer do debate astrológico um sinal particularmente enfático da demência contemporânea. No entanto, a questão das influências astrais, em si, e independentemente da polêmica, é da máxima importância para a nossa civilização em seu estágio presente. Se nos lembrarmos de que a geografia se constituiu e se expandiu rapidamente como ciência a partir do momento em que uma Europa culturalmente unificada partiu para as navegações e a descoberta da Terra, é fácil perceber, por analogia, que a humanidade culturalmente unificada de hoje, ao partir para a exploração do ambiente cósmico em torno, se defronta com a necessidade urgente de um nova colocação do problema das relações entre o cosmos e a vida humana, não somente biológica, mas histórica e psicológica; e este é, precisamente, o tema da astrologia. Este tema sugere, inclusive, a oportunidade de uma recolocação global das relações, ainda hoje obscuras, entre ciências “naturais” e ciências “humana”. A nulidade dos resultados que a astrologia tenha até agora alcançado na sua investigação, com os métodos peculiares e um tanto extravagantes que emprega, não justifica que seu objeto mesmo seja negligenciado. Aliás, não foi a propósito da astrologia que Kepler enunciou seu célebre aviso sobre a criança e a água do banho? Se a astrologia tal como se praticou e se prática hoje é falsa, o que temos de fazer é uma verdadeira, ao invés de proclamar, com uma autoconfiança de avestruz, a inexistência do fenômeno astral sob a alegação de falsidade do que dele se diz. Se os historiadores erram em suas interpretações da Revolução Francesa, ou se os zoólogos eventualmente se equivocam quanto à fisiologia das vacas, isto não constitui motivo suficiente para concluir que a Revolução Francesa não aconteceu e que as vacas não existem. Mesmo na hipótese de que nada se salve da astrologia, mesmo na hipótese de que tudo o que os astrólogos disseram a respeito do fenômeno astral seja rematada besteira, isto não desculpa o desinteresse pela perguntas mesmas às quais a astrologia pretendeu oferecer resposta.

Por tudo isso, é espantoso o contraste entre o baixo nível do debate astrológico hoje em dia e as discussões que seis ou sete séculos atrás os acadêmicos faziam a respeito do mesmo tema. Quanto examinamos as páginas que Sto. Tomás de Aquino, Hugo de S. Vitor, John de Salisbury e outros intelectuais medievais consagraram ao problema astrológico, surpreendemo-nos com o rigor e a serenidade de suas colocações, que constituem um exemplo para nós.

Particularmente Sto. Tomás chegou a desenvolver uma teoria completa das influências astrais, que constitui até hoje uma das mais límpidas colocações do problema e pode servir de marco inicial para as nossas investigações.

Tendo tocado no assunto, de passagem, na Suma Teológica e nos comentários à Física de Aristóteles, ele lhe dá um tratamento sistemático em cinqüenta densas páginas da Suma contra os Gentios (1258). Ele não discute a existência das influências astrais, que no seu tempo era geralmente admitida (mesmo pelos que, em nome da religião, condenavam a prática da astrologia divinatória); esforça-se apenas por definir a sua natureza e precisar o seu alcance. É verdade que sua análise se detém no nível meramente conceptual e lógico, sem entrar no campo da investigação empírica. Mas quem não sabe que sem conceitos claros e uma hipótese condutora a investigação empírica é perda de tempo? O que Sto. Tomás sugere, em essência, é que um corpo não pode exercer nenhuma influência causal sobre o que não seja também corpo; e que, portanto, está excluída a hipótese de que os astros exerçam qualquer influência sobre a psique e o comportamento humano a não ser por intermédio de alterações fisiológicas (ou fisiopatológicas). Ele chega a sugerir que os astros afetem a formação do embrião e que, produzindo assim conformações corporais diversas, acabem por agir como causas remotas do comportamento humano. Os movimentos planetários, diz ele, não influenciam a inteligência e a vontade humanas, mas, atuando sobre os corpos, predispõem a distúrbios passionais que podem obstar a livre operação da inteligência e da vontade.

