Leituras

Olavo, o sobrevivente

Paulo Briguet

Gazeta do Povo, 17 de junho de 2013

Daqui a 20 ou 30 anos, se a cultura brasileira conseguir sobreviver ao processo de esvaziamento espiritual que a vem degradando continuamente, o filósofo Olavo de Carvalho será lembrado como o grande líder intelectual das últimas gerações. Ainda que a mentalidade revolucionária espalhe o seu domínio absoluto sobre todos os campos do saber, sempre haverá alguém para afirmar – talvez não em voz alta, por causa da patrulha – que o célebre autor de O Imbecil Coletivo resistiu corajosamente à marcha do nosso país rumo ao brejo da barbárie ideológica.

Desde 1994/95, quando lançou os fundamentais A Nova Era e a Revolução Cultural e O Jardim das Aflições, Olavo de Carvalho tem sido uma referência para quem acredita na cultura como expressão dos mais altos valores espirituais de um povo. De 3 a 7 de junho, o professor Olavo reuniu, na sua casa-biblioteca em Richmond (EUA), cinco escritores para discutir a degradação cultural brasileira e os rumos da literatura em língua portuguesa.

Para descobrir se há luz no fim do túnel, ou mesmo se existe um túnel, estiveram em Richmond o crítico literário Rodrigo Gurgel, o cientista político e jornalista Bruno Garschagen, o poeta e ensaísta Ângelo Monteiro e o professor e filósofo português Miguel Bruno Duarte. Este cronista também teve a honra de ser convidado. Lá, ouvi muito mais do que falei; aprendi muito mais do que expressei; testemunhei muito mais do que contribuí.

De certa forma, o encontro em Richmond foi o ápice de uma trajetória iniciada há 18 anos – no tempo em que eu lia escondido os artigos de Olavo, sem ter coragem de confessá-lo aos meus colegas de militância política. Graças a ele, e aos autores que ele indicava, abandonei todos os resquícios da minha mentalidade revolucionária – as escamas dos olhos e os tampões dos ouvidos.

No Evangelho de Mateus, temos a preciosa imagem do grão de mostarda. É a menor entre as sementes da terra, mas se torna a maior das hortaliças, e cria grandes ramos, de tal maneira que as aves do céu podem aninhar-se debaixo de sua generosa sombra. A vida de Olavo é plantar essa semente.

Vivemos tempos difíceis. Tempos profetizados por Gustavo Corção, nos quais “a atividade impera sobre a contemplação, o apetite domina o juízo, a opinião substitui a verdade”. Mas a existência de um pensador como Olavo de Carvalho nos faz ter a certeza de que as portas do inferno não prevalecerão. Não é por acaso que o nome Olavo quer dizer “o sobrevivente”. Já achamos o túnel; procuremos a luz. E que não seja a luz de um ônibus ou um dentista em chamas.

Olavo e a tempestade

Angelo Monteiro

Jornal do Commercio,
13 de setembro de 2012

A maioria dos mestres que conheço se caracteriza mais por sua pose que por seu conhecimento ou, quando muito, o seu conhecimento é a extensão dessa pose que, com frequência, se constitui no único indicativo de sua presença entre os homens. Os nossos mestres se ligam antes às instituições que repres

 entam que ao valor daquilo que dizem defender. Por tudo isso Olavo de Carvalho se torna uma completa exceção, quer como filósofo e autor de obras realmente definitivas, – a exemplo de O imbecil coletivo, O jardim das aflições e Aristóteles em nova perspectiva – quer como professor de filosofia: e uma tal exceção nenhuma universidade, por melhor que fosse, poderia produzir.

Principalmente ao se tratar de alguém que, em suas aulas-conferências, costuma dispensar o uso de quaisquer anotações durante uma exposição oral. E assim aconteceu numa de suas mais recentes aulas, sob a forma de vídeo-conferência, diretamente do endereço onde vive na Virginia, USA, quando ele procurava alinhar, com uma inesgotável paciência, temperada de uma fina argúcia, uma série de argumentos em relação a cada passo das Meditações, de Descartes, demonstrando, ponto por ponto, que as questões levantadas pelo filósofo não poderiam ser respondidas, de modo definitivo, segundo a ótica de seu tempo. Ou esclarecendo melhor: jamais, por extraordinário que tenha sido Descartes, ele poderia visualizar, em todas as consequências, o rumo que elas tomariam no futuro, de acordo com a visão que hoje delas possuímos.

