Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de fevereiro de 2007

Os militares ditos “nacionalistas”, que aliás não são muitos, acusam-me de tachá-los de comunistas e de não compreender suas elevadas intenções patrióticas. Ao contrário. Sei que não são comunistas. São anticomunistas, entusiastas do capitalismo de Estado, anti-americanos por cálculo e não por ideologia. E compreendo perfeitamente bem suas intenções. Discuti-as muitas vezes com o remoto mas influente mentor do grupo, o falecido general Carlos de Meira Mattos, meu amigo, inteligência brilhante, e lhe expus francamente minha discordância, então ainda nebulosa e mal fundamentada.

O que sonham é aproveitar-se da onda esquerdista, ajudando-a a precipitar uma situação virtual de guerra contra os EUA que elevaria às nuvens o poder das Forças Armadas, facilitando a derrubada dos esquerdistas e a instauração de um governo nasserista de salvação nacional.

O plano não é comunista: é apenas louco. Trata-se de matar o país para disputar a posse do cadáver. Uma situação de guerra ou mesmo de pré-guerra na América Latina é tudo o que os globalistas precisam para colocar a área sob intervenção da ONU. A soberania nacional desapareceria em segundos, a Amazônia seria internacionalizada por automatismo. Os militares nacionalistas iriam para a cadeia e os comunistas voltariam ao poder como heróis da democracia, sob os aplausos da comunidade internacional e da mídia chique.

O plano é furado porque sua base teórica é a metodologia errada da Escola Superior de Guerra, cujo conceito fundamental de “poder nacional” só reconhece como sujeitos agentes da História os Estados e os governos. Estados e governos não são sujeitos da ação histórica: são seus instrumentos. Sujeitos históricos são entidades mais permanentes e estáveis, cuja ação se estende para além da duração dos Estados e governos.

Sujeitos da História são as castas religiosas, as dinastias monárquicas e oligárquicas e as seitas gnósticas transfiguradas em movimentos ideológicos de massa. Sua ação atravessa os séculos passando por cima do prazo de vida dos Estados e do horizonte de visão de seus governantes.

O atual espetáculo do mundo é a disputa entre quatro sujeitos da História: as religiões cristã e judaica, com suas concepções tradicionais da civilização, o movimento revolucionário mundial, a oligarquia globalista e o expansionismo islâmico. Estes três têm relações ambíguas entre si; ora são aliados, ora concorrentes. Os cristãos e judeus estão sozinhos contra todos, mal articulados em movimentos conservadores que só têm expressão nos EUA. Mas neles repousa a única esperança de preservar a civilização e impedir a dissolução das soberanias nacionais.

A mera contraposição de nacionalismo e globalismo é estreita e provinciana demais para dar conta do quadro. Ela falseia a realidade e eleva a planos de ação insensatos, condenados ao fracasso.

O obstáculo que separa de mim aqueles militares não é ideológico: é a ciumeira de intelectos atrofiados contra o estudioso que enxerga mais que eles. Se pusessem a pátria acima de seus egos, estariam me ouvindo em vez de me jogar pedras.

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