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Stallone está certo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 28 de julho de 2010

A mídia inteira está brabíssima com Sylvester Stallone porque ele disse que no Brasil você pode explodir o país e as pessoas ainda lhe agradecem, dando-lhe de quebra um macaco de presente. Alguns enfezados chegaram até a resmungar que com isso o ator estava nos chamando de macacos – evidenciando claramente que não sentem a diferença entre dar um macaco e ser um macaco.

Da minha parte, garanto que Stallone só pecou por eufemismo. Macaco? Por que só macaco? Exploda o país e os brasileiros lhe dão macaco, tatu, capivara, onça pintada, arara, cacatua, colibri, a fauna nacional inteira, mais um vale-transporte, uma quota no Fome Zero, assistência médica de graça, um ingresso para o próximo show do Caetano Veloso e um pacote de ações da Bolsa de Valores. Exploda o país como o fazem as Farc, treinando assassinos para dizimar a população, e o governo lhe dá cidadania brasileira, emprego público para a sua mulher e imunidade contra investigações constrangedoras. Seqüestre um brasileiro rico e cinco minutos depois os outros ricos estão nas ruas clamando pela libertação – não do seqüestrado, mas do seqüestrador (passado algum tempo, o próprio seqüestrado convida você para um jantar na mansão dele). Crie uma gigantesca organização clandestina, armando com partidos legais uma rede de proteção para organizações criminosas, e a grande mídia lhe dará todas as garantias de discrição e silêncio para que o excelente negócio possa progredir em paz: sobretudo, ninguém, ninguém jamais perguntará quem paga a brincadeira. Tire do lixo o cadáver do comunismo, dando-lhe nova vida em escala continental, e os capitalistas o encherão de dinheiro e até se inscreverão no seu partido, alardeando que você mudou e agora é neoliberal. Crie a maior dívida interna de todos os tempos, e seus próprios credores serão os primeiros a dizer que você restaurou a economia nacional. Encha de dinheiro os invasores de terras, para que eles possam invadir mais terras ainda, e até os donos de terras o aplaudirão porque você “conteve a sanha dos radicais”. Mande abortar milhões de bebês, e os próprios bispos católicos taparão a boca de quem fale mal de você. Mande seu partido acusar as Forças Armadas de todos os crimes possíveis e imagináveis, e os oficiais militares, além de condecorar você, sua esposa e todos os seus cupinchas, ainda votarão em você nas eleições presidenciais. Destrua a carreira de um presidente “direitista” e uns anos depois ele estará trocando beijinhos com você e cavando votos para a sua candidata comunista no interior de Alagoas.

Um macaco? Um desprezível macaquinho? Que é isso, Stallone? Você não sabe de quanta gratidão, de quanta generosidade o brasileiro é capaz, quando você bate nele para valer.

Fora essa ressalva quantitativa, no entanto, a declaração do ator de “Rambo” é a coisa mais verdadeira que alguém disse sobre o Brasil nos últimos anos: este é um país de covardes, que preferem antes bajular os seus agressores do que tomar uma providência para detê-los.

O clássico estudo de Paulo Mercadante, A Consciência Conservadora no Brasil, já expunha a tendência crônica das nossas classes altas, de tudo resolver pela conciliação. Mas a conciliação, quando ultrapassa os limites da razoabilidade e da decência, chega àquele extremo de puxa-saquismo masoquista em que o sujeito se mata só para agradar a quem quer matá-lo.

Curiosamente, muitos dos que se entregam a essa conduta abjeta alegam que o fazem por esperteza, citando a regra de Maquiavel: se você não pode vencer o adversário, deve aderir ao partido dele. Esses cretinos não sabem que, em política prática, Maquiavel foi um pobre coitado, que sempre apostou no lado perdedor e terminou muito mal. A pose de malícia esconde, muitas vezes, uma ingenuidade patética.

