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Anistia?

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 14 de novembro de 2006

O processo de indenização movido por César Teles e sua esposa Maria Amélia contra o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra é confessadamente um ato político, calculado para estimular outros militantes esquerdistas presos durante o regime militar, bem como seus descendentes, a que abram processos similares e mantenham acesa por tempo ilimitado a chama da “luta contra a ditadura”, que há vinte anos vem rendendo às organizações de esquerda incalculáveis lucros publicitários, políticos e financeiros.

A tática jurídica adotada é restringir ex post facto a aplicação da lei de Anistia, mediante a alegação de que ela só preserva contra a punição penal, não contra ações cíveis, uma nuance que nunca foi explorada antes por ser demasiado rebuscada para ocorrer de maneira natural e espontânea seja ao legislador, seja aos possíveis acusados ou eventuais beneficiários. A idéia do processo nasceu claramente de uma arificiosa investigação de brechas possíveis que permitam eternizar os ganhos da autovitimização esquerdista. Para os que combateram o terrorismo, bem como para os familiares dos que morreram nesse combate, tudo é um passado doloroso que deve ser esquecido. Para os esquerdistas, é um futuro repleto de promessas: há muito dinheiro nos cofres públicos que ainda não foi gasto em indenizações e muitas manchetes que ainda não foram escritas para a glória do terrorismo nacional. Há uma diferença substantiva entre a reivindicação sincera de quem se sente prejudicado e o ativismo judicial que visa a espremer até depois da última gota o limão das vantagens possíveis. Não é preciso colocar em suspeita a lisura de intenções do casal Telles em particular, pois a má-fé é o pressuposto geral de toda a instrumentalização esquerdista dos “anos de chumbo”.

O que ninguém parece ter notado é que, se o argumento da acusação for aceito pela Justiça, ele abrirá um precedente para que as vítimas e familiares de vítimas de atentados terroristas movam ações similares contra os membros de organizações esquerdistas que apoiaram a “luta armada”, inclusive, é claro César Telles e Maria Amélia Telles. Como diretores da gráfica do PC do B, partido maoísta, os Telles foram, além de auxiliares do terrorismo nacional, também cúmplices morais do genocídio chinês, podendo ser acusados, pelas leis internacionais, de crimes contra a humanidade, como acontece com os apologistas até mesmo retroativos do regime nazista. Só escaparam disso até hoje porque não existem no Brasil organizações de direita e, se existissem, dificilmente seriam mesquinhas ao ponto de tentar explorar politicamente cada crime real ou imaginário cometido pelos comunistas quatro décadas atrás, como os comunistas não se vexam de fazer, com tenacidade incansável, contra seus adversários.

No caso em particular da reclamação contra o coronel Brilhante Ustra, o juiz encarregado do processo terá de ser um campeão de autocontrole, um verdadeiro asceta espiritual, para resistir à pressão da mídia que já prejulgou e condenou o acusado. Mesmo aquelas raras publicações que não chamam o militar diretamente de “torturador”, negando-lhe o direito de ser considerado inocente até prova em contrário, recusam-se obstinadamente a publicar qualquer das alegações que ele apresenta em sua defesa no livro A Verdade Sufocada. Entrevistá-lo, então, é hipótese proibida e impensável nesses primores de idoneidade que são os grandes jornais e canais de TV deste país. Quando eles choramingam que estão sendo oprimidos pela militância petista, fazem-no com sobra de razão, exatamente como a esposa fiel que, depois de fazer todos os sacrifícios possíveis pelo bem do marido, ainda leva uns tapas do sem-vergonha.

Mas, de modo geral, as vítimas do terrorismo estão colocadas numa posição juridicamente mais que favorável para exigir indenizações de seus algozes, já que o dano que sofreram foi imensuravelmente maior que o de qualquer comunista ou pró-comunista dos anos 60-70.

Em primeiro lugar, na época não agiam em nome de organizações ilegais, mas em obediência aos códigos militares e policiais que regiam o combate ao terrorismo. Mesmo que tenham cometido abusos e devam pagar por eles, resta o fato inquestionável de que esses desvios criminalmente imputáveis ocorreram no exercício de funções que eram, em si, perfeitamente legais, ao passo que os terroristas, mesmo quando se comportavam com honra e se esquivavam de participar de atrocidades como o assassinato de um prisioneiro a coronhadas pelo chefe guerrilheiro Carlos Lamarca, estavam envolvidos numa atividade essencialmente ilegal e criminosa, com o agravante de agir a mando de organizações internacionais como a OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad, fundadas e subsidiadas por algumas das ditaduras mais genocidas que já existiram no planeta.