A tremenda importância dessas observações reside em que elas colocam a questão astrológica na linha de uma investigação científica possível, tirando-a da esfera dos argumentos metafísicos e teológicos sobre determinismo e livre-arbítrio. Mas, passados sete séculos, a lição do grande escolástico ainda não foi assimilada, pois tais argumentos continuam comparecendo invariavelmente em toda discussão sobre o problema astrológico, malgrado sua já demonstrada impertinência e esterilidade.

O tratamento que Tomás deu à questão mostra, ademais, que ela pode e deve ser abordada independentemente de quaisquer reivindicações polêmicas sobre a legitimidade ou ilegitimidade da astrologia enquanto prática. Esta lição também não foi assimilada. Em resumo, no século XII estávamos mais perto de uma colocação racional do problema do que estamos hoje em dia, justamente quando ele se revela mais importante e urgente.

De outro lado, é claro que, se em vez de investigar diretamente o fenômeno astral continuarmos polemizando sobre “a” astrologia, não chegaram a nada. “A” astrologia é um amálgama enorme e confuso de códigos simbólicos, mitos e preceitos empíricos, procedentes de épocas e civilizações diversas, numa variedade que se rebela contra toda tentativa de reduzi-la a um corpo unitário de doutrina. Como pronuciar-nos, de um só golpe, sobre a veracidade ou falsidade de uma massa tão heteróclita? Só a ignorância fanática ou o desejo de aparecer explicam que alguém se disponha a tomar partido num debate que se coloque nesse termos. Mas, se os interessados no debate astrológico estão atrasados de sete séculos em assimilar a lição de Tomás, é que estão atrasados de vinte em assimilar a de Aristóteles, o qual ensinava que, de um sujeito equívoco, nada se pode predicar univocamente. “A” astrologia é muitas coisas. Talvez algumas delas sejam verdadeiras, outras falsas, umas valiosas, outras desprezíveis. Quando essa mixórdia milenar se houver transformado num corpo teórico explícito, à custa de depurações dialéticas e metodológicas como as que Sto. Tomás realizou para um aspecto em particular, então e somente então poderemos debater com proveito sua veracidade ou falsidade.

Até lá, tudo o que podemos fazer é declarar, humildemente, se gostamos dela ou não. Quanto a mim, é claro que gosto.

2. Astrologia e ciência

Conferência proferida no auditório do Palácio Tiradentes (Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) por ocasião dos festejos do 10º aniversário da Escola Astroscientia, em 22 de outubro de 1994.

A pergunta “A astrologia é uma ciência?” tem obtido as seguintes respostas:

É uma ciência. Assim respondem os adeptos da chamada “astrologia científica”, como Paul Choisnard e Adolfo Weiss. Esta escola caracteriza-se por julgar que, para a astrologia ter direito ao estatuto de ciência, tudo o que é preciso é tomar as afirmações correntes dos manuais de astrologia e submetê-las a uma verificação estatística, que as confirmará em toda a linha.

É uma pseudociência. É o que dizem alguns dos mais encarniçados adversários da astrologia, recrutados sobretudo entre os astrônomos de profissão. Dentre eles destacam-se, como típicos, o falecido diretor do Observatório de Paris, Paul Couderc, e, no Brasil, o diretor do Observatório do Valongo, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. As razões que fundamentam esta resposta são muitas — algumas perfeitamente impertinentes, como por exemplo a de que é impossível calcular horóscopos de pessoas nascidas no Polo Norte, ou a de que os signos não coincidem com as constelações; mas algumas pertinentes e razoáveis, como aquelas que se alegam o princípio de falseabilidade de Popper ou os resultados negativos obtidos em testes estatísticos. É importante notar que esta corrente entende como critério de cientificidade da astrologia o mesmo, no fundo, que adotavam Choisnard e Weiss, apenas com a ressalva de que sua aplicação dará resultados negativos.

