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Ignorância mútua

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 07 de abril de 2008

A ignorância da elite falante americana sobre o que acontece no Brasil só se compara, em extensão e profundidade, à da sua equivalente brasileira quanto ao que se passa nos EUA. Em plena apoteose da “globalização”, com a internet ao alcance de crianças de três anos, esse duplo fenômeno não pode se explicar pela carência de informações, mas só pelo desejo compulsivo de privar-se delas até às últimas conseqüências. É ignorância voluntária, criminosa.

Da parte dos americanos, os motivos que a produzem são também duplos. O Partido Democrata, cujas ligações com a esquerda revolucionária mundial são hoje em dia as mais íntimas que o instinto da promiscuidade obscena poderia desejar, tem razões de sobra para proteger da curiosidade pública a rede de conexões que, de Brasília, diretamente do sr. presidente da República, do sr. Gilberto Carvalho e do sr. Marco Aurélio Garcia, se estende sobre dezenas de organizações subversivas e criminosas em toda a América Latina. Os republicanos, por sua vez, tentam camuflar como podem a omissão catastrófica, o absenteísmo insano que marcou a política latino-americana do presidente George W. Bush ao longo de sete anos de governo. O meio que encontram para isso é fingir que acordos comerciais, sorrisos de humildade e demonstrações de rudimentar habilidade sambística conseguiram magicamente neutralizar o ódio anti-americano dos brasileiros e conquistar para a causa da democracia capitalista o próprio idealizador, fundador e chefe do Foro de São Paulo, Luís Inácio Lula da Silva em pessoa, transmutando-o num baluarte do antichavismo (v. Nota no fim do artigo).

Os dois partidos estão, pois, de acordo em iludir a opinião pública quanto ao estado de coisas na América Latina. Mas salvar por todos os meios a boa imagem de Lula não é possível sem suprimir toda e qualquer menção às intensas atividades clandestinas e subversivas que ele próprio já confessou pelo menos duas vezes em declarações oficiais. Não é portanto de estranhar que o templo máximo do consenso bipartidário, o CFR, Council on Foreign Relations, tenha consentido em servir de caixa de ressonância à mentira mais torpe e desprezível da última década: a proclamação da inexistência do Foro de São Paulo. Nem é de espantar que a grande mídia de Nova York e Washington, megafone do consenso dominante, se esmere em mostrar a ditadura Hugo Chávez como um fenômeno aberrante e isolado, e não como aquilo que verdadeiramente é: a expressão mais vistosa – e nem de longe a mais temível — de uma gigantesca trama revolucionária urdida ao longo de duas décadas por iniciativa do PT e de seu líder máximo, a cujo pioneirismo as próprias Farc, em nota oficial, reconheceram o mérito de haver preservado da extinção o movimento comunista no continente latino-americano.

A esse acordo mútuo entre negacionismos corresponde, como um eco, a cegueira voluntária das elites falantes brasileiras quanto ao que se passa nos EUA. A diferença entre o que leio na mídia nacional sobre a política americana e o que vejo acontecer aqui é tão imensa, tão profunda, tão chocante, que dela só posso concluir que os jornalistas brasileiros vivem numa redoma, contatando o mundo exterior só por um exíguo canudinho onde não passa nem mosquito. Não é só um problema de mau jornalismo, é um isolamento cultural como só no tempo em que as notícias viajavam de caravela. Nada, absolutamente nada do debate cultural mais intenso e emocionante que já se viu no mundo aparece nos jornais daí – e praticamente nenhuma questão se discute no Parlamento ou na mídia popular dos EUA se antes não foi mexida e remexida pelos intelectuais, em livros, em revistas de cultura e nos think tanks , de modo que, se você não acompanha o movimento das idéias, não entende nada do que se passa na política americana.

