Olavo de Carvalho

Zero Hora, 7 de abril de 2002

A propaganda maciça do PC do B na televisão vem prometendo liberdade, prosperidade, lei e ordem, etc. e tal, e os partidos ditos “de direita” (que não são de direita de maneira alguma, mas apenas associações de auto-ajuda de oportunistas caipiras) se encontram tão sonsos, tão alienados, que a nenhum deles sequer ocorre a idéia de lembrar aos eleitores a origem e o comprometimento ideológico dessa agremiação.

O PC do B foi um dos partidos que nasceram da revolta entre os apóstolos de métodos revolucionários sangrentos quando a União Soviética, na década de 50, decidiu que os partidos comunistas do mundo, salvo expressa instrução de Moscou, deveriam abster-se do uso direto da violência para a conquista do poder. Saudosos do genocídio stalinista e inconformados com o que lhes pareceu um imperdoável aburguesamento da revolução soviética, os comunistas mais enfezadinhos juntaram forças em torno de Mao Tsé-Tung, um sociopata estuprador e pedófilo que para dominar a China fizera uma guerra do ópio contra seu próprio país e matara 60 milhões de seus compatriotas (um décimo da população local, na época). Com essa folha de serviços, Mao parecia a uma boa parte da militância esquerdista mundial um tipo tanto mais adorável. Mais tarde, ele viria a empreender o mais amplo e sistemático esforço de devastação cultural registrado na história, mobilizando milhões de adolescentes fardados e fanatizados, os “guardas vermelhos”, para suprimir pelo terror o legado da cultura chinesa milenar, que hoje, com exceção da casca folclórica mantida em Pequim para exibição turística, só subsiste graças aos registros conservados pelos estudiosos ocidentais. Nas décadas de 60 e 80, o culto devoto à pessoa do gordo e auto-satisfeito ogro chinês espalhou pelo mundo milhões de exemplares do “Livro Vermelho dos Pensamentos do Presidente Mao”, uma inacreditável coleção de banalidades e frases ocas ante a qual a “intelligentzia” esquerdista do Ocidente se prosternou como se fosse a última revelação profética.

Os sucessores de Mao mantiveram-se fiéis a seus métodos, invadindo o vizinho Tibete e matando um milhão de tibetanos desarmados, sem que contra isso se erguesse na mídia um milésimo da gritaria que se ouviu quando os americanos liquidaram algumas dúzias de terroristas no Afeganistão. Hoje em dia os chineses empenham-se em repetir em escala tibetana a revolução dos “guardas vermelhos”, reprimindo severamente a prática do budismo tradicional, sem que isto constitua o menor escândalo aos olhos dos santarrões da “diversidade cultural”.

Mas, bem antes disso, o maoísmo teve seu momento de glória quando inspirou e comandou a resistência mundial contra a ajuda americana ao Vietnã do Sul invadido pelas tropas comunistas do Vietnã do Norte. A campanha mundial anti-EUA, talvez a mais potente mobilização de retórica humanitária e sentimental do século, resultou na retirada das tropas americanas e na conseqüente entrega do Vietnã do Sul às tropas vietcongues, que, no processo de faxina ideológica que se seguiu, enviaram ao pelotão de fuzilamento ou à morte por inanição nos campos de prisioneiros um milhão de pessoas, isto é, cinco vezes o total de vietcongues mortos na guerra; em seguida ajudaram a estender o regime comunista ao vizinho Camboja, onde a matança chegou a dois milhões de vítimas, fazendo com que a paz, como o previam os militares americanos, por isso estigmatizados pela mídia bem-pensante, fosse incomparavelmente mais mortífera que a guerra. Dos líderes da campanha, só dois, que eu saiba, perceberam e confessaram o crime inominável a que se haviam acumpliciado: na época agitadores estudantis, David Horowitz e Ronald Radosh, nos seus livros de memórias, “Radical Son” e “Commies”, contam tudo a respeito dos batalhões de ídolos acadêmicos e “pop stars” que soltaram do freio americano o comunismo asiático e assim ajudaram Ho Chi Minh e Pol-Pot a matar três milhões de pessoas em tempo de paz.

Jamais traduzidos, esses livros são mantidos a uma asséptica distância dos leitores e eleitores brasileiros, que, se os tivessem lido, não acreditariam numa só palavra do PC do B, o partido maoísta brasileiro.

Moralmente, esse partido foi cúmplice e apologista dos maiores genocídios da história — China e Camboja — e da instauração de regimes que, vertendo toneladas de sangue, suor e lágrimas de seus opositores, nada mais conseguiram senão mergulhar seus países na indescritível miséria da qual só foram parcialmente salvos, “in extremis”, pela chegada providencial dos investimentos norte-americanos na década de 90.

A simples existência de um PC do B é uma vergonha, uma abjeção. Nenhum partido que se acumpliciou a regimes comprovadamente genocidas deveria poder atuar livremente numa democracia, ao menos antes que a extensão do seu comprometimento moral, ideológico e publicitário com a prática de crimes hediondos em escala industrial fosse meticulosamente investigada e divulgada para advertência dos eleitores.

É verdade que qualquer militante dessas organizações pode alegar, “ex post facto”, que não aprovava pessoalmente ou que ignorava os feitos dos regimes idolatrados por seus partidos. Mas ambas essas coisas foram também alegadas pelos criminosos de Nuremberg, e hoje é consenso mundial que se tratava apenas de desculpas esfarrapadas.

Também não custa nada o sujeito alegar que os tempos mudaram, que isso de maoísmo é coisa do passado, que a guerra fria terminou e que ele próprio já não é o mesmo de antigamente. Aliás até os sucessores de Mao no governo da China dizem isso.

Mas a sinceridade dessas alegações pode ser medida — e desmentida — da maneira mais simples: basta averiguar se o inocente tardio mudou ao menos de discurso quanto à guerra do Vietnã: se continua a se fazer de “pomba” contra os “falcões” de Washington (como então se rotulavam as facções anti-americana e pró-americana), se continua a celebrar a campanha anti-EUA como uma epopéia da bondade humana, se não reconhece e não deplora as conseqüências catastróficas da retirada das tropas americanas, se continua enfim a legitimar ou a louvar as ações que resultaram no mais previsível e evitável genocídio de todos os tempos, então, além de cúmplice moral do crime, o sujeito é também um mentiroso, um fingido e salafrário que deveria ser expulso da vida pública a pontapés.

Os partidos “de direita”, se o fossem de verdade, teriam a estrita obrigação de alertar o povo quanto a essas coisas. Mas não o fizeram nem o farão. Oportunismo, covardia e desejo servil de agradar a esquerda triunfante são, no fundo, todo o código moral desses partidos, feitos da substância gosmenta das amebas e das lesmas.

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