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Cegos, caolhos e videntes

Olavo de Carvalho


O Globo, 28 de outubro de 2000

“O diabo diz a verdade nove vezes para
poder mentir melhor na décima”

Provérbio árabe

A cumplicidade entre esquerda oficial e violência revolucionária já se tornou tão patente que, como enfatiza o ex-ministro da Justiça, Paulo Brossard, só não a vê quem não quer. Mas, entre os que a vêem, há alguns que têm por ofício impedir que os outros vejam. Tais criaturas não são cegas nem videntes: são seres intermediários, que, tendo em terra de cegos um olho só, furam um de quem tenha os dois, para que não venha a tornar-se ameaça às suas prerrogativas reais de caolhos.

O nome de seu ofício é “desinformação”. Evidentemente não se pode exercê-lo sem ser também um expert em informação, pelas mesmas razões que tornariam dificultoso montar uma boa fraude fiscal sem conhecer as leis fiscais.

Para a consecução de sua tarefa, é indispensável pois adquirir primeiro um certo prestígio de fonte isenta e confiável, o que neste país é bem barato e pode se obter pela simples prática cotidiana da tucanidade, isto é, da duplicidade, ambigüidade, inocuidade ou quantas mais poses a imaginação popular associe, por motivos insondáveis, à idéia de justiça, bom-senso e savoir-faire (do mesmo modo como, em compensação e por razões igualmente misteriosas, toma como sinal de honestidade e bom caráter a obstinação vitalícia na mentira sectária).

A indefinição política exterior não prejudicará em nada o exercício das altas funções desinformáticas, pois nesse cargo de elite não se trata de fazer propaganda (isto fica para os militantes, os desprovidos de ambos os olhos), e sim de dar às lorotas partidárias, em momentos criteriosamente selecionados, a credibilidade das evidências acima de qualquer suspeita.

A prática desse ofício chega no entanto a ser desafiadora, pois há poucas coisas importantes que os brasileiros não ignorem, e é preciso uma inventividade incomum para desinformar os desinformados. Às vezes é preciso mesmo chegar à ousadia de negar que aconteceu algo que ninguém sabe que aconteceu. Assim, por exemplo, o público imagina que o PT é um partido como qualquer outro, diferente apenas pelo conteúdo das suas propostas de governo. Imagina isso porque não sabe que os demais partidos não têm um braço armado, nem contatos íntimos com organizações criminosas e revolucionárias de outros países, nem um serviço secreto particular com espiões e grampos por toda parte, nem uma rede de doutrinadores treinados para inocular ódio político nas crianças desde o pré-primário, nem um sistema de fiscalização para impedir que seus adversários conquistem empregos nas universidades, nem uma série de outros recursos aos quais o PT deve o seu sucesso e que o tornam, entre os partidos, uma raposa entre as galinhas, só não as comendo todas de uma vez porque não está seguro de poder digeri-las.

E como ninguém sabe que essas coisas existem, o profissional desinformático declara corajosamente que elas não existem, reforçando a crença estabelecida de que o PT quer apenas governar constitucionalmente e não derrubar o Estado constitucional, como, não obstante, é precisamente o que em seus documentos internos ele diz que vai fazer.

Caso o leitor deseje conservar o uso de seus dois olhos, minha recomendação é que, em vez de buscar informações em fontes que abrem ou fecham ao sabor de interesses políticos, passe a procurá-la nas que estão permanentemente abertas e brotem de lugares próximos à origem dos fatos.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, é um dos poucos estados onde os não-petistas se interessaram em estudar e conhecer o fenômeno petista. Os gaúchos carregam o PT nas costas há uma década e, como dizia Nietzsche, “quem sofreu sob o teu jugo te conhece”. Alguns o conhecem tanto que foram removidos de seus postos na imprensa, sob ameaça governamental de cortar os anúncios oficiais, dos quais a mídia se torna tanto mais dependente quanto mais a economia local marcha para a total submissão ao Estado com resignação de carneiros rumo ao matadouro ou, em alguns casos, com obscena alegria masoquista.

Do Rio Grande chegam-nos quatro livros nos quais, da boca das vítimas e testemunhas diretas, o leitor obterá a descrição dos processos de governo petista: intimidação dos adversários, chantagem, desmontagem da polícia e sua redução ao estatuto de órgão auxiliar da violência revolucionária, substituição do poder legislativo por militantes e paus-mandados, uso abundante de crianças como instrumentos de propaganda ideológica, manipulação das verbas do Estado em favor do partido, politização totalitária de todas as relações humanas – enfim, uma imagem em miniatura do que será o Brasil de amanhã se a opinião pública continuar confiando naqueles que lhe asseguram que nada disso está acontecendo.

Esses livros são: “A nova classe no poder”, de J. H. Dacanal (Porto Alegre, Novo Século), “O impeachment do Governo Olívio Dutra”, do advogado Paulo Couto e Silva (Fundação Paulo do Couto e Silva); “Os 500 dias do PT no governo são outros 500”, do deputado estadual Onyx Lorenzoni (Sulina); e “Totalitarismo tardio: o caso do PT”, organizado por José Giusti Tavares (Mercado Aberto). O primeiro é lúcida narrativa da resistível ascensão do PT gaúcho; o segundo, o diagnóstico da ilegalidade essencial dos processos de governo petistas; o terceiro, o comentário do avanço revolucionário à medida que foi repercutindo na Assembléia Legislativa; o último, uma preciosa coleção de análises do totalitarismo petista, assinadas por um psiquiatra, um filósofo e dois cientistas políticos, que conseguiram furar o bloqueio e inserir esse tema explosivo num seminário para doutorandos em direito promovido por quatro prestigiosas instituições acadêmicas.

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