Yearly archive for 2009

Os novos demiurgos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de outubro de 2009

O que torna ainda mais odioso o dirigismo estatal na educação, universalmente buscado e ardentemente defendido pelos sapientíssimos intelectuais de esquerda, é que ele desmente da maneira mais flagrante e cínica o discurso educacional esquerdista de três ou quatro décadas atrás, do qual eles se serviram como puro instrumento de sedução, prontos a jogá-lo fora na primeira oportunidade, como estão fazendo agora.

Nos anos 60, 70, os mais destacados próceres da pedagogia esquerdista posavam de libertários, acusando a “educação burguesa” de ser um aparato de dominação que sacrificava o livre desenvolvimento intelectual e emocional das crianças em favor de objetivos de mero poder político-econômico.

A acusação, verdadeira quanto a alguns casos isolados bem pouco significativos, observados quase sempre em grotescas ditaduras de Terceiro Mundo (por ironia, sempre mais estatistas do que pró-capitalistas), era completamente falsa quando generalizada a toda a “civilização ocidental” ou mesmo a qualquer das grandes democracias capitalistas em particular — mas seus porta-vozes insistiam em ampliar-lhe o alcance ilimitadamente, dando-lhe foros de teoria científica geral.

No mínimo, a educação ocidental não podia de maneira alguma ser pura dominação de classe, pela simples razão de que se amoldava, com humilde reverência, a valores e critérios velhos de séculos e milênios, muito anteriores e estranhos a qualquer “interesse burguês”, como por exemplo a moral judaico-cristã, a arte clássica, medieval e renascentista, o ideal aristotélico da ciência racional e o direito romano.

Justamente ao contrário do que proclamavam os acusadores, por toda parte a educação e a alta cultura eram um freio às ambições cruas dos capitalistas mais assanhados, forçando-os pela pressão moral da sociedade — especialmente nos EUA — a sacrificar boa parte de suas fortunas em doações para museus, escolas, fundações educacionais e institutos de pesquisa empenhados nas atividades mais alheias a qualquer imediatismo dinheirista ou interesse de classe.

Não deixa de ser significativo que o projeto educacional mais bem sucedido da história americana tenha sido o dos liberal arts colleges, hoje espalhados por toda parte nos EUA e responsáveis diretos pela vitalidade cultural do país, que não transmitem a seus estudantes nenhuma “ideologia burguesa” ou técnica utilitária, mas o modelo de alta cultura desenvolvido na tradição greco-romana e medieval do trivium, do quadrivium, da filosofia e das belas artes. Se a educação americana tencionasse mesmo criar servos mecanizados do capital, não se esforçaria tanto para infundir nos estudantes as virtudes dos estadistas romanos e a acuidade crítica dos eruditos escolásticos. E notem que isso não vem de hoje. Eric Voegelin, ao estudar em Columbia entre 1924 e 1926, teve a grata surpresa de descobrir que estava num país onde Platão, Aristóteles, o direito romano e a teologia cristã não eram assuntos só para acadêmicos, mas presenças vivas nos debates públicos.

Ademais, como já observei aqui a propósito de um daqueles teorizadores do inexistente (Pierre Bourdieu), se os burgueses quisessem mesmo fazer da educação um instrumento de dominação de classe, deveriam ter ao menos elaborado um plano de engenharia social nesse sentido, e as marcas do trabalho desenvolvidos para isso — organizações, atas de assembléias, publicações, orçamentos — deveriam ser visíveis por toda parte, quando o fato é que nada dessa papelada existe nem existiu jamais, o próprio Bourdieu sendo incapaz de citar um só documento que ateste alguma premeditação técnica por trás da alegada “máquina de reprodução”. A única possibilidade de dar razão à sua teoria seria apostar na hipótese de que o controle burguês da educação se construiu por transmissão inconsciente e muda, como que por telepatia (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html).