A epidemia de louvações a Barack Obama que se apossou dos opinadores profissionais brasileiros dá ao nosso público a nítida impressão de que o sujeito tem o apoio maciço da população americana. Aqui a onda de aplausos ao famoso discurso de explicações do pré-candidato democrata veio só pela mídia esquerdista chique, imediatamente contestada, com sobra de veemência, em programas de rádio que, somados, têm uma audiência de cinqüenta milhões de pessoas. A unanimidade obâmica só existe no Brasil. Até Ali Kamel, insuspeito de esquerdismo, entrou na festa. E o Instituto Millenium, supostamente “de direita”, convidou o sr. Demétrio Magnoli (v. A revolução interrompida ) para proclamar que “o candidato precisava reagir a um escândalo — e escolheu o caminho mais digno”. Mais digno? Obama havia mentido despudoradamente ao negar que conhecia o fanatismo anti-americano e racista de Jeremiah Wright. Desmascarado irremediavelmente por testemunhas e pelas gravações mesmas dos discursos do pastor, partiu para o gerenciamento de danos, admitindo os fatos em versão vaselinada. Que dignidade há em fazer da culpa confessada tardiamente, e a contragosto, uma ocasião de autolisonja? É a dignidade com que Bill Clinton alegou não saber que sexo oral era sexo.

Ademais, se Obama simula ter idéias moderadas em matéria de conflito racial, seus verdadeiros sentimentos a respeito são idênticos aos do pastor Wright. Em seu livro de memórias, cada menção a “brancos” vem seguida de um rosnado entre dentes, muitíssimo mal disfarçado. Nos EUA não falta quem mostre isso ao público (v. por exemplo Obama’s Dimestore ‘Mein Kampf’). No Brasil é proibido pensar mal de Barack Obama.

Mas esse caso de distorção pontual é nada, em comparação com a completa ausência, na nossa mídia, de menções ao problema mais urgente e dramático em discussão nos EUA. Don Hank, editor de Laigles Forum ( http://laiglesforum.com ), militante conservador, porta-voz da maioria que um dia foi silenciosa e hoje começa a ser maioria silenciada, resume assim esse problema:

“Se perdermos a nossa soberania por meio de acordos com a ONU, de uma Comunidade Norte-Americana ou de outra forma de governo supranacional, os votos dos cidadãos americanos ficarão tão miseravelmente diluídos que quase não terão influência no mundo. E não haverá como voltar atrás. Decisões quanto a outros tópicos, como aborto, casamento gay, programas de benefícios sociais, medicina socializada, etc., podem todas ser revertidas, até certo ponto. Mas, uma vez que tenhamos sido desprovidos da nossa soberania, a América estará perdida para sempre, assim como as nações européias se perderam. De fato, dificilmente podemos ainda nos referir a elas como nações. Se dermos nada mais que uns poucos passos a mais na direção do supranacionalismo (que é o mesmo que o novo comunismo), as portas da liberdade se fecharão com estrondo. Isso será aquilo que Ronald Reagan denominava o primeiro passo para mil anos de trevas.”

Os jornalistas brasileiros têm lá o seu direito – digamos que o seja — de odiar o movimento conservador americano, que conhecem só por imaginação. Mas não têm nenhum direito de fingir que ele é o inverso daquilo que realmente é e, com base nessa falsificação total, apresentar como ponta de lança da dominação globalista justamente a nação que está mais envolvida numa luta de vida e morte contra essa forma suprema, definitiva e avassaladora de imperialismo.

Por ironia, não são só esquerdistas ex professo que assim ludibriam o povo brasileiro e buscam induzir em erro até as nossas Forças Armadas. Em recente conferência no Clube da Aeronáutica do Rio de Janeiro ( O movimento ambientalista-indigenista, conflitos de quarta geração e a Amazônia no século XXI ), o jornalista Lorenzo Carrasco, discípulo e porta-voz do sr. Lyndon La Rouche , falando sobre o indigenismo como estratégia globalista para a dissolução da soberania nacional, não pronuncia uma única vez a expressão “Nações Unidas” (é como descrever um estupro sem mencionar a presença do estuprador) e, no fim, ainda apresenta como modelo inspirador para o nacionalismo brasileiro a política do ditador russo Vladimir Putin, como se este fosse uma alternativa à dominação global e não um de seus agentes maiores através do Pacto de Solidariedade de Shangai, cujo objetivo declarado é dar ainda mais poder à ONU.

