Posts Tagged Brasil

Lula, você é o cara

Olavo de Carvalho (pela transcrição)

Diário do Comércio, 3 de setembro de 2009

Não sei quem é Caio Lucas nem por quais vias este seu escrito admirável veio parar na minha caixa postal. O que não posso é deixar de repassar aos leitores do Diário do Comércio a sua mensagem, na qual os devotos do nosso presidente encontrarão as respostas objetivas aos seus arrebatamentos retóricos de sicofantas compulsivos. Não há neste artigo, o qual aqui transcrevo com duas ou três correçõezinhas de português que em nada afetam o seu conteúdo, uma só linha que não traga uma verdade incontestável. Parabéns, Caio Lucas, seja lá você quem for. – O. de C.

Lula, você é o cara.

Você é o cara que esteve por dois mandatos à frente desta nação e não teve coragem nem competência para implantar reforma alguma neste país, pois as reformas tributárias e trabalhistas nunca saíram do papel, e a educação, a saúde e a segurança estão piores do que nunca.

Você é o cara que mais teve amigos e aliados envolvidos, da cuéca ao pescoço, em corrupção e roubalheira, gastando com cartões corporativos e dentro de todos os tipos de esquemas.

Você é o cara que conseguiu inchar o Estado brasileiro com tantos e tantos funcionários e ainda assim fazê-lo funcionar pior do que antes.

Você é o cara que mais viajou como presidente deste país, tão futilmente e às nossas custas.

Você é o cara que aceitou todas as ações e humilhações contra o Brasil e os brasileiros diante da Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e outros.

Você é o cara que, por tudo isso e mais um monte de coisas, transformou este país em um lugar libertino e sem futuro para quem não está no grande esquema.

Você é o cara que transformou o Brasil em abrigo de marginais internacionais, negando-se, por exemplo, a extraditar um criminoso para um país democrático que o julgou e condenou democraticamente.

Você é o cara que transformou corruptos e bandidos do passado em aliados de primeira linha.

Você é o cara que está transformando o Brasil num país de parasitas e vagabundos, com o Bolsa-Família, com as indenizações imorais da “bolsa terrorismo”, com o repasse sem limite de recursos ao MST, o maior latifúndio improdutivo do mundo e abrigo de bandidos e vagabundos que manipulam alguns verdadeiros colonos.

É, Lula! Você é o cara…

É o cara-de-pau mais descarado que o Brasil já conheceu.

O segredo de um terrorista

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de janeiro de 2009

Muitos se escandalizam com o asilo político concedido ao assassino Cesare Battisti, mas poucos tentam averiguar o que o episódio significa realmente. A sucessão de casos similares, a proteção concedida pela esquerda brasileira a praticamente todos os terroristas internacionais que aqui aportam – Achille Lollo, Olivério Medina e sua esposa, os seqüestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto – e o contraste que esses casos formam com a recusa de asilo aos dois boxeadores cubanos deveriam alertar para a obviedade de que não se trata de episódios isolados, mas de uma atividade permanente, sistemática. Mas mesmo aqueles que o percebem hesitam em sondar a relação entre esses fatos e a estratégia geral petista.

Qual é exatamente a posição do Brasil no quadro da esquerda internacional em ascensão? A uma visão superficial, o Brasil é uma democracia de esquerda moderada, favorável ao livre mercado e respeitosa da ordem jurídica. Quase ninguém entende que o país precisa ser tudo isso precisamente para poder desempenhar a função nuclear que lhe cabe na estratégia esquerdista mundial. Também poucos querem enxergar que a democracia brasileira é hoje um puro formalismo jurídico a encobrir o poder monopolístico da esquerda e a total exclusão da simples possibilidade teórica de uma oposição conservadora, seja na política eleitoral, seja na mídia, seja até na pura esfera cultural.

