Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 25 de maio de 2006

Roberto Fendt (Samba do crioulo doido, no DC de ontem) está montado na razão quando reclama da palestra de Guy Sorman no seminário Democracia, Liberdade e o Império das Leis . Sorman, que era um sujeito lúcido até umas semanas atrás, de repente apareceu proclamando, com a cara mais bisonha do mundo, que Lula é o remédio anti-Chávez e que só não concordam com isso os “liberais de direita”. Mas os senhores não reparem: o cidadão é sociólogo e é francês. Dificilmente um cérebro humano escapa por muito tempo à debilitação resultante desse destino duplamente cruel, por mais nutrido que esteja de von Mises e Hayek.

Lula, fundador do Foro de São Paulo , só não pode ser dito o pai de Chávez porque essa honra cabe a Fidel Castro. Lula tem sua glória própria: é a mãe. E ele mesmo, no discurso com que celebrou os quinze anos de fundação dessa entidade criminosa, admitiu o desvelo maternal com que ajudou a colocar e manter o filhinho no poder por vias secretas e fraudulentas. Depois de tão longo trabalho de parto, ele não vai querer agora pôr tudo a perder mediante um aborto retroativo.

O erro de Sorman é o mesmo dos iluminados “especialistas” do Departamento de Estado: vêem Lula só pela orientação econômica do seu governo, fazendo abstração dos compromissos que ele tem com a revolução continental e com a subversão local, inclusive armada e sangrenta. Visto só pelo lado econômico, Vladimir I. Lênin pareceria um antepassado ideológico de Margaret Thatcher, porque deu chance à livre iniciativa e abriu o mercado russo aos investidores estrangeiros. Tanto ele quanto Lula, porém, guardadas as devidas diferenças e proporções, encobriram com o manto da economia bem comportada uma política voltada à centralização do poder, à internacionalização do movimento revolucionário, à eliminação das oposições e à subjugação da sociedade por meio do caos e do terror.

Por uma ironia bem significativa, a voz de Sorman ecoou no auditório do Hotel Caesar Business ao mesmo tempo que, nas ruas de São Paulo, se ouviam os tiros do PCC. Nada, absolutamente nada pode camuflar a evidência de que a rebelião dos bandidos, empreendida em associação com o MST e chefiada por um protegido do sr. Márcio Thomas Bastos, foi obra direta ou indireta do governo federal. Milhões de Sormans gritando bobagens pró-Lula não poderiam suprimir essa obviedade.

Quanto à divisão do liberalismo em esquerdista e direitista, nada preciso dizer. Fendt já a depositou na privada e puxou a descarga. Só devo fazer um pequeno reparo às classificações com que ele a substitui. Não é verdade que os conservadores se diferenciem dos liberais por preferirem a ordem à liberdade. Mil páginas da recém publicada American Conservatism: An Enclyclopedia (ISI Books, 2006) provam que não é nada disso, pelo menos no contexto anglo-saxônico. O conservatism é acima de tudo o amor às liberdades individuais, ao ponto de em suas expressões mais extremadas ter gerado a facção dos libertarians , quase anarquistas na sua recusa de toda interferência estatal na economia ou na vida moral. O amor unilateral à “ordem” caracteriza, isto sim, a direita francesa, que por sinal não se autodenominou “conservadora” quase nunca, pelo simples fato de ser tecnocrática e positivista. Tirando esse detalhe, subscrevo cada palavra do artigo de Roberto Fendt.

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