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Conforme o previsto

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 23 de setembro de 2008

A pressa indecente com que os opositores nominais do governo correm para apoiá-lo ao mínimo aceno de alguma vantagem possível é a prova de que a passagem do PT pelo poder, exatamente como previ há mais de dez anos, e ao contrário do que afirmavam todos os sapientes, não terá sido um episódio normal do rodízio democrático, e sim a inauguração de um novo sistema que, superposto à ordem democrática, terminará – já quase terminou – por engoli-la e fazê-la desaparecer para sempre.

A “Nova República” não foi senão uma tênue interface entre o governo militar e o Brasil socialista, marcado pela hegemonia esquerdista em todos os setores da vida social, pela simbiose macabra entre o governo e o banditismo crescente, pela corrupção em níveis jamais antes imaginados, pela destruição completa da cultura superior, pela institucionalização do paternalismo estatal como garantia do apoio popular, pelo fechamento das fronteiras mentais do país ao debate de idéias no mundo, pela transformação do sistema de ensino em máquina de adestramento da militância comunista e, last not least, pela progressiva e tácita criminalização de toda atividade capitalista, louvada ao mesmo tempo, numa alternância pavloviana de choques e queijos, como indispensável ao progresso da nação. Como, no meio de toda essa tragédia, a economia cresce um pouquinho e esse pouquinho basta para acalmar uma multidão de consciências que aliás jamais foram muito exigentes, o sucesso do conjunto está garantido, e é óbvio, é patente que o sr. Lula tem todas as condições não apenas para fazer o seu sucessor, mas o sucessor do seu sucessor e todos os sucessores deste último por muitas décadas à frente. Cada político “de oposição” sabe disso e já tem nas mãos um leque de estratégias para adaptar-se à situação o mais confortavelmente possível, até simulando motivos éticos. E os militares? Eles têm algum ressentimento, é verdade, mas, marginalizados e reduzidos a condições de subsistência humilhante, já nada podem fazer senão esboçar aqui e ali um protesto simbólico, ridicularizado pela mídia. Muitos deles já parecem reger-se pela psicologia dos miseráveis: prometam-lhes alguma coisa, por mínima que seja, e eles farão o que você quiser. Antigamente a farda protegia contra a deterioração moral do ambiente. Mas ela não pode proteger contra uma cultura inteira. Só um gênio ou um louco pode desaculturar-se a si próprio. O homem comum, fardado ou não, cede à onipresença hipnótica dos contravalores que antes desprezava, em nome de valores dos quais já não se lembra. Tudo o que muitos oficiais das nossas Forças Armadas estão esperando é um pretexto patriótico para a adesão final. Criaturas solícitas como o general Andrade Nery dão o melhor de si para fornecê-lo, dirigindo habilmente contra os EUA o ódio que deveria se voltar contra o globalismo anti-americano da ONU, o qual, sob pretextos indigenistas e contando com a proteção da Presidência da República, vai comendo território e reservas minerais do Brasil enquanto a “Hora do Povo” e o próprio sr. presidente desviam as atenções de civis e militares para a presença alegadamente ameaçadora da IV Frota americana que, é claro, vem roubar o nosso petróleo…

Esse panorama não apenas já era previsível em 2002 e até bem antes, como foi efetivamente previsto nos meus próprios artigos, enquanto ilustres comentaristas políticos e analistas estratégicos, pagos a peso de ouro pelo empresariado, diziam que nada disso ia acontecer, que o PT desfrutaria de seus quinze minutos de fama e em seguida sumiria na lata de lixo da História, deixando caminho aberto aos liberais para que construíssem uma democracia capitalista moderna e pujante, de fazer inveja à Suíça.

Pela raiva que tantos ainda sentem de quem lhes disse a verdade, pela generosidade com que continuam premiando quem os ludibriou, o que me pergunto é se, sob o pretexto de ouvir análises de conjuntura, o que querem mesmo não são apenas umas palavras animadoras, tanto mais bem-vindas quanto mais falsas.