Enquanto ele assim dissertava sobre o pensamento de Descartes para seus milhares de ouvintes e admiradores, uma tempestade acaba de desabar sobre o seu próprio teto no estado da Virginia, de onde essa aula estava justamente sendo transmitida… Como se tentasse, inconscientemente, seguir o exemplo de Jesus ao aplacar uma tempestade, no mar da Galiléia, para espanto dos seus discípulos, Olavo de Carvalho – que parecia até então alheado de tão colossal fenômeno meteorológico – começa em dado momento a informar, com a máxima segurança, para sua seleta assistência, com a imperturbabilidade de um estoico ou de um touro indomável a encarar o furor dos elementos, que as transmissões seriam interrompidas apenas por meia hora, mas que, dentro em pouco, tudo voltaria ao normal…

Dessa forma Olavo consegue enfrentar as tempestades do mundo, com o ar mais impávido que o próprio Cogito cartesiano em face das reviravoltas, quase sempre inesperadas, do tempo e da história…

Truísmo e ostentação

Olavo de Carvalho

25 de agosto de 2012

O último artigo do sr. Júlio Lemos, “Dixit Aristoteles?” é um belo esforço de provar algo de que ninguém discorda. Poderia ser assinado pelo Conselheiro Acácio. Embora todos estejamos sujeitos a fazer alguma citação errada de vez em quando, ou a entender mal alguma sentença latina, grega, hebraica ou árabe (e o próprio sr. Lemos fornece exemplos de como isso é freqüente), ninguém, ex professo, advoga a superioridade das citações imprecisas ou das traduções capengas. Uma coisa é apontar num texto algum erro dessa ordem. Outra coisa é pregar, genericamente, que tais erros não devem ser cometidos. Quando alguém sai defendendo com vigor uma obviedade universal jamais contestada, é porque quer se fazer de sábio perante uma platéia que ignora tudo a respeito (como um navegante renascentista que botasse banca ante os índios do Novo Mundo informando-lhes que o rio Sena atravessa Paris), ou então porque deseja lançar no ar uma vaga suspeita contra algum autor no qual, infelizmente, não encontrou nenhum erro determinado. Como não quero mal ao sr. Lemos, aposto na primeira hipótese. Só sugiro a esse articulista que, antes de posar de fiscal da erudição grega ou latina dos outros, aprenda o próprio idioma: um sujeito que escreve “intervia” em vez de “intervinha” deveria ser mais modesto nas suas pretensões doutorais.

Quanto ao comentário do sr. Adriano Correia, talvez seja bom lembrar que para ser filósofo é preciso ser também um homem adulto, coisa que ele nunca será. Um homem adulto, ou pelo menos aspirante a adulto, quando quer falar mal de alguém, cita-lhe o nome e aponta local, data e natureza do erro que nele critica. Um menino amedrontado, como o sr. Correia, se esconde no colinho da mamãe e faz insinuações genéricas com nome de destinatário implícito, para induzir os leitores a uma conclusão pela qual não tem a coragem de assumir responsabilidade.

Uma vez, numa discussão com o sr. Paulo Ghiraldelli, citei Platão no texto grego da Loeb Classics. Daí o sr. Correia conclui que “esses tais de ‘retóricos’, que geralmente são especializados em múltiplos assuntos (digamos, da astrologia à política internacional), sempre que recorrem ao texto grego citam-no da Loeb”, sugerindo por alto, como quem dá o tapa e esconde a mão, que desconheço “a existência de aparatos críticos e variadas edições de texto”, especialmente a de Immanuel Bekker, que ele e o sr. Lemos proclamam “insuperável”, mas da qual não demonstraram, até agora, ter qualquer conhecimento senão por ouvir falar.

