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A revolução globalista

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, setembro/outubro de 2009

Para quem quer que deseje se orientar na política de hoje – ou simplesmente compreender algo da história dos séculos passados –, nada é mais urgente do que obter alguma clareza quanto ao conceito de “revolução”. Tanto entre a opinião pública quanto na esfera dos estudos acadêmicos reina a maior confusão a respeito, pelo simples fato de que a idéia geral de revolução é formada quase sempre na base das analogias fortuitas e do empirismo cego, em vez de buscar os fatores estruturais profundos e permanentes que definem o movimento revolucionário como uma realidade contínua e avassaladora ao longo de pelo menos três séculos.

Só para dar um exemplo ilustre, o historiador Crane Brinton, em seu clássico The Anatomy of Revolution, busca extrair um conceito geral de revolução da comparação entre quatro grandes fatos históricos tidos nominalmente como revolucionários: as revoluções inglesa, americana, francesa e russa. O que há de comum entre esses quatro processos é que foram momentos de grande fermentação ideológica, resultando em mudanças substantivas do regime político. Bastaria isso para classificá-los uniformemente como “revoluções”? Só no sentido popular e impressionista da palavra. Embora não podendo, nas dimensões deste escrito, justificar todas as precauções conceptuais e metodológicas que me levaram a esta conclusão, o que tenho a observar é que as diferenças estruturais entre os dois primeiros e os dois últimos fenômenos estudados por Brinton são tão profundas que, apesar das suas aparências igualmente espetaculares e sangrentas, não cabe classificá-los sob o mesmo rótulo.

Só se pode falar legitimamente de “revolução” quando uma proposta de mutação integral da sociedade vem acompanhada da exigência da concentração do poder nas mãos de um grupo dirigente como meio de realizar essa mutação. Nesse sentido, jamais houve revoluções no mundo anglo-saxônico, exceto a de Cromwell, que fracassou, e a Reforma Anglicana, um caso muito particular que não cabe comentar aqui. Na Inglaterra, tanto a revolta dos nobres contra o rei em 1215 quanto a Revolução Gloriosa de 1688 buscaram antes a limitação do poder central do que a sua concentração. O mesmo aconteceu na América em 1786. E em nenhum desses três casos o grupo revolucionário tentou mudar a estrutura da sociedade ou os costumes estabelecidos, antes forçando o governo a conformar-se às tradições populares e ao direito consuetudinário. Que pode haver de comum entre esses processos, mais restauradores e corretivos do que revolucionários, e os casos da França e da Rússia, onde um grupo de iluminados, imbuídos do projeto de uma sociedade totalmente inédita em radical oposição com a anterior, toma o poder firmemente resolvido a transformar não somente o sistema de governo, mas a moral e a cultura, os usos e costumes, a mentalidade da população e até a natureza humana em geral?

Não, não houve revoluções no mundo anglo-saxônico e bastaria esse fato para explicar a preponderância mundial da Inglaterra e dos EUA nos últimos séculos. Se, além dos fatores estruturais que as definem – o projeto de mudança radical da sociedade e a concentração do poder como meio de realizá-lo –, algo há de comum entre todas as revoluções, é que elas enfraquecem e destroem as nações onde ocorrem, deixando atrás de si nada mais que um rastro de sangue e a nostalgia psicótica das ambições impossíveis. A França, antes de 1789, era o país mais rico e a potência dominante da Europa. A revolução inaugura o seu longo declínio, que hoje, com a invasão islâmica, alcança dimensões patéticas. A Rússia, após um arremedo de crescimento imperial artificialmente possibilitado pela ajuda americana, desmantelou-se numa terra-de-ninguém dominada por bandidos e pela corrupção irrefreável da sociedade. A China, após realizar o prodígio de matar de fome trinta milhões de pessoas numa só década, só se salvou ao renegar os princípios revolucionários que orientavam a sua economia e entregar-se, gostosamente, às abomináveis delícias do livre mercado. De Cuba, de Angola, do Vietnã e da Coréia do Norte, nem digo nada: são teatros de Grand Guignol, onde a violência estatal crônica não basta para esconder a miséria indescritível.