O Brasil, democracia sui generis onde as liberdades legalmente constituídas coexistem pacificamente com a total impossibilidade de exercê-las, é a origem e o centro de comando da revolução comunista na América Latina. É da elite intelectual petista, fundadora do Foro de São Paulo, que emanam discretamente as instruções gerais destinadas a transformar-se em espetáculos de esquerdismo histriônico por meio dos Chávez, Morales e outros tantos que às vezes nem mesmo compreendem as sutilezas dialéticas do processo e por isto acabam, com freqüência, exagerando no desempenho de seus papéis. Se a Venezuela e a Bolívia parecem estar na vanguarda da revolução, e o Brasil muito na retaguarda, é porque o comando, por definição, fica na retaguarda.

Por isso mesmo é que o Brasil se torna também o abrigo ideal para os revolucionários caídos em desgraça nos seus respectivos países. Se eles fossem para Cuba ou para a Venezuela, teriam de conservar sua identidade exterior de revolucionários e se tornariam inúteis para funções mais discretas e relevantes. Aqui, podem adquirir uma fachada de cidadãos pacíficos, aposentados de toda violência, e integrar-se, sem risco nenhum, nos altos círculos intelectuais que comandam o processo. Só um idiota completo pode acreditar que o governo brasileiro aceitaria o risco de uma crise diplomática só para agradar a uma socialite. Tal como Achille Lollo e Olivério Medina, Cesare Battisti não recebeu apenas um asilo político, mas uma promoção, subindo na hierarquia revolucionária, do posto de executor na linha de frente para o de analista e planejador nas altas esferas. Ele é protegido porque é útil, não porque Carla Bruni é bonitinha.

Nenhuma análise séria dos fatos políticos pode-se fazer desde o ponto de vista liberal e conservador se este não absorve, primeiro, a perspectiva do adversário. Se você não está capacitado para fazer uma análise marxista da situação exatamente como a fariam os teóricos e estrategistas do movimento revolucionário, suas opiniões a respeito da política de esquerda serão sempre meras tentativas de projetar sobre ela categorias que lhe são estranhas, ajudando, portanto, a encobrir seus verdadeiros intuitos e a conferir o privilégio da invisibilidade quase absoluta às estratégias e táticas do esquerdismo.

Afinal, o marxismo não é só uma “ideologia”: ele é uma estratégia da praxis revolucionária e, nesse sentido, é uma ciência – uma ciência extremamente sutil e complexa, da qual os formadores de opinião liberais e conservadores, no Brasil, não sabem praticamente nada. O deslocamento entre as categorias analíticas e a natureza do fenômeno estudado é garantia segura de incompreensão, e a incompreensão é por sua vez a origem dos erros estratégicos monstruosos que, ao longo dos últimos trinta anos, reduziram o liberalismo e o conservadorismo, de forças imperantes, a exceções doentias que só subsistem graças à tolerância provisória do sistema.

É fácil observar de fora os erros da economia marxista e pontificar que todo movimento baseado nela está condenado ao fracasso. Mas a estratégia do movimento comunista não é, de maneira alguma, uma decorrência direta e mecânica da sua economia. Principalmente não o é na esfera da luta cultural, onde as manobras e rodeios da intelectualidade ativista vão, com freqüência, no sentido contrário daquilo que se poderia deduzir do economicismo marxista vulgar. Trata-se de um ramo de conhecimento que tem sua própria autonomia e que não pode ser dominado senão mediante longos anos de estudo. É só aprendendo a pensar como os teóricos da revolução mundial que se pode, em seguida, transcender a sua visão das coisas e condená-la com fundamento. Atirar-lhe pedras desde fora é ficar abaixo dela e tornar-se vítima cega do processo revolucionário.

Uma lição de Hegel

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de novembro de 2008

Na introdução à Filosofia do Direito, G. W. F. Hegel explica que uma das capacidades essenciais do ego humano é a de suprimir mentalmente todo dado exterior ou interior, quer este se imponha como presença física ou por quaisquer outros meios – a capacidade, em suma, de negar o universo inteiro e fazer da consciência de si a única realidade. Se não fosse esta faculdade, estaríamos presos no círculo dos estímulos imediatos, como os animais, e não teríamos o acesso aos graus mais elevados de abstração. A negação do dado – “a irrestrita infinitude da abstração absoluta ou universalidade, o puro pensamento de si mesmo”, segundo Hegel – é uma das glórias peculiares da inteligência humana.

