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Para compreender a revolução mundial

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de maio de 2007

Prometi explicar mais detalhadamente as “teses sobre o movimento revolucionário mundial” (conferência na Academia Militar de West Point) que publiquei aqui semanas atrás. Como essas explicações são longas, vou subdividi-las em vários artigos, voltando ao assunto sempre que haja oportunidade. Começo com o primeiro parágrafo: “O movimento revolucionário é um fenômeno único e contínuo ao longo do tempo, pelo menos desde o século XV. Cada geração de revolucionários tem consciência de ser herdeira e continuadora das anteriores. Isso está abundantemente documentado nos seus escritos. É um fato, não uma interpretação minha.”

Qualquer que seja o estado de coisas, não há atitude política consciente sem o conhecimento dos antecedentes históricos que o produziram; e não só dos antecedentes factuais imediatos, mas também e principalmente dos elementos duradouros, de longo prazo, que não exercem sobre a situação atual a influência de estímulos causais diretos mas moldam e determinam de longe o quadro geral onde tudo acontece.

Quando o discurso de um agente político repete o de personagens de dois, três ou quatro séculos atrás, os quais ele não conhece e não poderia citar de propósito, às vezes esse fato pode ser explicado pela simples persistência residual de antigos giros de linguagem, impregnados na cultura geral e assimilados passivamente pelo falante. Mas quando a essa coincidência vocabular se soma a identidade dos valores e objetivos que se expressam através do discurso, então é provável que a ação desse agente dê continuidade a uma seqüência iniciada muito antes dele, à qual ele serve com maior ou menor consciência de sua participação num esforço de muitos séculos. Se, ademais, rastreando as origens do seu linguajar podemos reconstruir uma cadeia de transmissão ininterrupta que de geração em geração veio vindo desde os pioneiros da idéia até seu último repetidor passivo, então é claro que estamos diante de um “movimento histórico” identificável, contínuo e autoconsciente.

Um movimento histórico pode abranger e conter muitos movimentos políticos, culturais e religiosos, que constituem suas versões parciais, locais e temporárias e que podem ser bastante diferentes e até contrastantes entre si sem deixar de contribuir, por isso, para a unidade do conjunto que os arrasta, inexoravelmente, à consecução de um sentido geral já formulado, em essência, desde o início.

Um movimento histórico não age por si, não é uma força mágica nem, como diria Hegel, uma “astúcia da razão” que opere e realize seus objetivos mediante uma lógica invisível, passando por cima das intenções conscientes de indivíduos e gerações. É, ao contrário, a continuidade temporal de um conjunto de símbolos, valores e objetivos que a cada geração são introjetados e subscritos conscientemente pelos indivíduos que se colocam a seu serviço. Apenas, em cada um desses indivíduos, o conhecimento dos valores a que serve não implica uma consciência integral da totalidade do movimento abrangente. Em alguns deles, sim. A cada geração há pelo menos um núcleo de “intelectuais”, que sabe de onde veio e para onde vai o conjunto do movimento a que serve. Mas a maioria dos envolvidos pode ter consciência somente das subcorrentes parciais imediatas. Isto é mais do que suficiente para garantir a inserção perfeita das suas ações no sentido total do movimento histórico.

Ao observador leigo a unidade do movimento pode escapar de todo, principalmente porque ele não sabe distingui-la de três outros tipos de unidade que podem aparecer por trás da multiplicidade dos atos humanos:

(1) A unidade espontânea do desenvolvimento histórico. O crescimento da economia capitalista, por exemplo, não resulta de nenhum plano e não é um processo dirigido por ninguém. Ele resulta, como dizia Ludwig von Mises, da somatória de uma quantidade inumerável de atos individuais, cada um deles racional em si mesmo, mas inconexos no conjunto, praticados pelos agentes econômicos em vista de seus objetivos pessoais e grupais.

(2) A unidade concreta e deliberada de um movimento político, social, religioso ou cultural explícito, dotado de um comando identificável e de uma massa de militantes, fiéis ou adeptos conscientes dessa unidade. O catolicismo ou o comunismo são exemplos característicos. Para distingui-los do movimento histórico em geral, vou chamá-los de “movimentos especiais”.