Todos os equívocos em torno da idéia de “revolução” vêm do prestígio associado a essa palavra como sinônimo de renovação e progresso, mas esse prestígio lhe advém precisamente do sucesso alcançado pelas “revoluções” inglesa e americana que, no sentido estrito e técnico com que emprego essa palavra, não foram revoluções de maneira alguma. Essa mesma ilusão semântica impede o observador ingênuo – e incluo nisso boa parte da classe acadêmica especializada – de enxergar a revolução onde ela acontece sob a camuflagem de transmutações lentas e aparentemente pacíficas, como, por exemplo, a implantação do governo mundial que hoje se desenrola ante os olhos cegos das massas atônitas.

O critério distintivo suficiente para eliminar todas as hesitações e equívocos é sempre o mesmo: com ou sem transmutações súbitas e espetaculares, com ou sem violência insurrecional ou governamental, com ou sem discursos de acusação histéricos e matança geral dos adversários, uma revolução está presente sempre que esteja em ascensão ou em curso de implantação um projeto de transformação profunda da sociedade, se não da humanidade inteira, por meio da concentração de poder.

É por não compreenderem isso que muitas vezes as correntes liberais e conservadoras, opondo-se aos aspectos mais vistosos e repugnantes de algum processo revolucionário, acabam por fomentá-lo inconscientemente sob algum outro de seus aspectos, cuja periculosidade lhes escape no momento. No Brasil de hoje, a concentração exclusiva nos males do petismo, do MST e similares pode levar liberais e conservadores a cortejar certos “movimentos sociais”, na ilusão de poder explorá-los eleitoralmente. O que aí escapa à visão desses falsos espertos é que tais movimentos, ao menos a longo prazo, desempenham na implantação da nova ordem mundial socialista um papel ainda mais decisivo que o da esquerda nominalmente radical.

Outra ilusão perigosa é a de crer que o advento da administração planetária é uma fatalidade histórica inevitável. A facilidade com que a pequena Honduras quebrou as pernas do gigante mundialista mostra que, ao menos por enquanto, o poder desse monstrengo se constitui apenas de um blefe publicitário monumental. É da natureza de todo blefe extrair sua substância vital da crença fictícia que consegue inocular em suas vítimas. Com grande freqüência vejo liberais e conservadores repetindo os slogansmais estúpidos do globalismo, como por exemplo o de que certos problemas – narcotráfico, pedofilia, etc. – não podem ser enfrentados em escala local, requerendo antes a intervenção de uma autoridade global. O contrasenso dessa afirmativa é tão patente que só um estado geral de sonsice hipnótica pode explicar que ela desfrute de alguma credibilidade. Aristóteles, Descartes e Leibniz ensinavam que, quando você tem um problema grande, a melhor maneira de resolvê-lo é subdividi-lo em unidades menores. A retórica globalista nada pode contra essa regra de método. Ampliar a escala de um problema jamais pode ser um bom meio de enfrentá-lo. A experiência de certas cidades americanas, que praticamente eliminaram a criminalidade de seus territórios usando apenas seus recursos locais, é a melhor prova de que, em vez de ampliar, é preciso diminuir a escala, subdividir o poder, e enfrentar os males na dimensão do contato direto e local em vez de deixar-se embriagar pela grandeza das ambições globais.

Que o globalismo é um processo revolucionário, não há como negar. E é o processo mais vasto e ambicioso de todos. Ele abrange a mutação radical não só das estruturas de poder, mas da sociedade, da educação, da moral, e até das reações mais íntimas da alma humana. É um projeto civilizacional completo e sua demanda de poder é a mais alta e voraz que já se viu. Tantos são os aspectos que o compõem, tal a multiplicidade de movimentos que ele abrange, que sua própria unidade escapa ao horizonte de visão de muitos liberais e conservadores, levando-os a tomar decisões desastradas e suicidas no momento mesmo em que se esforçam para deter o avanço da “esquerda”. A idéia do livre comércio, por exemplo, que é tão cara ao conservadorismo tradicional (e até a mim mesmo), tem sido usada como instrumento para destruir as soberanias nacionais e construir sobre suas ruínas um onipotente Leviatã universal. Um princípio certo sempre pode ser usado da maneira errada. Se nos apegamos à letra do princípio, sem reparar nas ambigüidades estratégicas e geopolíticas envolvidas na sua aplicação, contribuímos para que a idéia criada para ser instrumento da liberdade se torne uma ferramenta para a construção da tirania.