No entanto, é uma força perigosa, quando exercida independentemente de outras capacidades que a compensam e equilibram, entre as quais, evidentemente, a de dizer “sim” à totalidade do real, capacidade da qual o próprio Hegel deu uma ilustração pitoresca no célebre episódio em que, após contemplar por longo tempo uma soberba montanha, baixou a cabeça e sentenciou: “É, de fato é assim.”

Quando o ego vivencia a negação abstrativa como uma experiência de liberdade, e a autodeterminação da vontade se apega a essa experiência, prossegue Hegel, “então temos a liberdade negativa, a liberdade no vazio, que se ergue como paixão e toma forma no mundo.” Vale a pena citar o parágrafo por extenso, tal a sua força analítica e profética:

“Quando [essa liberdade] se volta para a ação prática, ela toma forma na religião e na política como fanatismo da destruição – a destruição de toda a ordem social subsistente –, como eliminação dos indivíduos que são objetos de suspeita e a aniquilação de toda organização que tente se erguer de novo de entre as ruínas. É só destruindo alguma coisa que essa vontade negativa tem o sentimento de si própria como existente. É claro que ela imagina querer alcançar algum estado de coisas positivo, como a igualdade universal ou a vida religiosa universal, mas de fato ela não quer que esse estado se realize efetivamente, porque essa realização levaria a alguma espécie de ordem, a uma formação particularizada de organizações e indivíduos, ao passo que a autoconsciência daquela liberdade negativa provém precisamente da negação da particularidade, da negação de toda caracterização objetiva. Conseqüentemente, o que essa liberdade negativa pretende querer nunca pode ser algo em particular, mas apenas uma idéia abstrata, e dar efeito a essa idéia só pode consistir na fúria da destruição.”

Esse parágrafo deveria ser meditado diariamente por todos os estudiosos e homens práticos interessados em compreender o mundo da política. Ele elucida algumas constantes do movimento revolucionário que de outra maneira seriam inexplicáveis – tão inexplicáveis e paradoxais que a mente do observador comum se recusa a enxergá-las juntas, preferindo apegar-se a aspectos isolados, ocasionais e temporários, imaginando erroneamente ver aí a totalidade ou a essência do fenômeno.

Uma dessas constantes é a permanente negação de si mesmo, que permite ao movimento revolucionário tomar as mais variadas formas, mudando de rosto do dia para a noite e desnorteando não só o adversário como também uma boa parte dos seus próprios adeptos. Como a unidade de propósitos do movimento é uma pura abstração e seus objetivos proclamados de um momento são apenas encarnações imperfeitas e temporárias dessa abstração, ele pode se despir das suas manifestações particulares como quem troca de meias, sem nada perder e até elevando-se a novos patamares de poder mediante a mudança repentina de uma política para a política oposta, pronto a voltar à anterior sem aviso prévio se as circunstâncias o exigirem. Guerrilhas e terrorismo, por exemplo, jamais alcançam a vitória no terreno militar, mas produzem um anseio geral de paz, e este pode ser atendido negando a legitimidade da violência que ainda ontem se defendia como um direito inalienável, extraindo da casca violenta um núcleo de “reivindicações” supostamente “legítimas” e oferecendo a “paz” em troca do poder “legalmente conquistado”. A derrota transfigura-se em vitória, a negação em afirmação triunfante. O partido governante do Brasil chegou ao poder exatamente por esse artifício, cujo know how ele agora oferece às Farc. Quando uma parcela do movimento revolucionário renega sua própria violência, é que a violência está em vias de alcançar seus objetivos. Essas mutações não seriam viáveis se os fins e valores concretos proclamados pelo movimento revolucionário – sua “caracterização particular objetiva”, diria Hegel – tivessem alguma realidade em si mesmos e não fossem apenas figuras ilusórias projetadas temporariamente pela abstração de fundo.

Mas a autonegação não afeta só os discursos, os pretextos ideológicos da revolução. Ela atinge o corpo mesmo do movimento, periodicamente sacrificado no altar das suas próprias ambições.

