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Desproporção monstruosa

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 03 de janeiro de 2008

A ordem de prisão emitida por um juiz italiano contra participantes da “Operação Condor” é a prova mais evidente de que o assalto contínuo à honra dos militares latino-americanos não é um aglomerado casual de “revanchismos”: é uma operação estratégica montada em escala internacional para atemorizar, desfibrar e subjugar as Forças Armadas do continente, colocando a serviço da revolução lulo-chavista o que reste delas no fim de um longo rosário de humilhações.

Essa operação articula-se, por oposição dialética, com a penetração de simpáticos e risonhos intelectuais de esquerda nos meios militares, de modo que a pressão de fora seja complementada desde dentro pela oferta de acomodações sedutoras, que os mais sonsos interpretam como sinal de reconciliação genuína. Estender a mão a quem se arroga o direito de mordê-la é mover guerra assimétrica contra si próprio. Tal é a principal atividade bélica em que o governo esquerdista deseja adestrar as nossas Forças Armadas.

A aberração mais chocante da política mundial é que, depois de extensamente revelados os crimes contra a humanidade praticados pelos regimes comunistas, não só seus autores tenham sido poupados de prestar contas, mas seus cúmplices nas democracias ocidentais continuem tendo espaço para brilhar na política, nas cátedras e no show business e passar pitos na sociedade livre, como se fossem modelos de santidade.

Mesmo o nosso regime militar não teve a coragem de acusar os comunistas pela cumplicidade ativa com governos genocidas, limitando-se a persegui-los por atos locais de terrorismo, isto é, a combater não o horror em si, mas apenas um de seus métodos.

A impunidade absoluta que o comodismo do establishment ocidental garantiu a esses celerados fez com que, em vez de se envergonhar de seus crimes, eles ganhassem redobrada confiança na lindeza de seus feitos hediondos, organizando-se para fazer o “longo braço da revolução” cair como um raio sobre quem quer que tenha cumprido o dever de combatê-los.

A mídia consagra a inversão, qualificando, por exemplo, de “operário” o terrorista italiano Libero Giancarlo Castiglia, de “seqüestro” a sua prisão pelas autoridades brasileiras (aliás não confirmada).

Ora, mesmo descontadas suas atividades na guerrilha do Araguaia, que não eram de natureza filantrópica, Libero Castiglia era um militante do PC do B. Sabem o que isso significa, na escala real das coisas? A simples existência do PC do B é um escândalo que brada aos céus, tanto quanto o seria a de um partido nazista ou de uma filial brasileira da Al-Qaeda. Membro devoto de uma rede internacional de apoio ao comunismo chinês, esse partido é co-responsável pelos crimes da ditadura mais sanguinária e genocida que o mundo já conheceu, cujo rol de vítimas não fica, segundo os estudos mais recentes, abaixo da cifra de setenta milhões de pessoas (v. Reevaluating China’s Democide to be 73,000,000).

Qualquer agressão que seus membros tenham sofrido, por mais condenável que seja em si mesma, é um nada em comparação com a crueldade sem fim que eles nunca cessaram de promover e legitimar (v. uma pequena amostra em La prisión de Jilin usa “camas mortales” para torturar a practicantes de Falun Gong) e pela qual não deram jamais o menor sinal de arrependimento.

Não tem sentido investigar com tanta dedicação delitos menores enquanto se lança um véu de esquecimento sobre os maiores. O senso das proporções não é um simples componente da Justiça. É a própria Justiça.

Como não enxergar a realidade

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 26 de novembro 2007

No meu artigo de 29 de outubro (A inversão revolucionária) prometi dar alguns exemplos de inversão revolucionária, e lá vou eu.

“Revolução” significa um giro, uma inversão de posições. É natural, pois, que as criaturas seduzidas pela idéia revolucionária, nem sempre sendo capazes de virar o mundo de pernas para o ar como pretendem, façam ao menos a revolução dentro de suas próprias cabeças, invertendo as relações lógicas de sujeito e objeto, os nexos de causa e efeito e até a ordem seqüencial dos tempos, enxergando, em suma, tudo às avessas e não admitindo como verdade senão o oposto simétrico daquilo que os fatos dizem, os documentos atestam e a razão proclama.

Não, caro leitor, por esquemático e satírico que pareça, o parágrafo anterior não é uma caricatura, uma figura de linguagem. A inversão da realidade percebida é um esquema de uso tão freqüente e obsessivo no discurso revolucionário, que a dificuldade principal em documentar sua presença é a hesitação na escolha, tão abundantes são os exemplos. Há também um obstáculo secundário, que é a variedade dos tipos de inversão e dos usos que se faz deles. Eis aqui um breve mostruário.