Anistia?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 14 de novembro de 2006

O processo de indenização movido por César Teles e sua esposa Maria Amélia contra o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra é confessadamente um ato político, calculado para estimular outros militantes esquerdistas presos durante o regime militar, bem como seus descendentes, a que abram processos similares e mantenham acesa por tempo ilimitado a chama da “luta contra a ditadura”, que há vinte anos vem rendendo às organizações de esquerda incalculáveis lucros publicitários, políticos e financeiros.

A tática jurídica adotada é restringir ex post facto a aplicação da lei de Anistia, mediante a alegação de que ela só preserva contra a punição penal, não contra ações cíveis, uma nuance que nunca foi explorada antes por ser demasiado rebuscada para ocorrer de maneira natural e espontânea seja ao legislador, seja aos possíveis acusados ou eventuais beneficiários. A idéia do processo nasceu claramente de uma arificiosa investigação de brechas possíveis que permitam eternizar os ganhos da autovitimização esquerdista. Para os que combateram o terrorismo, bem como para os familiares dos que morreram nesse combate, tudo é um passado doloroso que deve ser esquecido. Para os esquerdistas, é um futuro repleto de promessas: há muito dinheiro nos cofres públicos que ainda não foi gasto em indenizações e muitas manchetes que ainda não foram escritas para a glória do terrorismo nacional. Há uma diferença substantiva entre a reivindicação sincera de quem se sente prejudicado e o ativismo judicial que visa a espremer até depois da última gota o limão das vantagens possíveis. Não é preciso colocar em suspeita a lisura de intenções do casal Telles em particular, pois a má-fé é o pressuposto geral de toda a instrumentalização esquerdista dos “anos de chumbo”.

O que ninguém parece ter notado é que, se o argumento da acusação for aceito pela Justiça, ele abrirá um precedente para que as vítimas e familiares de vítimas de atentados terroristas movam ações similares contra os membros de organizações esquerdistas que apoiaram a “luta armada”, inclusive, é claro César Telles e Maria Amélia Telles. Como diretores da gráfica do PC do B, partido maoísta, os Telles foram, além de auxiliares do terrorismo nacional, também cúmplices morais do genocídio chinês, podendo ser acusados, pelas leis internacionais, de crimes contra a humanidade, como acontece com os apologistas até mesmo retroativos do regime nazista. Só escaparam disso até hoje porque não existem no Brasil organizações de direita e, se existissem, dificilmente seriam mesquinhas ao ponto de tentar explorar politicamente cada crime real ou imaginário cometido pelos comunistas quatro décadas atrás, como os comunistas não se vexam de fazer, com tenacidade incansável, contra seus adversários.

No caso em particular da reclamação contra o coronel Brilhante Ustra, o juiz encarregado do processo terá de ser um campeão de autocontrole, um verdadeiro asceta espiritual, para resistir à pressão da mídia que já prejulgou e condenou o acusado. Mesmo aquelas raras publicações que não chamam o militar diretamente de “torturador”, negando-lhe o direito de ser considerado inocente até prova em contrário, recusam-se obstinadamente a publicar qualquer das alegações que ele apresenta em sua defesa no livro A Verdade Sufocada. Entrevistá-lo, então, é hipótese proibida e impensável nesses primores de idoneidade que são os grandes jornais e canais de TV deste país. Quando eles choramingam que estão sendo oprimidos pela militância petista, fazem-no com sobra de razão, exatamente como a esposa fiel que, depois de fazer todos os sacrifícios possíveis pelo bem do marido, ainda leva uns tapas do sem-vergonha.

Mas, de modo geral, as vítimas do terrorismo estão colocadas numa posição juridicamente mais que favorável para exigir indenizações de seus algozes, já que o dano que sofreram foi imensuravelmente maior que o de qualquer comunista ou pró-comunista dos anos 60-70.