É um saber revelado, superior à ciência — e como tal, furta-se a todo exame científico na medida em que não pode ser apreendida pelas categorias racionais. Esta resposta é defendida ou presumida, em geral, pelos que abordam a astrologia pelo lado da psicologia junguiana, da mitologia e dos estudos de simbolismo e que ao mesmo tempo têm uma atitude crítica face à ciência contemporânea. O famoso astrólogo Charles E. O. Carter é um deles. É um teosofista. Mas igual atitude encontra-se em René Guénon, temível adversário do teosofismo.

É uma linguagem simbólica e, como todas as linguagens, escapa das categorias do verdadeiro e do falso, podendo ser julgada apenas por sua adequação e expressividade.

É a atitude daqueles que, abordando a astrologia igualmente pelo lado do simbolismo, da mitologia, da psicologia — mas também da antropologia, da sociologia —, tomam no entanto como universalmente válidos os critérios da ciência moderna. É o caso de um Gaston Bachelard, de um Claude Lévi-Strauss e, em geral, da comunidade acadêmica.

Alguns encaram a astrologia como um “corpo de crenças” que não cabe à ciência julgar, mas descrever e compreender em suas estruturas, relacionando-as com as da sociedade humana.

Malgrado suas enormes diferenças e malgrado o fato de que parecem abranger totalmente a gama das alternativas possíveis, todas essas respostas são falsas ou, pelo menos, inadequadas.

A primeira delas — a tese da “astrologia científica” — é falsa pelas seguintes razões:

1. Uma técnica não se torna científica pelo simples fato de empregar, mesmo com sucesso, métodos cientificamente válidos para testar os resultados de sua aplicação. É preciso que ela mesma, no seu conteúdo, nas teorias em que se embasa, tenha caráter científico. Não é o caso da astrologia, que se fundamenta em pressupostos simbólicos que escapam a todo critério de verificabilidade.

2. Uma ciência não se limita a registrar correlações estatisticamente, mas busca uma explicação teórica para os fatos. A idéia de que montanhas de fatos estatisticamente comprovados fazem uma ciência é de um primarismo grosseiro.

3. Mesmo assim, os testes estatísticos relativos à eficácia dos diagnósticos astrológicos têm chegado uniformemente a resultados negativos. Todas as tentativas de correlacionar estatisticamente posições planetárias e traços de personalidade falharam.

4. Não há ciência sem contínua revisão dos pressupostos à luz dos resultados experimentais, e a astrologia tem alguns pressupostos imutáveis e dogmáticos.

Mas aqueles que negam todo estatuto científico à astrologia também estão errados, porque:

1. É impossível saber se um conjunto de teorias é científico ou não sem primeiro reduzir esse conjunto a um sistema, a uma teoria unificada. Nunca se fez isto.

2. Os critérios pelos quais se condena a astrologia dariam resultados negativos também se aplicados a uma multidão de ciências atualmente admitidas como tais, como por exemplo a sociologia, a psicologia, etc.

3. Embora seja um fato que a astrologia não atende ao princípio de falseabilidade de Karl Popper, considerado universalmente um critério válido, também é um fato que, com base no mesmíssimo princípio de Popper, não tem cabimento rejeitar como falso aquilo que escapa ao critério de falseabilidade; e os críticos da astrologia aqui referidos não pretendem apenas que ela seja uma não-ciência, e sim que ela seja falsa. Confundem assim ciência e verdade. Um conhecimento essencialmente verdadeiro e não-científico pode transformar-se em científico mediante simples adaptações lógicas e metodológicas.

A hipótese que subtrai a astrologia ao julgamento científico alegando que ela é um saber revelado também é falsa, porque:

1. Saber revelado e saber científico se distinguem somente por sua origem diversa, mas o critério de validade é o mesmo para ambos, e este critério é científico. Alegar origem revelada é eludir a questão.

2. O saber é revelado divinamente só ao primeiro que o recebe. Este o transmite aos demais por meios humanos, que subentendem o uso da linguagem, da razão, etc.

3. Deus nunca enviou uma revelação sem milagres que a acompanhassem ao longo do tempo, para legitimá-la aos olhos dos crentes. Se os astrólogos são profetas, não devem limitar-se a prever o futuro como vulgares vaticinadores, mas deter o movimento do Sol, separar as águas do Mar Vermelho e curar os leprosos.