Em todo caso, o ódio que esse e outros pop stars intelectuais do esquerdismo votavam àquele fantasma de sua própria invenção fazia com que parecessem, em comparação com ele, os maiores defensores da liberdade e criatividade infantis, supostamente ameaçadas pelo dirigismo mental do “aparato ideológico burguês”. Alguns deles chegavam mesmo, como o Pe. Ivan Illitch, a pregar a “desescolarização” integral da sociedade, a supressão pura e simples do sistema educacional, o advento do homeschooling universal. Alexander S. Neill, um discípulo do psiquiatra e doente mental marxista Wilhelm Reich, anunciava provar que “a liberdade funciona”, usando crianças como cobaias de um experimento desastroso — uma escola onde meninos de cinco anos de idade tomavam decisões administrativas e fumavam durante as aulas, enquanto seus colegas mais velhos preferiam masturbar-se no pátio diante dos olhos complacentes de professores e funcionários. Logo após a morte do fundador, os alunos deram um passo adiante na conquista da liberdade: atearam fogo à escola.

Não por coincidência, esses protetores da meninada ocidental nunca se preocuparam muito com as crianças da URSS, da China e de Cuba, forçadas diariamente a repetir slogans e a fiscalizar-se umas às outras como pequenos policiais, em busca de sinais de desvio ideológico mirim.

Quando, por fim, o Império Soviético veio abaixo, seguiu-se a isso a tremenda ascensão do esquerdismo no Ocidente. Aí os intelectuais ativistas, no poder ou próximos dele, trataram de se livrar do velho libertarismo fingido e encarar a sério a “construção do socialismo”. Para isso era preciso admitir que “a liberdade não funciona” e que a educação tem de ser, conforme as recomendações de Antonio Gramsci, um dócil instrumento nas mãos do partido-Estado. Passaram em suma a praticar, na realidade e mil vezes aumentado, o delito que antes atribuíam falsamente à educação burguesa. É sempre assim: quando essa gente planeja um crime, a primeira coisa que faz é acusar dele algum inocente, a título preventivo, para que quando o crime venha mesmo a ser praticado o público se recuse a enxergá-lo, acreditando que é um mal já superado, de outra época. Não por coincidência, os valores universais que antes preservavam a educação de transformar-se em instrumento da ideologia de classe são agora jogados ao lixo. Claro: revolucionários iluminados, imunes aos escrúpulos da burguesia, não iriam deixar-se inibir por tradições milenares — para eles, meras “construções culturais” tão desprovidas de fundamento quanto as doutrinas que eles próprios inventam. Com a maior desenvoltura, a nova pedagogia estatal cria do nada novos códigos morais, novos padrões de conduta e julgamento, os mais postiços, insensatos e disformes que se possa imaginar, punindo e marginalizando a criança que não se adapte aos mandamentos da recém-criada “socialização” invertida. Como disse o diretor de Concepções e Orientações Curriculares do Ministério da Educação, Carlos Artexes Simões, a escola está aí para “construir um Estado republicano”. De seres livres e inventivos, como as proclamavam os Illichs e os Neills, as crianças transformaram-se em tijolos, blocos de argila mudos e passivos nas mãos dos novos demiurgos: Carlos Artexes Simões e similares.

Olavo de Carvalho explains Lula and the Sao Paulo Forum

V-Crisis (Alek Boyd) interviews Olavo de Carvalho

October 22, 2009

Alek Boyd: Perhaps you remember Olavo that, in November 2005, we were part of a small group of people who were invited to brief former US Assistant Secretary of State for Western Hemisphere Affairs Tom Shannon, about the political situation in our respective countries. I do remember, very vividly, your warnings about Lula during that particular meeting. With the passing of time, I must say how pleasantly surprised I am with the turn of perception vis-a-vis Hugo Chavez. Mind you, in November 2005, the DoS still harboured the notion that he was a democrat, purportedly just like Lula. However, recent developments in Honduras show that Lula is as keen on interfering in other countries internal affairs, as his Venezuelan counterpart. Yet one would be hard pressed to conclude, by way of how mass media portrays the Brazilian president, that such is in fact the case. For this reason, taking into account that you are Brazilian, and that you have been following your country’s politics for longer than most reporters are aware of Lula’s very own existence, I would like to ask you a few things about him, starting with: why do you think the media is given him such benign treatment? Most analysts and media types believe that Lula is a moderate, a democrat. How do you reconcile that with, for instance, the foundation by Lula, at Fidel Castro’s personal request, of the Foro de Sao Paulo (FSP)?