(3) A unidade invisível do “poder secreto” ou “conspiração”. Neste caso, a unidade existe só para os líderes, os condutores do processo, e seus colaboradores imediatos. A massa dos ajudantes anônimos, aglomerada em unidades menores sem contato umas com as outras, não têm uma idéia clara – e às vezes não têm idéia nenhuma — da articulação maior nem do propósito de conjunto a que servem.

Embora a unidade de um movimento histórico possa ter elementos colhidos desses três modelos, nenhum deles a explica. Um movimento histórico não é um puro desenvolvimento espontâneo, mas é um esforço consciente e prolongado para levar as coisas numa certa direção. Mas ele distingue-se também dos movimentos especiais no sentido de que não precisa ter uma estrutura hierárquica de comando, ao menos permanente. Distingue-se também da unidade conspiratória porque essa estrutura hierárquica, quando existe, não tem necessariamente de permanecer secreta.

A unidade de um movimento histórico repousa inteiramente no apelo de certos símbolos que condensam e dão corpo a desejos, ideais e objetivos duradouros. Uma vez adotados como bandeira de luta por algum movimento especial, esses símbolos se disseminam e se arraigam tão profundamente na cultura que sua força aglutinadora pode ser renovada a qualquer instante por algum outro movimento especial que se inspire direta ou indiretamente no anterior. Uma sucessão de movimentos especiais inspirados num mesmo núcleo de símbolos e valores, atravessando as épocas sem conexão organizacional uns com os outros, forma por si um movimento histórico, mesmo que a consciência da continuidade se torne bastante tênue ou seja compartilhada somente por uma elite intelectual sem voz de comando direta sobre o conjunto. Se este continua na mesma direção, não se pode dizer que parou nem que foi extinto. Um movimento histórico pode, alternadamente, cristalizar-se como movimento especial em torno de um comando hierárquico conhecido de todos os participantes ou, ao contrário, subdividir-se em tantos núcleos independentes que pareça ter-se dissolvido, não só em tempos adversos, mas até nas épocas em que os ventos lhe são mais favoráveis e ele pode contar com um crescimento vegetativo apoiado no puro desenvolvimento espontâneo dos fatos sociais. Às vezes, aparece uma liderança genial capaz de manter por algum tempo o controle consciente do movimento, às vezes é preciso esperar até que a espontaneidade do acontecer crie as condições para isso, mas em ambas essas duas épocas o movimento revolucionário prossegue, inabalável,

Ninguém compreenderá jamais o movimento revolucionário mundial enquanto continuar a encará-lo apenas pelo prisma dos movimentos especiais que o integram. Como explicar, por exemplo, a ascensão brutal do esquerdismo no mundo depois da queda da URSS que, segundo a expectativa geral, deveria prenunciar o seu fim? A suspresa diante do fenômeno é tão grande que muitos preferem até negá-lo, refugiando-se numa ilusão psicótica. Mas a explicação dele é simples se você entende que o movimento comunista organizado desde os centros de comando em Moscou e Pequim era apenas uma encarnação parcial e temporária do movimento revolucionário, que este continuava se desenvolvendo em outros contextos sob outras formas, latentes e discretas, prontas a subir ao primeiro plano tão logo a versão soviético-chinesa falhasse, como de fato aconteceu. É deprimente, por exemplo, notar como os EUA, nos anos 50, ao mesmo tempo que combatiam de frente o expansionismo comunista e a espionagem soviética, recebiam de braços abertos os filósofos da Escola de Frankfurt, que já traziam consigo o germe da New Left destinada a florescer na década seguinte com uma força, uma virulência e uma amplitude jamais sonhadas pelos partidos comunistas. Combater um movimento especial sem ter em vista suas ligações com o conjunto do movimento revolucionário é arriscar-se a fortalecer este último no instante mesmo em que se imagina derrotá-lo. Na verdade, a própria elite soviética tinha muito mais flexibilidade e um horizonte estratégico incomparavelmente mais vasto do que os profissionais de inteligência e os analistas estratégicos nos EUA podiam imaginar então. Estes, além de enfocar o movimento comunista isoladamente, fora da tradição revolucionária, ainda consideravam esse movimento apenas um pseudópodo do poder soviético, quando na verdade o poder soviético era apenas uma encarnação local e temporária de uma corrente histórica que vinha desde muito antes dele e que sobreviveu perfeitamente bem à dissolução da URSS.