4. Um saber revelado não se furta ao teste da verdade por meios científicos. Ao contrário: Todas as grandes religiões sempre submeteram as partes testáveis de sua fé à verificação.

Finalmente, não tem cabimento eludir a questão da veracidade mediante a alegação de que a astrologia é uma linguagem simbólica:

1. Uma linguagem é apenas um sistema de signos e símbolos com os quais se podem expressar muitas idéias. A linguagem em si não pode ser verdadeira ou falsa. O que é verdadeiro ou falso é o conteúdo das idéias que o homem expressa com a ajuda delas, as quais, por sua vez, não constituem um sistema de signos, mas afirmações sobre a realidade, com referência extra-linguística. Se a astrologia é uma linguagem, está fora do domínio do verdadeiro e do falso e nada afirma sobre o real. Ora, a prática astrológica universal consiste precisamente em fazer afirmativas sobre a realidade — sobre o caráter e o destino das pessoas, por exemplo.

2. Das regras de uma linguagem é impossível deduzir o conteúdo do que nela se vai dizer. Se a astrologia é uma linguagem, não é um conhecimento, exceto de si mesma. No entanto, a pretensão de constituir um conhecimento é inerente à prática astrológica, antiga ou moderna, Ocidental ou Oriental.

Essas quatro categorias de respostas resumem o essencial do que foi, no século XX, o debate da questão astrológica. Por elas, fica patente que esse debate não levou a nenhum resultado apreciável, e que, portanto, é necessário recolocar a questão desde suas bases, para tentar chegar a um quinto grupo de respostas, na esperança de que sejam mais consistentes. Começo por rever o sentido dos termos.

Que é propriamente uma ciência? Todo estudioso do assunto sabe que as ciências reais (historicamente existentes) não servem, por si, como fundamento para uma resposta. Por indução, os traços que obteríamos seriam demasiado amplos e frouxos para poder abranger a História, a Antropologia, a Matemática, a Biologia, a Física Teórica, etc. Resta a alternativa husserliana de conceber a ciência como um modelo ideal de conhecimento, do qual se podem deduzir, como diferentes possibilidades de realização, mais perfeitas ou imperfeitas, as ciências que se manifestaram historicamente e ainda outras ciências possíveis.

Esse modelo impõe certas exigências para que um conhecimento possa aproximar-se do ideal científico:

I. Todas as ciências historicamente existentes procuram realizar, por variados meios, um ideal de saber fundamentado, firme, oposto à mera opinião. A definição ideal de ciência implica como condições essenciais:

1. Evidência. O termo “evidência” aqui não significa “o dado” ou “o imediatamente apreendido pelos sentidos”. Significa apenas aquilo que é certo e inegável por si mesmo, não requerendo prova. Mesmo as correntes de pensamento que não aceitam nenhum tipo de intuição do dado fundam-se em alguns princípios tomados como evidentes ou ao menos convencionalmente colocados fora de toda discussão. Esses pontos de partida são indispensáveis em toda ciência, e é inconcebível uma ciência que presuma poder prosseguir indefinidamente suas investigações sem referi-las a um ponto de partida.

2. Prova.

3. Nexo evidência-prova.

4. Caráter evidente (e não provado) do nexo mesmo.

II. Como condições existenciais, a ciência requer:

1. Repetibilidade do ato intuitivo referido à “mesma” essência.

2. Repetibilidade do fenômeno cuja essência é intuída.

3. Registro.

4. Transmissibilidade.

III. Esse ideal foi realizado, historicamente, segundo modalidades variadas, calcadas nas ciências que casualmente obtivessem maior sucesso no momento.

1. Geometria (séc. IV a. C.)

2. Biologia [ classificação ] (séc. VI em diante: influência aristotélica tardia).

3. Dialética e Lógica (séc. XII em diante).

4. Matemáticas (séc. XV em diante).

5. Física mecanicista (séc. XVII em diante).

6. Biologia e medicina experimental (séc. XIX). Ao mesmo tempo: História.

7. Física matemática, lógica matemática, linguística, informática e neurobiologia (séc. XX).

IV. A astrologia pode tentar em vão copiar o modelo de alguma delas ou, ao contrário, procurar constituir-se como ciência desde o ideal mesmo que define a idéia de ciência.