Em segundo lugar, as vítimas e familiares de vítimas do terrorismo foram alvo de tratamento abjetamente discriminatório por parte do governo esquerdista, que lhes recusou toda assistência e, quando lhes deu indenizações, tardiamente como aconteceu no caso da família do falecido sargento Mário Kozel Filho, foi mediante quantias miseráveis que, na comparação com a orgia financeira dos prêmios concedidos aos esquerdistas, somavam ao dano material o agravante moral da injúria. Isso quer dizer que, além de exigir indenização dos próprios terroristas, que hoje são poderosos e ricos, essas vítimas podem cobrá-la também do governo.

Em terceiro lugar, a disparidade de tratamento que os mortos dos dois lados receberam na mídia é tamanha e tão patente, que ninguém pode em sã consciência deixar de enxergar nela uma das causas da injustiça governamental na distribuição de indenizações – o que significa que os órgãos de mídia também podem ser acionados como autores dos imensos danos morais infligidos às vítimas e descendentes de vítimas do terrorismo.

Em suma: para cada processo cível que os terroristas e seus parceiros possam mover contra seus supostos algozes, as vítimas do terrorismo têm munição para mover pelo menos três: contra os terroristas, contra o governo, contra as grandes empresas de mídia.

Se houvesse organizações militantes de direita, e se estivessem conscientes da força do ativismo judicial como arma política, a dor que os esquerdistas sentiriam no bolso seria tão insuportável que, com imenso alívio, desistiriam de iniciativas como a do casal Telles e prefeririam investir suas energias na indústria nacional dos panos quentes.

Enquanto os perseguidos pelo petismo não decidirem se organizar para um ataque judicial a seus algozes, em vão pedirão socorro divino. Até Deus precisa de motivação. Se você mesmo tem preguiça de reconhecer a gravidade da sua situação, e de agir em conseqüência, por que haveria o Altíssimo de se preocupar com você?

Saindo pela esquerda

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio (editorial), 8 de junho de 2006

A descoberta de um depósito de cabeças cortadas, no Iraque, foi noticiada com relativa discrição pela mídia chique de Nova York e Washington e não provocou nenhuma reação indignada de Hillary Clinton, Ted Kennedy, John Kerry, John Murtha e outros autores de protestos apopléticos contra as “violências” cometidas pelos americanos em Abu-Ghraib. Com toda a evidência, a moral politicamente correta considera mais humano cortar uma cabeça do que vestir-lhe uma calcinha.

A apropriação do discurso moralizante pelos adeptos de ideologias amorais e genocidas só poderia levar mesmo à deformação caricatural do próprio sentido da moralidade, culminando na completa inversão dos critérios de julgamento.

Para os que, no meio da confusão psicótica, ainda se conservam capazes de apreender as coisas como são, a nova revelação da crueldade dos terroristas iraquianos leva a duas conclusões incontornáveis: (1) ou o governo constitucional do Iraque, com a ajuda americana, prossegue a luta até a destruição total do inimigo, ou será preciso entregar o país a uma gangue de assassinos de mentalidade incalculavelmente monstruosa; (2) se George W. Bush cometeu erros, invadir o Iraque não foi um deles.

Na verdade, a queda de popularidade do presidente não se deve a nada que possa ter desagradado a elite esquerdista. Deve-se justamente ao fato de que esse mandatário, tão firme e decidido nas ações que empreende no Oriente Médio, é tímido e acomodatício ante as exigências da oposição interna, não hesitando em sacrificar o futuro do seu partido no altar de concessões vexatórias. A mais escandalosa dessas concessões é decerto, o projeto de anistia para doze milhões de imigrantes ilegais, contra a vontade da maioria da população e praticamente a totalidade do eleitorado conservador. O acordo parece tanto mais repugnante porque a proposta de anistia veio justamente de dois inimigos tradicionais do presidente, um democrata, Ted Kennedy, o outro republicano, John McCain.

Depois de uma política de gastos públicos megalômanos que foi uma inversão exata de suas promessas de campanha, a aproximação com Kennedy e McCain parece, aos eleitores de Bush, uma traição intolerável. Se, às vésperas da votação do projeto de anistia, o presidente tenta aplacar a multidão conservadora com a oferta de uma emenda constitucional proibindo os casamentos gays, a multidão não vai se deixar comprar por esse agradinho de improviso: vai aplaudir a proibição e continuar malhando Bush. Os políticos republicanos, que dominam o Senado e a Câmara, sabem que o presidente está vendendo suas cadeiras para a oposição e muitos deles já decidiram que gostam mais de seus postos do que dele. Mas o presidente em pessoa parece ainda não ter entendido que um parlamento com maioria democrata significará quase que inevitavelmente o seu processo de impeachment.

Não é a primeira vez que um presidente americano eleito com plataforma conservadora decepciona seus eleitores e joga sua carreira pela janela em troca de uns sorrisos hipócritas dos  adversários. Richard Nixon entrou na presidência pela direita e saiu pela esquerda. O atual presidente parece inspirado nesse fantasma ilustre. O problema dos republicanos agora é: salvar George W. Bush dele próprio ou salvar-se entregando George W. Bush aos leões.

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