Ora, quem conhece o sr. Paulo Ghiraldelli sabe que mesmo a edição Loeb, que é bilingüe, está infinitamente acima da esfera de interesses dele, cujo topo é o baixo ventre. Jogar o Bekker em cima daquela cabeça de minhoca seria um exagero grotesco de exibicionismo erudito perfeitamente deslocado da situação. Prefiro guardar essa preciosa edição para minha consulta pessoal, como faço desde 1990, quando a adquiri, numa época em que o sr. Correia ainda sujava fraldas como não parou de fazer desde então. Aliás, o sr. Correia, se é tão criterioso nas citações, não deveria fazer insinuações contra um autor que ele nem mesmo leu. No meuAristóteles em Nova Perspectiva refiro-me expressamente à edição Bekker, já então minha velha companheira, insistentemente vasculhada com o auxílio do Dicionário de Bailly e da comparação com pelo menos duas  traduções (Barnes e Tricot) para evitar, justamente, o risco das interpretações frouxas, do qual nem por isso me considero tão vacinado quanto os srs. Lemos e Correia. Não sou nenhum especialista em filologia grega, mas, garanto, minha familiaridade com essa edição (v. foto) vem de bem mais longe que a dessas duas criaturas, que no máximo lhe lamberam rapidamente umas quantas páginas em alguma biblioteca, isso na improvável hipótese de que tenham algum dia chegado a tocá-la.

Nem me passa pela cabeça contestar a tese genérica de que sem algum treino filológico é impossível interpretar seriamente qualquer texto da filosofia antiga. O que não apenas contesto, mas denuncio como farsa intolerável, é o uso desse truísmo como instrumento de ostentação de superioridade por parte de dois indivíduos que até hoje não nos forneceram um exemplo sequer, por mínimo que fosse, nem das habilidades filológicas que se arrogam, nem de qualquer proficiência no exame de alguma questão filosófica para além dos meros exercícios escolares e arrotos bloguísticos.

No mínimo, deveriam lembrar-se de que não estão discutindo com um amador, mas com o autor de pelo menos uma investigação de filosofia antiga que foi louvada por estudiosos da estatura de Alexandre Costa Leite, Mendo Castro Henriques, Jody Bruhn e Tudor Munteanu, além de escolhida (a convite) para apresentação no Unilog I, First World Congress and School on Universal Logic I, em Montreux, Suíça, 2005.

Quando tiverem fortalecido seus currículos com alguma realização desse porte, ainda assim esses dois senhoritos não estarão habilitados a falar de cima a alguém com o qual terão então apenas se ombreado com décadas de atraso.

Até lá, são duas nulidades arrotando grandeza. Nada mais. Nenhuma modéstia do mundo lhes seria excessiva, tal a miséria das suas realizações.

Especialmente o sr. Correia capricha no ridículo quando, na mesma mensagem em que se pavoneia de muito exato e rigoroso, se permite aludir com despeito a escritos meus sobre astrologia e política internacional, sabendo por dentro, e disfarçando por fora, que não pode discuti-los porque nada estudou dessas matérias e nem tem idéia muito clara do que penso a respeito. Errar nas nuances de um termo grego, como tantos filósofos ilustres erraram, será delito mais grave do que fazer pose de superior em domínios nos quais nunca se demonstrou a menor proficiência e nem sequer um pouquinho de conhecimento?

Será preciso mais para tornar evidente que se trata de um palhaço ostentador, de um saco de vento, de um pequeno aprendiz de charlatão?

P. S. – Tenho recebido, de um jovem de dezoito anos, cujo nome não revelarei por enquanto, mensagens que aprofundam a minha investigação dos “quatro discursos de Aristóteles” desde uma perspectiva histórico-filológica que vai muito além do que pude abranger naquele ensaio. Lemos e Correia, juntos, nunca fizeram nada que se comparasse, nem de longe, ao que esse garoto tem me ensinado. E no entanto ele se dirige a mim com o respeito que se deve a um antecessor, e que é, no intercâmbio acadêmico, a primeira prova de honestidade intelectual.  

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