Em primeiro lugar, na época não agiam em nome de organizações ilegais, mas em obediência aos códigos militares e policiais que regiam o combate ao terrorismo. Mesmo que tenham cometido abusos e devam pagar por eles, resta o fato inquestionável de que esses desvios criminalmente imputáveis ocorreram no exercício de funções que eram, em si, perfeitamente legais, ao passo que os terroristas, mesmo quando se comportavam com honra e se esquivavam de participar de atrocidades como o assassinato de um prisioneiro a coronhadas pelo chefe guerrilheiro Carlos Lamarca, estavam envolvidos numa atividade essencialmente ilegal e criminosa, com o agravante de agir a mando de organizações internacionais como a OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad, fundadas e subsidiadas por algumas das ditaduras mais genocidas que já existiram no planeta.

Em segundo lugar, as vítimas e familiares de vítimas do terrorismo foram alvo de tratamento abjetamente discriminatório por parte do governo esquerdista, que lhes recusou toda assistência e, quando lhes deu indenizações, tardiamente como aconteceu no caso da família do falecido sargento Mário Kozel Filho, foi mediante quantias miseráveis que, na comparação com a orgia financeira dos prêmios concedidos aos esquerdistas, somavam ao dano material o agravante moral da injúria. Isso quer dizer que, além de exigir indenização dos próprios terroristas, que hoje são poderosos e ricos, essas vítimas podem cobrá-la também do governo.

Em terceiro lugar, a disparidade de tratamento que os mortos dos dois lados receberam na mídia é tamanha e tão patente, que ninguém pode em sã consciência deixar de enxergar nela uma das causas da injustiça governamental na distribuição de indenizações – o que significa que os órgãos de mídia também podem ser acionados como autores dos imensos danos morais infligidos às vítimas e descendentes de vítimas do terrorismo.

Em suma: para cada processo cível que os terroristas e seus parceiros possam mover contra seus supostos algozes, as vítimas do terrorismo têm munição para mover pelo menos três: contra os terroristas, contra o governo, contra as grandes empresas de mídia.

Se houvesse organizações militantes de direita, e se estivessem conscientes da força do ativismo judicial como arma política, a dor que os esquerdistas sentiriam no bolso seria tão insuportável que, com imenso alívio, desistiriam de iniciativas como a do casal Telles e prefeririam investir suas energias na indústria nacional dos panos quentes.

Enquanto os perseguidos pelo petismo não decidirem se organizar para um ataque judicial a seus algozes, em vão pedirão socorro divino. Até Deus precisa de motivação. Se você mesmo tem preguiça de reconhecer a gravidade da sua situação, e de agir em conseqüência, por que haveria o Altíssimo de se preocupar com você?

A previsão e a franga

Olavo de Carvalho


O Globo, 9 de dezembro de 2000

O petismo do governo gaúcho tem sido apontado como uma imagem do Brasil futuro. Mas que Brasil será esse? Quem está fora do Rio Grande não tem a menor idéia do que se passa por lá. Como saber se a previsão é promessa ou ameaça?

Algumas informações recentes talvez ajudem. O diretor do jornal “Zero Hora”, Nelson Sirotsky, falando para uma platéia de duzentas pessoas na Associação da Classe Média de Porto Alegre, confirmou que o governo Olívio Dutra vem usando das verbas de publicidade oficial para limitar o exercício da liberdade de expressão no seu Estado. Ele citou o exemplo dos pequenos jornais que, por debilidade financeira, se rendem ao PT para não perder anúncios. Poderia também ter mencionado os jornalistas Políbio Braga, Hélio Gama, Gilberto Simões Pires e outros, que informam ter sido removidos de suas tribunas por pressão do governo. Simões Pires, um dos comentaristas mais populares da TV local, além de perder o emprego está sendo processado porque, exibindo uma foto na qual o governador e sua secretária da Educação, entre bandeiras vermelhas, posavam ao lado de escolares que faziam a tradicional saudação do punho cerrado, disse que se tratava de uso de crianças para propaganda de uma ideologia violenta — conclusão irrefutável, mas, ao que parece, proibida.