A unidade do movimento histórico tem de ser buscada, antes de tudo o mais, na linguagem. É a recorrência dos motivos condutores (no sentido que esta expressão tem em literatura e em música) que assinala a continuidade do movimento. E, no instante em que essa continuidade não é só a de uma vaga “influência cultural”, mas a de organizações revolucionárias que geram suas sucessoras e nelas se reencarnam após o seu desaparecimento aparente, então a caracterização do movimento histórico é nítida e insofismável, e já não há mais desculpa para não enxergar a sua unidade por baixo da variação aparente, por mais desnorteante que seja.

Para quem conhece a história do movimento revolucionário como conjunto, essa unidade, que o leigo tem tanta dificuldade de enxergar, transparece até em detalhes aparentemente irrisórios. Quando, por exemplo, o sr. Lula se declara católico e no instante seguinte, com a cara mais bisonha do mundo, afirma que está habilitado a comungar sem confessar por ser homem “sem pecados”, quem atribui isso à tolice pessoal do sr. presidente é infinitamente mais tolo do que ele. A frase ecoa um Leitmotiv do movimento revolucionário, circulante pelo menos desde o século XV: a impecância essencial do revolucionário, limpo e santo a priori e incondicionalmente. Ah, é apenas uma coincidência verbal!, dirão os sapientíssimos observadores. Não é não. Toda a mentalidade do sr. Lula foi formada pelo ensinamento direto e persistente do sr. Frei Betto, que é a encarnação mesma da heresia revolucionária, em nada diferente daquela dos cátaros e albigenses. O sr. Lula, no caso, talvez não tenha a menor consciência de que é um boneco de ventríloquo sentado no colo de uma tradição de cinco séculos. Mas o sr. Frei Betto, que pensa com o devido recuo histórico, sabe perfeitamente para que fins treinou o seu discípulo.

Prosseguirei estas explicações na semana que vem.

Absurdo sensato

As escolas infantis inglesas eliminaram do currículo de História a menção ao Holocausto, porque ofendia as delicadas sensibilidades dos alunos muçulmanos, persuadidos de que não aconteceu Holocausto nenhum, de que os judeus inventaram tudo só para tomar dinheiro da ingênua espécie humana.

Parece loucura, mas não é. É cálculo. E vem mais por aí. Quando o herdeiro do trono está sob a influência direta de mestres espirituais muçulmanos, inteligentes o bastante para fazer dele um discípulo dócil e obediente, é natural que a Inglaterra se prepare para ceder seus últimos resíduos de orgulho nacional ante a chantagem moral islâmica. A “Abolition of Britain” que Peter Hitchens anunciou num livro indispensável (San Francisco, Encounter Books, 2000) e a total islamização da Europa segundo o diagnóstico assustador de Bat Ye’or em “Eurabia: The Euro-Arab Axis” (Cranbury, NJ, Associated University Presses, 2005) estão mais perto do que a opinião pública imagina. O príncipe Charles aparece de vez em quando como um simples mecenas, protetor da arte e da cultura islâmicas no seu país, mas, acreditem, isso é só uma fachada. Ele está pessoalmente ligado a uma organização esotérica fundada por Frithjof Schuon, o místico muçulmano, suíço de nascimento, que ao voltar de uma viagem iniciática à Argélia nos anos 50 prometeu islamizar a Europa no prazo de uma geração. Schuon morreu, mas seu trabalho, extremamente bem sucedido, continua através de dedicados sucessores. A influência incalculavelmente vasta e ao mesmo tempo discretíssima que ele logrou obter sobre a elite intelectual e política européia é invisível ao grande público, mas sem ela o mero afluxo de imigrantes não teria o dom de transformar o Islam na única autoridade religiosa que tem o poder de vergar a espinha do governo britânico, e de fazê-lo até mesmo em nome de uma exigência absurda, ofensiva em último grau.

