Olavo de Carvalho

Jornal da Tarde
, 28 de fevereiro de 2002

Nas décadas de 60 e 70, o governo de Cuba envolveu-se em sucessivos esforços de intervenção militar no Brasil, treinando guerrilheiros, fornecendo armas, dinheiro e apoio logístico, primeiro para as Ligas Camponesas, depois para as várias organizações terroristas que se formaram a partir de 1964. Isto é um ponto definitivamente comprovado da nossa História. Confirma-o o depoimento dos próprios guerrilheiros, registrado em livros de autores simpáticos ao esquerdismo, como Luís Mir e Denise Rollemberg.

O fato igualmente bem estabelecido de que a agressão haja começado em 1961 basta para impugnar, “in limine”, qualquer tentativa de legitimar a explosão da violência esquerdista pós-1964 como reação justa de facções excluídas do processo político. Bem ao contrário, o golpe militar é que foi uma resposta à ascensão de um dos movimentos revolucionários mais articulados e mais vastos já observados na história da América Latina.

Simplesmente não tem sentido classificar como vítimas de injusta perseguição política os homens que, trabalhando para um país estrangeiro, nele buscaram refúgio quando seus empreendimentos armados em território nacional fracassaram. Muitos desses atacantes integraram-se à nação cubana, tornaram-se oficiais de seus serviços de inteligência e em seguida voltaram ao Brasil como agentes camuflados de um governo estrangeiro hostil.

Tal foi o caso, precisamente, do deputado José Dirceu de Oliveira e Silva, que, graças à proteção pessoal de Raúl Castro, fez uma bela carreira no serviço secreto militar de Cuba e, ao contrário do que vem saindo na imprensa, não voltou ao Brasil só depois da anistia, mas sim muito antes disso, para reorganizar a guerrilha em crise. Esses dados, jamais desmentidos, constam do livro de Luís Mir, A Revolução Impossível.

Nada tenho, pessoalmente, contra o deputado José Dirceu, que foi meu companheiro de Partidão nos anos 60 e com quem tive durante bom tempo relações cordiais.

Odeio ter de dizer isso, mas ninguém merece indenização de um país por ter servido a seus agressores. O deputado e seus correligionários é que deveriam pagar indenização às famílias de soldados brasileiros que morreram em combate contra os agentes de Cuba. Apenas, essas famílias, diante do escândalo repetido dos prêmios dados ao inimigo, têm medo de recorrer à Justiça para fazer valer seus direitos. E quem, hoje em dia, não tem medo?

Quando o sr. José Alencar finge tranqüila superioridade, alardeando que “não devemos ter medo do comunismo” (apelo que chega ao cúmulo do “non-sense” no momento em que a guerrilha colombiana tira de vez a máscara das intenções pacíficas), só o que ele prova é que ele próprio está possuído desse medo, como um seqüestrado com “síndrome de Estocolmo”, ao ponto de se derreter em trejeitos de afeição na esperança vã de aplacar a fúria de quem o aterroriza.

É o medo, o medo geral e avassalador, que está imbecilizando este país e levando-o a aceitar como normas de boa conduta as mais cínicas exigências do sectarismo esquerdista.

É evidente que, desde o ponto de vista sectário, qualquer crime praticado a serviço da esquerda é um mérito, e qualquer boa ação que favoreça o lado contrário é um crime.

Já conhecemos essa dualidade de pesos e medidas, que dá respaldo moral à ocupação chinesa no Tibete, com seu milhão de vítimas civis até agora, enquanto se finge de escandalizada ante o revide americano aos atentados de 11 de setembro.

Já sabemos que, para um esquerdista, a simples hipótese de julgar-se a si próprio pelos mesmos padrões morais com que condena o adversário é repugnante e inadmissível “a priori”.

Já conhecemos o dogma da própria impecância essencial da esquerda, que redime antecipadamente todos os seus crimes por conta dos méritos de um futuro hipotético que ela diz representar no presente. E sabemos que essa mesma crença permite hoje aos apologistas, cúmplices e herdeiros dos regimes mais genocidas de todos os tempos apresentarem-se em público como almas limpas e puras, habilitadas por uma imensa superioridade moral a verberar com santa eloqüência os males do mundo.

Apenas, temos o direito de estranhar que mentira tão velha, tão conhecida, tão abundantemente descrita e desmascarada seja de repente imposta como critério moral oficial a todo um país, e que o seja pelas mãos de um governo que, de todos os que já tivemos, é provavelmente o que foi mais odiado e achincalhado pela esquerda.

Só o medo, o medo soberano e paralisante, pode levar um governo a descer tão baixo, abdicando de todo respeito por si mesmo.

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