Em primeiríssimo lugar, vem a inversão essencial, estrutural, onipresente no movimento revolucionário porque subjaz à sua própria autodefinição. A promessa de um mundo de paz, amor e liberdade, conferindo aos revolucionários a autorização para realizá-la por meio da violência, do ódio e da opressão, implica necessariamente que as virtudes destinadas a brotar na humanidade futura só podem aparecer nos seus criadores presentes sob a forma invertida do mal e do pecado. A culpa dessa inversão, decerto, nunca é dos revolucionários, mas das condições estabelecidas que opõem uma resistência obstinada ao advento do bem supremo, e que por isso devem ser destruídas a ferro e fogo. É a sociedade má que obriga os homens bons a fazer o mal para destruí-la. Como, porém, não é concebível que os meros beneficiários passivos da sociedade futura sejam moralmente mais elevados do que aqueles que tiveram o trabalho de criá-la, a autoglorificação dos revolucionários como tipos éticos supremos – o “primeiro escalão da espécie humana” no qual Che Guevara modestamente se incluía – traz como corolário incontornável a superioridade da virtude invertida sobre a virtude direta: o pecado cometido pelo revolucionário é mais virtuoso do que as virtudes do homem comum.

Karl Marx, que engravidou sua empregada e recusou todo cuidado paternal ao filho, escreveu páginas furibundas contra os burgueses que abusavam de moças proletárias. Seria estúpido enxergar nisso um caso de mera hipocrisia. Algo de muito mais sinistro está embutido nas desculpas convencionais que, a pretexto de impugnar acusações ad hominem como argumentos filosoficamente válidos contra o marxismo, cavam um abismo ontológico entre Karl Marx, o filósofo da revolução, e Karl Marx, o patrão de Helène Demuth. O primeiro não arca com as culpas do segundo. Não foi enquanto revolucionário que Marx abusou da moça pobre, mas enquanto filho de burguês, herdeiro inerme e portanto vítima das taras da classe dominante. Ao condenar nos outros o mal que ele mesmo praticava, Karl Marx transmutou o pecado burguês em virtude revolucionária. Do mesmo modo, Mao Dzedong, o santo da devoção do PC do B, estuprou algumas dezenas de camponesas adolescentes para que no futuro não houvesse mais fazendeiros ricos capazes de fazer outro tanto. Os habitantes da utopia agrária socialista, é claro, não estuprarão ninguém, mas nem por isso merecerão tanta honra e glória quanto o “Grande Timoneiro” que os conduziu à paz edênica de uma sociedade sem estupros. Eis como estuprar mocinhas, se você é Mao Dzedong, se torna mais virtuoso do que abster-se de fazê-lo, se você é um outro qualquer. Ainda na mesma linha de raciocínio, Che Guevara considerava que, ao fuzilar prisioneiros inermes, era ele próprio, não eles, a vítima sacrificial. É a inversão revolucionária em estado puro – essencial e arquetípica.

Dela nascem inumeráveis tipos derivados, dos quais o mais usual é a identidade sociológica invertida. A liderança revolucionária, bem como o núcleo da militância, compõem-se, predominantemente, de representantes das classes média e alta. Não há dado histórico mais amplamente comprovado. Ele não impede, no entanto, que muitos desses movimentos continuem se denominando proletários, e qualificando de burgueses e pequeno-burgueses os seus opositores, mesmo quando manifestamente proletários. Na Revolução Francesa, por exemplo, a força ativa eram os intelectuais, os aristocratas hostis ao rei, uma parcela do clero e uma massa de manobra composta de delinqüentes e prostitutas. A única rebelião popular que ali se viu foi a da Vendéia, o levante em massa dos camponeses católicos contra o governo revolucionário. E mesmo na sua segunda fase, quando de acordo com a versão clássica da historiografia esquerdista a Revolução perde o seu impulso proletário e se torna um movimento da burguesia, os burgueses, os famosos burgueses capitalistas, estão notavelmente ausentes dos postos de comando. Eles só entram na história, a bem dizer, como aproveitadores menores do saque empreendido pelo governo revolucionário sobre os bens da Igreja, principalmente terras. Terras que, durante séculos, tinham estado entregues ao livre cultivo pelos necessitados, e que agora se tornavam repentinamente propriedades do governo ou dos novos ricos. Por qualquer dos dois lados que a encaremos, a história oficial da Revolução Francesa é pura inversão. Como movimento popular destinado nominalmente a acabar com a fome, a Revolução criou uma multidão de esfaimados – os primeiros autênticos “sem terra” do Ocidente. De outro lado, chamada “Revolução burguesa”, não o foi por ter sido obra da burguesia, mas por ter criado a burguesia como subproduto do roubo estatal. Nos dois casos, a lenda historiográfica consagrada é a inversão simétrica da realidade.