There is nothing there to be properly reconciled. The image and the reality, in that case, are in complete contradiction to each other. The legend of Lula, as a democrat and a moderate, only holds up thanks to the suppression of the most important fact of his political biography, the foundation of the São Paulo Forum. This suppression, in some cases, is fruit of genuine ignorance; but in others, it is a premeditated cover-up. Council of Foreign Relations’ expert on Brazilian issues, Kenneth Maxwell, even got to the point of openly denying the mere existence of the Forum, being confirmed in this by another expert on the subject, Luiz Felipe de Alencastro, also at a conference at the CFR. I do not need to emphasize the weight that CFR’s authority carries with opinion-makers in the United States. When such an institution denies the most proven and documented facts of the Latin American history of the last decades, few journalists will have the courage of taking the side of facts against the argument of authority. Thus, the São Paulo Forum, which is the vastest and most powerful political body that has ever existed in Latin America, goes on unknown to the American and, by the way, also worldwide public opinion. This fact being suppressed, the image of Lula as a democrat and a moderate does indeed acquire some verisimilitude. Note that it was not only in the United States that the media has covered up the existence and the activities of the Forum. In Brazil, even though I published the complete minutes of the assemblies of that entity, and frequently quoted them in my column in the prestigious newspaper O Globo, from Rio de Janeiro, the rest of the national media en masse either kept silent, or ostensibly contradicted me, accusing me of being a radical and a paranoid. When at last President Lula himself let the cat out of the bag and confessed to everything, his speech, published on the president’s official website, was not even mentioned in any newspaper or TV news show. Shortly afterwards, however, the name “São Paulo Forum” was incorporated into video advertisements of the ruling party, becoming thus impossible to go on denying the obvious. Then, they moved on to the tactic of harm management, proclaiming, against all evidence, that the São Paulo Forum was only a debate club, with no decisional power at all. The minutes of the assemblies denied it in the most vehement manner, showing that discussions ended up becoming resolutions, unanimously signed by the members present. Debate clubs do not pass resolutions. What’s more, the same presidential speech I have just mentioned also disclosed the decisive role that the Forum played in the sense of putting and keeping Mr. Hugo Chávez in power in Venezuela. Nowadays, in Brazil, nobody ignores that I told the truth about the São Paulo Forum and the rest of the media lied.

On the other hand, it is clear that Lula and his party, being the founders and the strategic centre of the Forum, had to keep a low profile, leaving to more peripheral members, like Hugo Chávez and Evo Morales, the flashiest or most scandalous part of the job. Hence, the false impression that there are “two lefts” in Latin America, one democratic and moderate, and the other radical and authoritarian. There are two lefts, indeed, but they are rather the one that commands, and the other that follows the first’s orders and thereby risks its own reputation. All that the Latin American left has done in the last nineteen years was previously discussed and decided in the Forum’s assemblies, which Lula presided over, either directly until 2002, or through his deputy, Marco Aurélio Garcia, afterwards. The strategic command of the Communist revolution in Latin America is neither in Venezuela, nor in Bolivia, nor even in Cuba. It is in Brazil.

Once the fact of the existence of the São Paulo Forum was suppressed, what has given even more artificial credibility to the legend of the “two lefts” was that the Lula administration, very cunningly, concentrated its subversive efforts upon the field of education, culture, and custom, which only affect the local population, prudently keeping, at the same time, an “orthodox” economic policy that calmed down foreign investors and projected a good image of the country to international banks (a double-faced strategy inspired, by the way, in Lenin himself). Thus, both the subversion of the Brazilian society and the revolutionary undertakings of the São Paulo Forum managed, under a thick layer of praise for President Lula, to pass unnoticed by the international public opinion. Nothing can illustrate better the duplicity of conduct to which I refer than the fact that, in the same week, Lula was celebrated both at the World Economic Forum in Davos, for his conversion to Capitalism, and at the São Paulo Forum, for his faithfulness to Communism. It is quite evident, then, that there is one Lula in the local reality and another Lula for international consumption.