Degradação venerável

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 10 de abril de 2008

Num artigo publicado semanas atrás ( Engenharia da confusão), expliquei que muitas incoerências aparentes da política oficial não são incoerências: são a aplicação de técnicas consagradas de estimulação contraditória, planejadas para induzir o público a um estado de estupor, de passividade atônita, de obediência robótica.

Não digo que haja sempre nisso premeditação maquiavélica. O emprego dessas técnicas é tão antigo e disseminado no movimento revolucionário, e tão bem amoldado aos hábitos do pensamento dialético, que em muitos líderes e ativistas elas se tornam uma rotina banal. O discurso duplo jorra das suas bocas, a conduta desnorteante flui das suas pessoas com a naturalidade de um bocejo, de um suspiro, de um pum.

Reduzem as Forças Armadas à míngua e alardeiam planos ambiciosos de defesa regional.

Cortejam o apoio dos militares ao mesmo tempo que fomentam campanhas de ódio contra eles e engordam terroristas com indenizações milionárias.

Pavoneiam-se de uma grandiosa “política de segurança pública” e dão ajuda a organizações subversivas aliadas a quadrilhas de narcotraficantes, seqüestradores e assassinos.

Arrotam anti-imperialismo e entregam fatias inteiras do território nacional à administração estrangeira.

Asseguram que o Foro de São Paulo é um inofensivo clube de debates, enquanto seu líder máximo se gaba das vitórias políticas continentais dessa organização.

Em nenhum desses desempenhos tentam sequer camuflar a incongruência. Ostentam-na cinicamente, inibindo nos aparvalhados espectadores não só a coragem de denunciá-la, mas o desejo de percebê-la. Habituando-se a reprimir a própria consciência, o povo se perverte junto com seus governantes e acaba por atribuir a eles uma importância e uma autoridade infinitamente superiores a seus méritos reais.

Um contraste especialmente perturbador – tão contundente que o próprio Hitler o adotou no seu repertório de histrionismos – é a coexistência forçada do risível com o solene, da conduta grotesca com a exigência de consideração e respeito.

Ostentam amor xenófobo à língua pátria enquanto louvam o presidente que a destrói implacavelmente a cada novo discurso.

Dão apoio oficial ao deboche anticristão, e ao mesmo tempo querem ser tratados como pessoas digníssimas e santas, dando a entender que são mais respeitáveis que Jesus Cristo – pretensão demencial que o próprio sr. presidente ilustra em atos ao declarar-se homem sem pecado no instante mesmo em que comete sacrilégio com a cara mais bisonha do mundo.

Uma vez elevados a essas alturas celestes ao lado do seu chefe, um governador se esfrega em público na esposa de um ministro, enquanto outro ministro beija um cantor na boca, como se não lhe bastasse já ter desfilado de collant transparente num baile gay , encarnando triunfalmente aquilo que entende como cultura nacional.

São esses mesmos os que seguida se reunem para decidir, como anciãos veneráveis, os destinos do povo. E o povo, reverente, acata seus mandamentos.

O rei da fábula desfilava nu porque não sabia que estava sem roupa. Nossos reizinhos despem-se de propósito, pelo prazer sádico de forçar a multidão a prosternar-se ante a solenidade do ridículo, ante a majestade do desprezível.

A cada vez que repetem a performance , rebaixam e atrofiam na população não só o senso moral, mas o respeito por si própria e a capacidade de discernimento. Aviltam e estupidificam a nação inteira, e tiram proveito da ruína geral das consciências para aumentar o poder e a riqueza do seu partido, do seu grupo, da sua corja.

Só uma coisa pode libertar-nos da hipnose, da escravidão mental abjeta que esses bandidos impuseram ao país: recusar-lhes toda manifestação de respeito, mesmo casual e discreta, mesmo puramente formal e hipócrita. Conceder-lhes, no máximo, a obediência externa que as leis impõem e a força garante. Respeitá-los, nunca. Se querem deleitar-se na baixeza, na mentira e no crime, que o façam. Mas não precisamos ajudá-los a fingir que são muito louváveis por isso.