Dos vários movimentos revolucionários ao longo da História, o único que teve o apoio maciço do proletariado foi o nazifascismo, isto é, precisamente aquele que a historiografia pró-comunista e o consenso da grande mídia insistem em definir como um movimento da pequena burguesia e do grande capital. O meticuloso estudo de James Pool (“ Who Financed Hitler: The Secret Funding of Hitler’s Rise to Power, 1919- 1933” , Simon & Schuster, 1997 ) mostra que, malgrado exceções bem conhecidas, alemãs e estrangeiras (os Krupp; Henry Ford), o grosso da alta burguesia alemã via Hitler com extrema desconfiança e não lhe deu nenhuma ajuda substantiva. Até sua ascensão ao poder, que lhe forneceu por fim os meios de “colocar a burguesia de joelhos” (expressão do próprio Hitler), o Partido Nazista subsistiu principalmente das contribuições da militância operária, enquanto o Partido Comunista, na Europa e nos EUA, nadava em dinheiro da alta burguesia. Aliás, seduzir os ricos para arrancar-lhes dinheiro e apoio, em vez de organizar as massas para a luta, foi precisamente a missão específica que Stálin assinalou ao Partido Comunista Americano, cujo sucesso nesse empreendimento deixou marcas que duram até hoje (V. “Double Lives”, de Stephen Koch, New York, The Free Press, 1994).

Nos próximos artigos mostrarei mais alguns tipos de inversão.

Ambiciosos e pusilânimes

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 17 de outubro de 2007

O encontro entre George W. Bush e o Dalai Lama está sendo alardeado (v., http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u337239.shtml) como “um acontecimento histórico” por marcar a posição americana em favor do Tibete e contra a dominação chinesa. É tudo perfumaria. Só o que o governo americano tem feito em relação à China é enchê-la de dinheiro, não só para que ela aumente seus estoques de armas atômicas enquanto os EUA limitam severamente os seus próprios, mas para que ela possa um dia descarregar no mercado os dólares acumulados ao longo das décadas, produzindo uma inflação mastodôntica da qual a economia americana só se recuperará a duras penas. Enquanto isso, as tropas de ocupação chinesas já mataram um milhão de tibetanos e não sofreram outra represália senão a gentil declaração do Dalai Lama de que o comunismo, no fim das contas, se baseia em altos ideais. Uma reunião entre o líder religioso budista e o presidente dos EUA causa menos preocupações aos generais de Pequim do que o novo desenho da Disney, “Os Dez Mandamentos”, que arrisca engrossar a onda avassaladora de conversões de chineses ao cristianismo (se bem que a produtora proibiu o nome “Deus” nos cartazes do filme).

As expectativas otimistas quanto ao apoio que Washington pode dar ao Tibete são da mesma ordem daquelas previsões que, uma década e meia atrás, juravam que a abertura à economia de mercado acabaria por democratizar o regime chinês. O 17º. Congresso do Partido Comunista da China, antecedido da tradicional e infalível onda de prisões de dissidentes, está aí para mostrar que as relações entre economia e poder político não obedecem à lógica linear dos administradores de empresas, mas a um jogo dialético sutil no qual os comunistas ainda são os maiores experts.

Por falar em 17º. Congresso, é bom lembrar que partidos comunistas de linha chinesa existem e atuam livremente em todas as democracias ocidentais, sem que jamais ocorra a seus adversários liberais e conservadores a idéia óbvia — e moralmente obrigatória — de responsabilizá-los judicialmente pela cumplicidade com os maiores crimes contra a humanidade já cometidos por algum governo deste mundo.

No Brasil, o PC do B continua a derramar lágrimas de crocodilo por conta de umas dúzias de terroristas mortos pela ditadura, ao mesmo tempo que cospe na memória dos milhões de vítimas civis de Stalin e Mao Dzedong, celebrando estes dois ogros como heróis, libertadores e quase santos.

O culto lamuriento aos “nossos mortos”, coexistindo com o soberbo e indisfarçado desprezo aos cadáveres do outro lado, é um dos traços mais salientes da mentalidade comunista e a prova cabal de que ela desconhece por inteiro a compaixão e o amor ao próximo, embora saiba usar seus sinais exteriores para efeito de propaganda quando lhe convém.

A tolerância obscena de tantos liberais e conservadores para com essa conduta sociopática faz com que eles compartilhem da sua abjeção e percam o restinho de dignidade que poderia diferenciá-los dos comunistas.

Pois os nossos senadores, xingados de servos do imperialismo por Hugo Chávez, não se apressaram em aplacar a ira do ditador venezuelano, mostrando subserviência ao comunismo internacional mediante uma homenagem imoral e descabida a Che Guevara, talvez por se identificarem, no fundo, com esse príncipe dos covardes?

No Brasil como no mundo, a mistura da ambição ilimitada de uns com a cumplicidade pusilânime de outros é a fórmula infalível de todas as desgraças.

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