Quem conheça o estilo da retórica esquerdista, um caldeirão fervente onde termos como “canalha”, “ladrão” e “vendido” borbulham em profusão, pode se espantar de que pessoas tão grosseiras no falar tenham ouvidos tão sensíveis e berrem de dor ante a simples conclusão de um silogismo. Mas comunistas são mesmo assim: eles podem imputar a você os piores crimes, mas se você os chama simplesmente de atrasados, de ignorantes — ou de comunistas, o que dá na mesma –, eles entram em estado de choque. Recentemente um professor da USP, célebre pelas acusações cabeludas que faz ao presidente da República, ouvindo dizer que este chamara a esquerda de “burra” saiu exclamando que se tratava de… temível investida contra a liberdade de expressão. É o que os americanos chamam “overreact” — a marca inconfundível do fingimento histeriforme, sinal de iminente ruptura esquizofrênica da consciência.

Para dar uma idéia de até que ponto esse mal afeta a nossa esquerda, basta mais um episódio, que não tem nada a ver com o caso do Rio Grande, mas que ajuda a compreendê-lo. Na semana passada escrevi aqui que a liberação dos vícios era um item essencial da ideologia esquerdista (como na verdade já o era no tempo do “Flower Power” que, desde os campos de Woodstock, tanto ajudou os comunistas a dominar o Vietnã e a transformá-lo no gueto de terror e miséria que ele é hoje). Pois bem: um professor da UFRJ, em resposta, me enviou um e-mail enfurecido, ameaçando me processar porque eu “dissera que todos os jovens socialistas usam maconha e cocaína” e porque ele e seu filho, ambos socialistas, agora acreditavam enxergar, nos olhares de seus colegas, insinuações pérfidas que os acusavam de maconheiros e cocainômanos. O raciocínio do cidadão consistia em partir de uma premissa mentirosa e deduzir dela, por saltos lógicos assombrosos, uma autorização para fantasiar intenções nas pessoas em torno, um motivo para se sentir vítima e um pretexto para voltar todo o seu ressentimento insano contra um agressor imaginário que, para cúmulo, não conhecia nem a ele nem àquelas pessoas. Joseph Gabel, no clássico “La Fausse Conscience”, usou exemplos como esse para demonstrar que o raciocínio das ideologias totalitárias é idêntico ao de um delírio esquizofrênico. Esse modelo de raciocínio está subentendido tanto no temor que os próceres gaúchos têm dos jornalistas que os observam, quanto, em dose ainda mais expressiva, na mensagem do desvairado professor uférjico. Em ambos os casos, trata-se de instrutores de loucura: o Estado paga-lhes para que transmitam a eleitores e alunos o seu padrão patológico de percepção, para que os incapacitem para a vida adulta, fazendo deles eternos meninos ressentidos que terão de se apegar sempre à muleta de algum discurso de inculpação projetiva.

Mas, voltando aos gaúchos, não é só na imprensa que a liberdade deles sofre restrições que, se impostas por um governante direitista, suscitariam uma onda nacional de protestos. Um começo de passeata, promovido por uma organização de mulheres anti-PT, foi cercado por olheiros que, mais que depressa, acionaram as autoridades para que proibissem qualquer nova manifestação do grupo, o qual não teve remédio senão voltar às ruas com mordaças pretas para informar à população, sem dizer nada, que algo de indizivelmente esquisito estava acontecendo.

Na mesma linha de esquisitice mal conscientizada, um diretor da estatal gaúcha Emater, em discreta circular à “companheirada” (sic), admite que ali o critério de seleção é puramente ideológico, “como se alinhamento ou ficha no partido fosse garantia de competência”. E ele reclama disso não porque a coisa lhe pareça intrinsecamente imoral, mas porque não deu os resultados esperados: “Não conseguimos a hegemonia”, lamenta-se. E sugere, como remédio, “ler um pouco mais de Gramsci”.

Para um governo que nem tem apoio da maioria na assembléia, o do Rio Grande tem mostrado uma precipitação incomum em revelar antes da hora a índole ditatorial da ideologia socialista, violando os ensinamentos do mestre da camuflagem, Antonio Gramsci, o Senhor da Moita. Igual afoiteza, porém, inflamou as meninges do candidato virtual Luiz Inácio Lula da Silva durante sua viagem à Belfort Roxo do Caribe, levando-o a rejeitar em público a cor rosa que a moda analgésica atribui ao seu partido e a assumir, num rompante, que o negócio dele é mesmo o bom e velho comunismo.  Tudo enfim leva a crer que, prematuramente solta, sem medo de ser feliz, a franga vermelha abre as asas sobre nós.

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