Schuon sempre soube que as grandes transformações históricas vêm de cima, que os movimentos de massa não são senão o efeito remoto da influência espiritual exercida sobre os corações e mentes dos homens mais cultos e capacitados. A abertura da Europa ao Islam não começou com a importação de trabalhadores. Começou com discretos rituais místicos em Oxford e Cambridge, aos quais o prestígio de intelectuais de primeiro plano acabou atraindo membros do Parlamento e até o príncipe herdeiro. Nenhum país pode resistir a uma cultura estrangeira quando a classe pensante local já se rendeu a seus encantos hipnóticos. Pouco importando o que pensemos de seus méritos e deméritos, Schuon não abriu uma fresta na cultura européia: abriu um rombo.

Esse capítulo decisivo da história recente é totalmente desconhecido dos politólogos, dos analistas estratégicos, dos comentaristas de mídia e dos demais “formadores de opinião”.

Denúncia

A propósito do recente indiciamento dos dois pilotos americanos no caso do acidente com a aeronave da Gol, recebi a seguinte mensagem de um ouvinte do meu programa True Outspeak, George Rocha, e acredito dever repassá-la aos leitores desta coluna:

“ Sou piloto de linha aérea e instrutor de vôo (jatos) há 27 anos. Digo-lhes, sem dúvidas, que os pilotos norte-americanos não cometeram qualquer erro durante o fatídico vôo. Provo minha afirmação inclusive diante de qualquer juiz. Desculpem-me por estar endereçando coletivamente esta minha mensagem sobre a realidade do acidente Legacy X GOL 1907. Eu li todos 79 comentários de O Globo online e sinto-me no dever moral, por possuir as informações técnicas corretas, de informar os demais brasileiros, leigos ou não, sobre fatos transitados acerca deste acidente aéreo.

 No meu blog “ No Ar” ( http://www.globoonliners.com/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=363 ) todos vocês poderão ler o que aconteceu para o desfecho do acidente e ainda as preocupações da Aeronáutica, governo, Infraero, Cindacta, etc. Estejam certos de que a investigação tem sido manipulada politicamente.”

Estrangulamento

O golpe que, segundo comentei no artigo anterior, está sendo armado pela esquerda parlamentar americana para quebrar a resistência conservadora abrigada nas estações de rádio, é só parte de um projeto mais vasto destinado a instaurar de vez a hegemonia esquerdista e calar por completo a voz dos conservadores. Depois do rádio, a arma mais poderosa do conservadorismo americano é a rede de organizações populares (“grassroots”), sustentadas pelas contribuições de milhões de eleitores e criadas para pressionar a Câmara dos Representantes e o Senado por meio de cartas, telegramas, e-mails e telefonemas nos dias que antecedem alguma votação importante. Há tempos o Partido Democrata vem tramando um meio de tomar essa arma dos republicanos. Agora os adeptos de Nancy Pelosi encontraram a fórmula: regulamentar aquelas organizações de modo a que todos os seus membros contribuintes, mesmo os mais pobres e humildes, tenham de ser fichados perante o governo federal. Será, pela primeira vez na história americana, um monstruoso cadastro ideológico, que deixará milhões de eleitores expostos à espionagem oficial e à pressão direta do parlamento esquerdista.

A idéia é tão cínica, tão ostensivamente ditatorial, que não é possível deixar de contrastá-la com as afetações de escândalo com que os democratas, pouco tempo atrás, denunciaram como violação de privacidade a escuta telefônica praticada pelo governo Bush em cima de duzentos e poucos suspeitos de terrorismo, quase todos eles estrangeiros. Não é uma maravilha? Nada no mundo tem a força de auto-superação da hipocrisia esquerdista. Quando imaginamos que ela atingiu seu último limite, ela alça vôo ainda mais ambicioso, sempre com aquele ar de pureza excelsa de quem se considera imune ao pecado.

