Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 09 de maio de 2008

Quando o governo americano resolveu apostar em Lula como freio para as pretensões de Hugo Chávez, o resultado era mais que previsível: sob uma cortina de sorrisos tranqüilizantes estendida pelo presidente brasileiro, a esquerda revolucionária latino-americana teria campo livre para crescer e dominar mais meia dúzia de países, sem que o Departamento de Estado opusesse a isso senão alguns resmungos anti-chavistas períodicos, pro forma e totalmente inofensivos.

Escrevi que isso ia acontecer, e aconteceu.

O simples fato de que a sra. Condoleezza Rice e o presidente Bush concentrassem seus temores na pessoa de Hugo Chávez, em vez de reparar na monstruosa articulação continental de esquerda montada pelo próprio Lula no Foro de São Paulo, já manifestava uma opção preferencial pela miopia, uma necessidade obsessiva de concentrar-se num detalhe para não enxergar o todo.

O CFR, Council on Foreign Relations, foi manifestamente culpado de fomentar esse monstruoso erro de avaliação, ao emprestar sua prestigiosa tribuna para que os srs. Luiz Felipe de Alencastro e Kenneth Maxwell negassem a existência do Foro de São Paulo, numa época em que as atas das assembléias dessa organização já estavam publicadas e à diposição de qualquer estudioso honesto. Um órgão da envergadura do CFR simplesmente não tem o direito de alimentar o governo com falsa informação, pois está consciente de que sua palavra é ali ouvida com reverência e temor.

Mas agora sabemos que o erro teve uma segunda origem ainda mais escandalosa: foi o próprio Lula que em 2005 ofereceu ajuda ao governo americano para “acalmar Chávez”. O emissário escolhido para levar a oferta já constituia, pela singularidade da sua pessoa, a prova mais patente de que não havia na proposta senão o intuito de acalmar, isto sim, o governo dos EUA, para que não prestasse atenção ao Foro de São Paulo e ao crescimento do seu poder avassalador. O portador não foi outro senão o então ministro José Dirceu, cuja lealdade à ditadura cubana — e portanto ao Foro de São Paulo, que é uma extensão dela — não advem só de sua imensa dívida pessoal para com o regime que o transformou de militante de segunda classe em comandante da esquerda armada brasileira, mas deve-se também a um laço de ordem profissional, de vez que o referido é oficial do serviço secreto militar cubano (um cargo ao qual o prefixo “ex”, quando não se trata de pessoa exilada, presa ou falecida, só pode ser acrescentado a título de desinformação ou de piada).

Um indício ainda mais direto de que se tratava de presente de grego foi fornecido pelo próprio José Dirceu, ao declarar à sra. Rice, na ocasião, que não havia nenhuma ligação entre Hugo Chávez e as Farc — ligação que hoje está mais que provada e que ele então não podia ignorar de maneira alguma.

Um terceiro fator que contribui para nublar a visão que o governo americano tem da política de Lula é a presteza e alegria com que este último cede às injunções dos investidores estrangeiros, dos bancos internacionais e do globalismo em geral. Como a relação entre esses poderes e o governo americano é ambígua e nebulosa, Lula pode parecer amigo dos EUA só por ser, mais que amigo, servo do esquema globalista, ao qual não hesitou em tentar ceder um estado inteiro da federação, a título de “república indígena”, só sendo impedido de fazê-lo pela reação patriótica das Forças Armadas brasileiras. Jornalistas a serviço desse esquema vendem a imagem de que um Lula globalista é, por definição, um parceiro dos EUA. Mas, se globalismo e interesse nacional americano fossem a mesma coisa, ninguém proporia algo como o Tratado da Lei do Mar, a sujeição dos presidentes americanos ao Tribunal Penal Internacional ou a dissolução dos EUA numa “Comunidade Norte-Americana”. A confusão, neste caso, é proposital. Mas isso só deveria constituir um motivo a mais para que um presidente americano sensato jamais caísse nela.

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