V. Só este último caminho é válido, porque o objeto da ciência astrológica é radicalmente diverso do de todas as demais ciências. Que objeto é esse?

1. O estudo das influências astrais? Não.

2. O estudo da personalidade à luz dos astros? Não.

3. É o estudo das relações entre fenômenos celestes e terrestres de qualquer natureza.

VI. Pode a astrologia ser uma ciência?

1. Logo, a astrologia, se houver uma, é uma ciência:

a) Comparativa.

b) De objeto lógico e não fático.

c) Múltipla. A variedade de objetos requer variedade de métodos.

d) Interdisciplinar.

2. Eis a razão pela qual a astrologia perdeu, no Renascimento, seu estatuto de ciência. A astrologia até então existente bastava para dar conta da fenomenalidade terrestre tal como descrita pela física de Aristóteles, mas o súbito avanço das demais ciências as fragmentou de tal modo que uma ciência comparativa, sintética e interdisciplinar como a astrologia se tornou impossível.

3. Hoje, graças ao sistema internacional de intercâmbio de informações científicas, a ciência astrológica se torna novamente possível.

4. Como realizá-la?

1. Enfrentando logo as questões preliminares de delimitação, de métodos investigativos e de critérios de validação.

2. Enfrentando logo o problema da unificação da teoria astrológica, o que implica a reinterpretação de todo o legado da astrologia antiga — trabalho para muitas gerações.

3. Distinguindo para sempre as duas questões que o debate atual confunde:

a) O fenômeno astral em si.

b) A validade das técnicas astrológicas.

4. A resposta sobre a validade ou não da astrologia não pode preceder a resposta sobre a existência ou inexistência do fenômeno astral (chamemos assim as relações entre fenômenos celestes e terrestres).

a) A resposta sobre o fenômeno astral já nos foi dada por Gauquelin.

b) A comprovação da existência do fenômeno não basta para validar a astrologia, mas basta para justificar a necessidade de uma ciência astrológica: resta fazê-la, em vez de proclamar que está feita e cultuar uma imagem de sonho.

P. S.
Como prova de que sou um “astrólogo embusteiro”, o sr. Rodrigo Constantino reproduz no seu blog uma reportagem da Veja, datada de 9 de abril de 1980, na qual, desafiado pelo repórter Luiz Henrique Fruet, analiso o mapa astrológico de uma pessoa desconhecida e, em resultado, forneço um perfil integralmente correto do indivíduo, sem um erro ou imprecisão sequer, e com detalhes que nenhuma especulação divinatória poderia jamais alcançar. Veja deu o braço a torcer.

Que prova maior poderia haver de que, tendo exercido brevemente a profissão de astrólogo entre 1978 e 1980, não me conduzi nela senão com a maior idoneidade possível, não me furtando sequer a um teste que, em caso de fracasso, danaria a minha reputação para sempre?

Não há ali o menor sinal de embuste.

Tentando usar essa reportagem como prova contra mim, o sr. Constantino força o documento a dizer o contrário do que diz.

Não é inútil observar que minha atividade de astrólogo cessou trinta e dois anos atrás, quando o sr. Constantino tinha seis aninhos de idade. Se, decorrido esse tempo que quase coincide com a duração da sua vida, o sr. Constantino ainda insiste em me rotular de “astrólogo”, com repetitividade obsessiva, não é porque tenha algo de sério a alegar contra meu desempenho profissional de então, mas porque julga que a palavra “astrólogo”, por seus próprios poderes mágicos, e não obstante a passagem de três décadas, lançará sobre mim uma imagem negativa e me caracterizará como embusteiro sem que para isso eu precise ter cometido embuste nenhum. Raramente o puro desejo de difamar se revelou de maneira mais patente, mais indubitável.

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