A base última da sociedade humana, ensinavam S. Paulo Apóstolo e Sto. Agostinho, é o amor ao próximo. Tingida ou não de ódio ao estranho (que é por assim dizer a sua contrapartida demoníaca, reflexo da imperfeição inerente do amor humano e não um fator substantivo independente como pretendia Emmanuel Levinas), a comunidade do espírito, devoção comum a um sentido de vida aberto para a transcendência, reflui sobre cada um dos seus membros, aureolando-o de uma espécie de sacralidade aos olhos dos demais, seja nomeando-o um membro do corpo de Cristo ou da umma islâmica, um civis romanus, um descendente de Moisés, um herdeiro da tradição nhambiquara ou um simples “cidadão” da democracia moderna, partícipe na comunidade dos direitos invioláveis adquiridos, em última análise, de instituições religiosas milenares. Não é concebível nenhuma “fraternidade” sem uma “paternidade” comum. Mesmo na esfera mais imediata da vida econômica, nenhum comércio frutífero é possível sem a “sociedade de confiança” da qual falava Alain Peyrefitte, fundada na crença de que os valores sagrados de um não serão violados pelo outro.

Em contraste com essa regra universal, o movimento revolucionário diferencia-se pela constância com que, nas organizações e governos que cria, seus próprios membros se perseguem e se aniquilam uns aos outros com uma obstinação sistemática e em quantidades jamais vistas em qualquer outro tipo de comunidade humana ao longo de toda a história. A Revolução Francesa cortou mais cabeças de revolucionários que de padres e aristocratas. A Revolução Russa de 1917 não se fez contra o tzarismo, mas contra os revolucionários de 1905. O nazismo elevou-se ao poder sobre os cadáveres de seus próprios militantes, imolados ao oportunismo de uma aliança política na “Noite das Longas Facas” em 29 de junho de 1934. Mas seria uma ilusão imaginar que esses rituais sangrentos reflitam apenas o furor passageiro das hecatombes revolucionárias. Uma vez consolidados no poder, os partidos revolucionários redobram de violência, movidos pela suspeita paranóica contra seus próprios membros, matando-os aos milhões e dezenas de milhões com uma sanha que ultrapassa tudo o que os mais violentos próceres da reação jamais pensaram em fazer contra eles. Nenhum ditador de direita jamais prendeu, torturou e matou tantos comunistas quanto os governos da URSS, da China, do Vietnã, do Camboja, da Coréia do Norte e de Cuba. As lágrimas de ódio que sobem à face dos militantes de esquerda quando falam de Francisco Franco, de Augusto Pinochet ou mesmo da brandíssima ditadura brasileira, não expressam senão um mecanismo histérico de autodefesa moral – a “repressão da consciência”, como a chamava Igor Caruso –, a projeção inversa das culpas incalculavelmente maiores que o movimento revolucionário tem para com milhões de seus próprios fiéis.

A contrapelo da inclinação universal da natureza humana para fundar a vida social no amor ao próximo, o movimento revolucionário cria sociedades inteiramente baseadas no ódio, fazendo da unidade provisória inspirada no ódio a este ou àquele inimigo externo ou interno um arremedo satânico do amor.

Nada disso seria possível se os ideais e bandeiras erguidos pelo movimento revolucionário a cada passo da sua história tivessem alguma substancialidade em si mesmos. Neste caso a fidelidade comum aos valores sagrados protegeria os membros da comunidade revolucionária uns contra os outros. Mas esses ideais são como as figuras formadas pelas nuvens no céu, condenadas a dissipar-se ao primeiro vento, deixando atrás de si apenas o céu vazio. A única, central e permanente fidelidade do movimento revolucionário é à liberdade abstrata, que, com suas irmãs siamesas, a igualdade abstrata e a fraternidade abstrata, não pode encarnar-se perfeitamente em nenhuma forma particular histórica e, não consistindo senão de vazio absoluto, só pode encontrar a satisfação de um sentimento fugaz de existência no exercício da aniquilação, na insaciável “fúria da destruição”.

Veja todos os arquivos por ano