Alek Boyd: Could you expand a bit on the sort of organization the FSP is, and the democratic credentials of some of its members?

The São Paulo Forum was created by Lula and discussed with Fidel Castro by the end of 1989, being founded in the following year under the presidency of Lula, who remained in the leadership of that institution for twelve years, nominally relinquishing it in order to take office as president of Brazil in 2003. The organization’s goal was to rebuild the Communist movement, shaken by the fall of the USSR. “To reconquer in Latin America all that we lost in East Europe” was the goal proclaimed at the institution’s fourth annual assembly. The means to achieve it consisted in promoting the union and integration of all Communist and pro-Communist parties and movements of Latin America, and in developing new strategies, more flexible and better camouflaged, for the conquest of power. Practically, since the middle of the 1990’s, there has been no left-wing party or entity that has not been affiliated with the São Paulo Forum, signing and following its resolutions and participating in the intense activity of the “work groups” that hold meetings almost every month in many capital cities of Latin America. The Forum has its own review, America Libre (Free America), a publishing house, as well as an extensive network of websites prudently coordinated from Spain. It also exercises unofficial control over an infinity of printed and electronic publications. The speed and efficacy with which its decisions are transmitted to the whole continent can be measured by its ongoing success in covering up its own existence, over at least sixteen years. Brazil’s journalistic class is massively leftist, and even the professionals who are not involved in any form of militancy would feel reluctant to oppose the instructions that the majority receives.

The Forum’s body of members is composed of both lawful parties, as the Brazilian Workers’ Party itself, and criminal organizations of kidnappers and drug traffickers, as the Chilean MIR (Movimiento de la Izquierda Revolucionaria) and the FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia). The first is responsible for an infinity of kidnappings, including those of two famous Brazilian businessmen; the latter is practically the exclusive controller of the cocaine market in Latin America nowadays. All of these organizations take part in the Forum on equal conditions, which makes it possible that, when agents of a criminal organization are arrested in a country, lawful entities can immediately mobilize themselves to succour them, promoting demonstrations and launching petition campaigns calling for their liberation. Sometimes the protection that lawful organizations give to their criminal partners goes even further, as it happened, for example, when the governor of the state of Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, an important member of the Workers’ Party, hosted a FARC commander as a guest of state; or when the Lula administration granted political asylum to the agent of connection between the FARC and the Workers’ Party, Olivério Medina, and a public office to his wife. Sometime before, Medina had confessed to having brought an illegal contribution of $5 million for Lula’s presidential campaign.

The rosy picture of Brazil that has been painted abroad is in stark contrast with the fact that from 40,000 to 50,000 Brazilians are murdered each year, according to the UN’s own findings. Most of those crimes are connected with drug trafficking. Federal Court Judge Odilon de Oliveira has found out conclusive proofs that the FARC provides weaponry, technical support, and money for the biggest local criminal organizations, as, for instance, the PCC (Primeiro Comando da Capital), which rules over entire cities and keeps their population subjected to a terror regime. Just as I foretold after the first election of Lula to the presidency in 2002, the federal administration, since then, has done nothing to stop this murderous violence, for any initiative on the government’s part in that sense would go against the FARC’s interest and would turn, in a split second, the whole São Paulo Forum against the Brazilian government. In face of the slaughter of Brazilians, which is more or less equivalent to the death toll of one Iraq war per year, Lula has kept strictly faithful to the commitment of support and solidarity he made to the FARC as president of the São Paulo Forum in 2001.