Nota

Não vejo como entender de outra maneira a recente declaração da sra. Condoleezza Rice, de que os EUA não selecionam parceiros por sua ideologia de direita ou de esquerda. Como o esquerdismo hoje em dia já não se define por uma pauta econômico-social precisa e tem como único centro aglutinador o anti-americanismo nu e cru, essa declaração só pode significar que o governo americano aceita como aliados, em pé de igualdade, os amigos e os inimigos da América. Na prática, é precisamente essa a doutrina que o Departamento de Estado vem seguindo na América Latina, esquecendo a advertência prudente de Donald Rumsfeld de que a fraqueza atrai a hostilidade. A coisa mais evidente do mundo é que a onda anti-americana, no Brasil como em toda parte, só pode ser contida mediante uma vigorosa diplomacia pública que enfrente os inimigos no próprio terreno da propaganda ideológica, quebrando a hegemonia esquerdista. Se muitos políticos de Washington não querem fazer isso, tudo o mais que façam é desconversa que só pode favorecer ambições globalistas, não a nação que os elegeu.

Agora é tarde

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 06 de março de 2008

Muitas vezes um escritor, se é escritor genuíno e não apenas um vendedor de si mesmo, tem de escolher entre dizer a verdade e ser persuasivo. Isso acontece quando a verdade que ele encontra é tão inusitada e chocante que não pode amoldá-la nem aos hábitos mentais nem às preferências do público. Se ademais ela é também complexa e obscura, tudo o que ele pode fazer é tentar verbalizá-la o mais fielmente possível, sem buscar ser aprovado pela maioria ou compreendido por todos. Ele terá então de escrever só para as pessoas inteligentes e honestas, que não são abundantes em parte alguma do universo — e as demais o considerarão, na mais branda das hipóteses, um pedante empenhado em humilhá-las.

Nas últimas décadas, creio ter sido o único escritor brasileiro que viveu essa experiência, pois os outros, repetindo mensagens previamente aprovadas pelo consenso do seu grêmio e da platéia, podiam esmerar-se em tornar esse alimento costumeiro cada vez mais fácil de absorver, ao ponto de derreter na boca sem ser preciso mastigá-lo.

A verdade que encontrei é dura, temível e repugnante: há uma revolução comunista em marcha no continente, prometendo reencenar aqui a tragédia do Leste europeu, e fazê-lo sob os mesmos pretextos edificantes usados lá. Na implementação desse projeto macabro colaboram centenas de partidos políticos, ONGs, quadrilhas de narcotraficantes, seqüestradores e assassinos, bem como vários governos da América Latina, incluindo o nosso. É a maior articulação revolucionária que já se observou no mundo, e a entidade que a promove, o Foro de São Paulo, permaneceu durante dezesseis anos sob o manto do segredo protetor, estendido sobre ele pelo cinismo da desconversa governamental e pela solicitude abjeta da mídia cúmplice.

A expressão “verdade inconveniente” foi tão prostituída pelo sr. Al Gore que reluto em usá-la, mas não há outra para explicar a tempestade de ódio que se abateu sobre mim por ter contado essas coisas. Se os políticos que lucraram com o silêncio, e os chefes de redação que tentaram calar a minha boca, e os leitores que me insultaram, e os presumidos experts em América Latina que usaram o peso da sua autoridade como tampão para impedir o vazamento dos fatos tiverem algum dia de me pagar reparações, sem dúvida me tornarei milionário um dia antes de ficar senil.

Mas o dano que sofri dessas criaturas é nada, rigorosamente nada, em comparação com o mal que fizeram ao seu país e a toda a América Latina. Agora, que a verdade rejeitada finalmente se impôs aos olhos de todos e os seus detalhes escabrosos começam a saltar incontrolavelmente como pulgas, o continente está em pé de guerra e o nosso governo já tomou posição, provando que é, como eu sempre disse que era, aliado incondicional das Farc, de Hugo Chávez, da ditadura cubana e, enfim, de tudo o que não presta.

Ao longo desses anos, dezenas de milhares de pessoas morreram sob o impacto da criminalidade crescente, do narcotráfico, das guerrilhas — e a maré montante da violência revolucionária, longe de arrefecer, ameaça agora subir mais alto ainda, com a eclosão da guerra longamente preparada pelo sr. Hugo Chávez e pelas Farc, tramada nos encontros do Foro de São Paulo sob o sorridente patrocínio do nosso presidente da República.