Crimes do abortismo

Quem quiser mais informações sobre os crimes do movimento abortista, que aqui denunciei em editorial publicado no dia 11 de maio, pode encontrá-las nas seguintes fontes:

Para maiores informações, as fontes são as seguintes.

Livros — Patrick J. Buchanan, “The Death of the West: How Dying Populations and Immigrant Invasions Imperil Our Country and Civilization” (St. Martin’s Press, 2002) e “State of Emergency : The Third World Invasion and Conquest of America” (id., 2006); Ramesh Ponnuru, “The Party of Death: The Democrats, the Media, the Courts and the Disregard for Human Life” (Regnery, 2006).

Vídeos — http://www.youtube.com/watch?v=UgH7bkV0Dm4 , http://www.youtube.com/watch?v=pR5g49NNKHU&mode=related&search =, http://www.youtube.com/watch?v=rIzXNJNR2uQ&mode=related&search = e http://www.youtube.com/watch?v=Q-UmKGR9NFU&mode=related&search =. Para os membros da comunidade Orkut, coloquei esses vídeos na minha página pessoal.

Artigos meus — http://www.olavodecarvalho.org/semana/051208jb.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050822dc.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050409globo.htm , http://www.olavodecarvalho.org/semana/050430globo.htm e http://www.olavodecarvalho.org/semana/980122jt.htm .

Consciências deformadas

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de dezembro de 2005

Semanas atrás, escrevi aqui que as denúncias contra Tom De Lay não passariam na Justiça; que eram apenas um truque sujo concebido para afastar de seu cargo na Câmara o líder republicano que constituía um pesadelo para os democratas. Dito e feito: as acusações principais já caíram. De Lay agora prepara o contragolpe judicial contra o promotor Ronnie Earle e provavelmente vai acabar com a carreira do distinto. Mas nem por isso conseguirá voltar à liderança em tempo de reconquistar seu prestígio antes das eleições parlamentares de 2006. O golpe baixo acertou em cheio. Uma coisa é estar limpo perante os tribunais; outra é lavar uma imagem coberta de infâmia pela vasta e persistente campanha de mídia que secundou (até no Brasil, para vocês verem como essas coisas vão longe) a investida de Ronnie Earle, tarimbado difamador judicial de inimigos políticos. Não que a palavra dos jornalistas pese alguma coisa nas eleições: uma recente pesquisa da Gallup mostra que apenas 24 por cento dos americanos acreditam um pouco neles ( http://www.mediainfo.com/eandp /news/article_display.jsp?vnu _content_id=1001614003 ). Mas pesa no ambiente social em torno, que pode oprimir com todo o peso do inferno. A prova de inocência não remove esse peso um só milímetro. De Lay continuará com a fama de escroque, e a esquerda ainda ganhará mais um mártir: Ronnie Earle.

Ninguém, como o pessoal da mídia e da intelligentzia esquerdista, tem a capacidade de continuar fingindo crença numa mentira longo tempo depois de desmascarada. Vejam, por exemplo, o último filme de George Clooney, Good Night, and Good Luck , que glorifica um jornalista medíocre, Edward R. Murrow (personificado por David Strathairn), por haver combatido o senador Joe McCarthy. A velha choradeira antimacartista ainda funciona, mais de uma década depois de provado que nenhum dos investigados do famoso Comitê McCarthy era vítima inocente, que todos eram mesmo devotados colaboradores secretos de uma ditadura genocida, usando dos direitos democráticos para destruir a democracia. Depois da abertura dos arquivos de Moscou e da publicação dos comunicados entre a embaixada soviética e o Kremlin no período da Guerra Fria, pode-se acusar McCarthy de tudo, inclusive de melar a campanha anticomunista por inabilidade afoita, mas não de ter errado os alvos. Se têm dúvidas, leiam Joseph McCarthy, de Arthur Herman (Free Press, 1999), e Venona: Decoding Soviet Espionage in America , de John Earl Haynes e Harvey Klehr (Yale Univ. Press, 2000). O filme é tão besta que, falando o tempo todo de inocentes acusados, não é capaz de mostrar um só deles. Mas a República Popular de Hollywood é capaz de ver nisso mesmo a prova de que eles existiam aos milhares. Um só chavão vale mais do que mil imagens que o desmintam.