Revolução capitalista na Bruzundanga

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 12 de novembro 2007

Jamais duvidei da capacidade e idoneidade de Armínio Fraga, mas quando, com base em puros sinais da Bolsa de Valores, ele sai proclamando que “o Brasil vive uma revolução capitalista”, a palavra mais doce que me ocorre é: “Estupidez.” Não se avalia o curso das coisas num país só pela economia, muito menos por um de seus aspectos isolados. Como se pode falar de revolução capitalista quando um pool onipotente de partidos de esquerda já anuncia abertamente o ingresso próximo do país no socialismo, a propaganda comunista se tornou praticamente a única atividade cultural visível, as crianças são educadas desde a escola primária para odiar o capitalismo, a quase totalidade dos estudantes universitários sonha com um emprego público, as Farc já mandam e desmandam no nosso território, a atividade econômica privada se tornou uma concessão estatal altamente policiada, o socialismo light já é a forma extrema de conservadorismo admissível entre pessoas decentes e o único partido “de direita” que existe (aliás envergonhadíssimo desse rótulo) professa modelar-se pelo exemplo dos democratas americanos, tradicionalmente intervencionistas em economia, politicamente corretíssimos em educação, cultura e ecologia e há mais de trinta anos fanaticamente pró-comunistas em política externa?

É verdade que há pessoas e grupos ganhando dinheiro como nunca, mas isso só confirma o diagnóstico de Lênin sobre os burgueses: “Dêem-lhes uma gorjeta e eles nos entregarão alegremente o poder.” Quanto mais acreditam que seu enriquecimento prova prova a revolução capitalista, mais cegos se tornam diante do esquema socialista que vai dominando tudo à sua volta.

Já cheguei à conclusão de que neste país os economistas vivem num mundo paralelo, feito só de números, sem gente nem ação humana dentro, sem conspirações nem espionagem, sem grupos ativistas, sem revoluções nem guerras, sem movimentos de massa, sem mitos culturais, sem nada do que compõe a trama substantiva da História. E o pior é que o restante da nação, intoxicada de um espécie de marxismo capitalista, uma obsessão dinheirista como nunca se viu no mundo, os ouve como se fossem porta-vozes supremos do mundo dos fatos, primores de maturidade e realismo. O argumento final em todas as discussões é Nasdaq dixit .

O mais patético em tudo isso é que praticamente todas as grandes previsões políticas feitas na base dos índices econômicos, desde o início do século XX até agora, falharam miseravelmente.

Pelo critério bolsístico, a Rússia de Lênin, em 1920, estava em vias de tornar-se uma democracia capitalista. Pelo mesmo critério, o livre mercado estava morto e enterrado por volta de 1938: o triunfo do estatismo alemão era a última palavra no mundo da indústria. Em 1987, três anos antes do desmantelamento da URSS, o maior best seller nos meios empresariais era Ascensão e Queda das Grandes Potências , de Paul Kennedy, que, com base na comparação entre orçamentos nacionais e despesas militares, anunciava para a década seguinte a derrocada americana e o sucesso retumbante da economia soviética. Diante da queda da URSS, os tagarelas não se deram por achados: improvisaram explicações econômicas sapientíssimas e proclamaram que em poucos anos o movimento esquerdista no mundo seria coisa do passado. Uma década depois, a esquerda havia se tornado a única força política internacional significativa, e Jean-François Revel estava escrevendo La Grande Parade para explicar como isso podia ter acontecido contra todas as previsões bem-pensantes. No início da mesma década, os idiotas que haviam aplaudido o livro de Kennedy como o nec plus ultra da historiografia já estavam alardeando que uma injeção de investimentos capitalistas na China acabaria por dissolver o poder dos generais chineses. Os generais estão mais fortes e autoritários do que nunca.

Não, a economia não rege o curso dos fatos, ela nem é sequer o fator principal “em última instância”, como pretendia o charlataníssimo Karl Marx. A economia é apenas a condensação quantitativa e temporária de milhões de decisões humanas nascidas de fatores psicológicos, culturais, religiosos, militares e políticos. Nada é mais instável, mais sujeito a mudanças súbitas, do que a economia, enquanto os outros fatores se movem muito mais lentamente, com mais peso, sendo por isso mais determinantes. Prever o curso das coisas com base na economia é prever o movimento das camadas geológicas com base na direção do vento.

Previsões efetivas, realistas, nascem de um complexo raciocínio interdisciplinar, auxiliado por uma espécie de sexto sentido que se pode aprender, mas não ensinar. Digo isso com a autoridade de quem há duas décadas não erra uma. Mas digo-o também com a irritação de quem, há duas décadas, vê o erro crasso ser mais respeitado e aplaudido do que os acertos mais precisos, mais fundamentados, mais meticulosos.

As classes ditas superiores, neste país, já perderam há muito tempo aquele senso natural da verdade, que nasce — e morre — com o instinto de sobrevivência.

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