Tudo isso poderia ter sido evitado, bastando que os formadores de opinião cumprissem o seu dever em vez de xingar e boicotar quem o cumpria. Agora é tarde. Tudo o que eles podem é elevar a farsa à segunda potência, passando a falar do assunto com ares de quem o viesse fazendo há séculos.

A negação da existência e das atividades do Foro de São Paulo foi um crime comparável à negação do Holocausto, guardadas, é claro, as proporções, mas ressalvado também o fato de que uma buscou encobrir os horrores do passado, a outra os horrores presentes e futuros.

Infração de trânsito

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 07 de fevereiro de 2008

Sempre que um agente da esquerda armada é preso em flagrante delito, a reação-padrão da esquerda desarmada é dupla e simultânea: de um lado, denuncia o sujeito como ex-militante que abandonou a luta política para praticar em benefício próprio o “capitalismo selvagem”; de outro, organiza campanhas para protegê-lo e libertá-lo como se ele não fosse um bandido comum e sim um honrado “combatente pela liberdade”. E faz isso sem se preocupar nem mesmo em simular coerência, sabendo que a contradição, quanto mais cinicamente ostensiva, mais tem o dom de inibir no público o desejo de percebê-la.

O artifício ainda tem a vantagem adicional de equalizar capitalismo e bandidagem, como se a simples voracidade de lucros, mesmo inescrupulosos, fosse a mesma coisa que seqüestros, homicídios, assaltos e narcotráfico. Para cúmulo de ironia, a própria “direita” (seja isto lá o que for) colabora com o empreendimento, endossando o diversionismo na sonsa esperança de desmoralizar a esquerda mediante a alegação de que ela é vulnerável à tentação capitalista – o que é propriamente aquilo que os retóricos da antigüidade chamavam de “argumento suicida”.

O mesmo procedimento aplica-se a gangues inteiras, quando os crimes que elas praticam em prol da revolução comunista começam a aparecer na mídia em tons demasiado chocantes: por um lado, a esquerda elegante busca se desvincular de qualquer ligação aparente com elas, acusando-as de trocar os ideais revolucionários pelo enriquecimento ilícito; por outro, continua a afagá-las nas reuniões do Foro de São Paulo e a fornecer-lhes todo o apoio jurídico, diplomático e institucional para que sejam reconhecidas internacionalmente como organizações políticas legítimas.

É mais que evidente que as duas operações estão ligadas uma à outra – no mínimo, porque os agentes são os mesmos – e que ambas são planejadas como complementos necessários sem os quais a ação violenta não poderia produzir os resultados políticos almejados. O desinformante e o agente de influência são tão criminosos quanto o seqüestrador, o assassino, o traficante. São o lado “colarinho branco” da estratégia revolucionária.

Essa divisão de trabalho é tão antiga quanto o próprio movimento comunista, para o qual ela não passa de rotina banal. Infelizmente, no Brasil só parecem saber disso os próprios comunistas e dois ou três estudiosos excêntricos. Para os demais, os dados da equação — a ação armada, a manipulação diversionista e a rede de proteção legitimadora — permanecem separados como grãos de poeira cósmica em três galáxias distantes. No fundo, essas pessoas talvez saibam que se enganam a si próprias. Mas sempre resta a esperança de que a auto-sugestão, forçada até o extremo limite da fantasia psicótica, transmute magicamente a realidade das coisas. É isso o que no Brasil de hoje se chama “pensamento empresarial”.

Graças a esse fenômeno, é pouco provável que alguém neste país se dê conta de que a revelação da parceria entre Hugo Chávez e o narcotráfico das Farc (v. Revealed: Chávez role in cocaine trail to Europe), somando-se às informações que resumi em Digitais do Foro de São Paulo, é a prova final de que a ditadura venezuelana não constitui um fenômeno isolado, mas apenas uma das engrenagens da estratégia revolucionária continental elaborada pelo Foro de São Paulo.

É claro que, como os demais brasileiros, estou preocupado com a gastança federal em cartões de crédito. Mas acusar só por esse delito os autores do maior concurso de crimes já observado na América Latina é como punir um serial killer por infração de trânsito.

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