O hábito da mentira e do auto-engano está de tal modo arraigado na elite esquerdista que se tornou como que sua segunda natureza. A amplitude do fenômeno está tão bem documentada hoje em dia que ninguém pode se considerar bem informado se ainda se surpreende com ele. Para quem está habituado ao assunto, é até redundante, por exemplo, a proposta do livro, no mais interessantíssimo, Do As Say, Not As I Do (“Faça o que eu digo, não o que eu faço”, New York, Doubleday, 2005), em que o jornalista Peter Schweitzer, autor de uma maravilhosa biografia de Ronald Reagan, compara os discursos do beautiful people esquerdista aos seus feitos na vida real. A maldade que Paul Johnson fez com os gurus clássicos do pensamento esquerdista em Intellectuals , Schweitzer faz com seus seguidores na política, na academia e no show business . O resultado, como não poderia deixar de ser, é arrasador. O enfatuado Michael Moore, fiscal número um da moralidade alheia, demoniza a Hallyburton, acusando a empresa de petróleo de lucrar com a guerra. Quando se vai ver, o próprio Moore é acionista da Hallyburton – e, tal como os demais acionistas, não ganhou coisa nenhuma com a guerra. Aliás ele vivia declarando que não tinha ações da bolsa: Scweitzer publica a lista de todas elas, extraída da sua declaração de rendimentos, com a assinatura do declarante. Al Franken, assanhado comentarista da estação clintoniana Radio America e pretendente a adversário do conservador Rush Limbaugh, chama a América inteira de racista e posa de entusiasta da lei de quotas — mas, entre seus empregados, a quota de negros é de menos de um por cento. Nancy Pelosi, enfezadíssima líder democrata na Câmara, é tão famosa como defensora dos direitos sindicais que suas campanhas eleitorais se tornaram recordistas de contribuições dos sindicatos – mas suas empresas vinícolas, hoje entre as mais prósperas dos EUA, não aceitam empregados sindicalizados. Noam Chomsky, acusador emérito do Pentágono, vive de um discreto contrato milionário com… o Pentágono. Já nem falo nada de Ted Kennedy, dos Clintons e de George Soros. Não vou tirar de vocês o prazer de ler o livro – em inglês, é claro, pois obras dessa natureza não furam o cinto de castidade que protege a virgindade intelectual brasileira.

Se depois de saber dessas coisas vocês ainda tiverem estômago para agüentar lixo esquerdista de maior tonelagem, sugiro a leitura de Stalin: The Court of The Red Tsar , de Simon Sebag Montefiore (Vintage Books, 2003), de Mao: The Unknown Story , de Jung Chang e Jon Halliday (Knopf, 2005) e de Fidel: Hollywood’s Favorite Tyrant , de Humberto E. Fontova, já citado aqui (Regnery, 2005). Estão, na opinião geral, entre os melhores estudos biográficos dos três líderes esquerdistas mais conhecidos do mundo. E o traço mais saliente das vidas dos três é a sua total inescrupulosidade, sadismo, crueldade, com doses de malícia e covardia quase inimagináveis para o cidadão comum. Tudo isso aliado, é claro, à pretensão de personificar a autoridade da presciência histórica, habilitada a julgar os vivos e os mortos desde as alturas de uma virtude quase angélica. Sem dúvida, o movimento esquerdista mundial criou um tipo humano característico, marcado pela presunção de impecabilidade, pela licença ilimitada para praticar o mal com consciência tranqüila e sobretudo pela compulsão autovitimizante que leva cada um desses indivíduos, no alto do poder despótico, a sentir-se um pobre menino incompreendido pelo coração duro dos pérfidos conservadores.