A força do segredo

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 31 de janeiro de 2008

Na mesma semana em que o Foro de São Paulo é objeto de uma reportagem em Veja , Fidel Castro revela que a idéia de criá-lo não foi nem dele: foi do próprio Lula. Sim, coube a este, não ao ditador cubano ou ao seu colega da Venezuela, a glória macabra de salvar da extinção o movimento comunista na América Latina. E esse fato vem à tona quase no mesmo dia em que um importante líder empresarial, o sr. Emílio Odebrecht, tenta impingir a si próprio a balela anestésica de que “Lula nunca foi de esquerda”. A alienação da burguesia brasileira em relação ao estado de coisas no país é uma das maravilhas do universo, mas ela não teria sido possível sem o longo e persistente silêncio da “grande mídia” nacional quanto ao Foro de São Paulo.

A gigantesca engenharia de ocultações que sonegou ao público o conhecimento dos lances essenciais da história política da última década e meia é, por si mesma, um acontecimento inédito nos anais do jornalismo mundial, um fenômeno tão espetacular e tão criminoso quanto as atividades do próprio Foro.

Um dia a ciência histórica terá de sondar os mais baixos estratos da sordidez humana para explicar como foi possível tanta vileza, tanta abjeção, da parte daqueles que recebiam os melhores salários do jornalismo para abster-se de praticá-lo.

As conseqüências da sua omissão foram portentosas.

Consolidando numa estratégia de dimensões continentais a clássica articulação comunista dos meios de luta lícitos e ilícitos, o Foro de São Paulo é a mais vasta, a mais íntima, duradoura e bem sucedida parceria que já se viu entre a política e o crime na América Latina. Se a força dessa parceria não tivesse crescido em segredo, não teria crescido de maneira alguma: nem o Parlamento, nem a opinião pública, nem a Justiça, nem o empresariado, nem as Forças Armadas teriam tolerado ver o presidente da República cochichando pelos cantos com os comandantes das Farc e do Mir chileno. Muito provavelmente Lula não teria chegado aonde chegou, mas, se chegasse, não escaparia do impeachment à primeira notícia da sua condição de aliado e protetor máximo de assassinos, narcotraficantes e seqüestradores.

Se o eleitorado não tivesse sido reduzido à menoridade mental pelos autoconstituídos censores a serviço da boa imagem esquerdista, o partido beato, desmascarado antes de consolidar-se no poder, não teria podido montar um espetáculo de corrupção ante o qual o próprio P. C. Farias, se pudesse vê-lo do além, cairia pasmo de incredulidade.

Se o Foro de São Paulo tivesse sido denunciado em tempo, os comandantes das Farc não teriam podido transitar livremente pelo Brasil e ser recebidos como hóspedes de honra enquanto seus subordinados, discretamente, treinavam o PCC e o Comando Vermelho para matar brasileiros.

Se os fatos mais decisivos não tivessem se tornado invisíveis, não teríamos chegado ao recorde hediondo de 50 mil homicídios por ano.

Agora, que a notícia da sua existência foi publicada com dezessete anos de atraso, o poder do Foro de São Paulo já se tornou tão gigantesco, tão onipresente, que ninguém, no Parlamento, na Justiça, nas Forças Armadas ou seja lá onde for, terá os meios nem a coragem de reagir à altura, de fazer o que é preciso fazer ante esse fabuloso concurso de crimes.

Se já houve neste país motivo para uma CPI, é o Foro de São Paulo, mas quem, nas duas casas do Congresso, terá a hombridade de solicitá-la? E, na remota hipótese de que alguém a solicite, quantos não votarão para bloqueá-la, com ou sem o incentivo de uma nova edição do Mensalão?

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