Junte todo esse material na sua cabeça e depois medite o seguinte ponto: quem conhecesse essas coisas em 2002 teria caído no engodo da “ética” petista, mesmo não possuindo nenhum indício concreto de corrupção no partido? A resposta é um decidido “Não”.

Mas, saltando por cima da atualidade, os dados também sugerem a pergunta sobre as origens: como foi possível, historicamente, o surgimento e a ascensão de tipos humanos tão formidavelmente ruins, perto dos quais qualquer tirano da antigüidade, qualquer inquisidor da Idade Média, qualquer corrupto do Renascimento ou, mais ainda, qualquer líder conservador como Disraeli, Churchill ou a sra. Thatcher, por mais estragado que seja, fica parecendo São Francisco de Assis?

A resposta tomaria vários volumes, mas um fator incontornável é a mudança do eixo da auto-imagem moral íntima dos indivíduos humanos, inaugurada pelo movimento revolucionário entre os século XVIII e XX. Os documentos mais vivos dessa mudança são, evidentemente, as narrativas autobiográficas, que se tornam abundantes nessa época e, a partir das Confissões e Devaneios de Jean-Jacques Rousseau, contrastam agudamente com suas precursoras antigas e medievais, cujo modelo são as Confissões de Sto. Agostinho. Todo discurso, ensina a arte retórica, tem um destinatário ideal. Sto. Agostinho faz por escrito o traslado ampliado do que seria uma confissão sacramental. Seu ouvinte, por definição, não pode ser enganado, porque é onissapiente. A consciência da sua presença permanente defende Agostinho contra a tentação da mentira interior, mas defende-o também do desespero, da autocondenação radical, da dramatização excessiva dos próprios males, porque aquela presença é também a do perdão universal.

Jean-Jacques, por seu lado, fala para a “opinião pública”, cujos favores solicita. Não é de espantar que procure enganá-la por todos os meios, enganando-se a si próprio por tabela. Quando fala de seus pecados, ele ou os esconde por completo ou, ao contrário, os exagera histrionicamente, deleitando-se nas suas próprias misérias, quase ao mesmo tempo que admite, com modéstia exemplar, ser portador de qualidades morais jamais superadas e, pensando bem, a alma mais linda e pura da Europa. Substituída a onissapiência amorosa do ouvinte pela extensão quantitativa de um “público” que o autor ao mesmo tempo corteja e despreza, a imagem da alma refletida também se modifica proporcionalmente, deformando-se à medida da ilusão coletiva, móvel e incerta, na qual o autor busca um espelho onde enxergar-se objetivamente, sem lembrar-se que é ele mesmo que a está criando pela influência que exerce sobre o público.

Nenhum homem alcança a onissapiência, mas saber que ela existe o ajuda a não se enganar, quando ele, ao ingressar na aventura do autoconhecimento, se sente observado por olhos eternos que “sondam os rins e os corações”. Durante séculos a disciplina do exame de consciência, à luz dos Dez Mandamentos, deu a cada homem o máximo de objetividade possível no julgamento de si. Já os olhos da platéia se movem conforme os gestos do ator, que a manipula ao mesmo tempo que se submete às suas preferências do momento.

A modernidade começa com essa mutação fraudulenta da consciência de si. Que ainda levasse dois ou três séculos para que monstros de falsa consciência como Stalin, Mao e Fidel fossem considerados modelos de virtude, é algo que se deve, é claro, à subsistência discreta do antigo critério de julgamento no seio mesmo da cultura que o nega e que desejaria extingui-lo para sempre.

Se ainda há um pouco de moral e dignidade no mundo, é porque algo da consciência de ser visto por um observador onissapiente, imune às flutuações da alma individual e da platéia coletiva, subsiste no coração humano. Em plena apoteose do laicismo moderno, ainda há muitos seres humanos que caminham diante dos olhos do Senhor. Eles são a única régua e medida para o julgamento dos demais. Por isso o Evangelho diz que vão julgar o mundo. O que os outros pensem ou deixem de pensar não pesa nisso no mais mínimo que seja.

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