Alek Boyd: Why do you think worldwide media didn’t pick up on the fact that Lula’s presidential campaign was illegally funded, to the tune of $3 million, by Fidel Castro, as exposed by Veja?

In face of facts like these, it is always recommendable to take into account the concentration of the ownership of the means of world communication, which has happened over the last decades, as it has been described by reporter Daniel Estulin in his book about the Bilderberg group. Even the more distracted readers have not failed to notice how the opinion of the dominant world media has become uniform in the last decades, being nowadays difficult to perceive any difference between, say, Le Figaro and L’Humanité concerning essential issues, as, for example, “global warming,” or the advancement of new leaderships aligned with the project for a world government, as, for example, Lula or Obama. Never as today has it been so easy and so fast to create an impression of spontaneous unanimity. And since the CFR proclaims that the São Paulo Forum does not exist, nothing could be more logical than to expect that the São Paulo Forum disappears from the news.

Alek Boyd: Other analysts have made the preposterous argument that foreign intervention, imperialism by any other word, has never characterized Itamaraty’s policy. In light of “union leader” Lula’s direct intervention in helping Chavez overcome the strike in 2002-03 by Venezuelan oil workers, by sending tankers with gasoline, how would you explain such blatant ignorance?

Itamaraty’s traditions, however praised they were in the past, no longer mean anything at all. Today, the Brazilian diplomatic body is nothing but the tuxedoed militancy of the Workers’ Party. At the same time, the intellectual level of our diplomats, which had been a reason of pride since the times of the great baron of Rio Branco, has formidably declined, to the point that nowadays the intellectual leadership of the class is held by geniuses of ineptitude, such as Samuel Pinheiro Guimarães. No wonder then that everywhere now our ambassadors are simple agents of the São Paulo Forum. It cannot be said that this properly expresses Brazilian imperialism, for our Ministry of Foreign Relations does not hesitate to sacrifice the most obvious national interests before the altar of a more sublime value, which is the solidary union of the Latin American left. There is no Brazilian imperialism, but rather São Paulo Forum’s imperialism.

Alek Boyd: Do you think Marco Aurelio Garcia is behind Zelaya’s return to Honduras, as has been alleged? If yes, it is evident that is a matter of a FSP member coming to the rescue of a fallen comrade, but what’s in it for Brazil?

The Brazilian government denies having something to do with that, but Zelaya himself confessed that his return to Honduras had been previously arranged with Lula and his right-hand man, Marco Aurélio Garcia. The most evident thing in the world is that this grotesque installation of Zelaya in the Brazilian embassy is an operation of the São Paulo Forum.

Alek Boyd: Given that Tom Shannon is now US Ambassador to Brazil, would you reiterate what you told him about Lula, and his partners in crime, in November 2005, or would you advise differently?

Tom Shannon did not pay due attention to us in 2005 and this was, no doubt, one of the causes of the aggravation of the Latin American situation since then. It is likely that he read Maxwell’s and Alencastro’s speeches at the CFR, and thought that such a prestigious institution deserved more credibility than a handful of obscure Latin American scholars with no public office or political party. Unfortunately, we, not the CFR, were the ones who were right.

Alek Boyd: Finally, as in the case of Chavez, has Lula done enough institutional damage to remain in power, or will he hand over power democratically?

The alternation in presidential power no longer has any great meaning, for the two dominant parties, the Workers’ Party and the Brazilian Social Democratic Party, act in concert with each other and, despite minor differences in the administrative economic field, they are equally faithful to the overall strategy of the Latin American left. Lula himself has celebrated as a big victory of democracy the fact that there are only leftist candidates for the 2010 presidential elections, as if the monopoly of the ideological control of society were a great democratic ideal. On the other side, the most celebrated of the so-called “opposition” leaders, former president Fernando Henrique Cardoso, has already acknowledged that between his party and the Workers’ Party there is no substantive ideological or strategic difference, but only a contest for offices. It matters little who will win the next elections, for, in any event, the orientation of the Brazilian government must remain the same: in the social and juridical field, overpowering subversion; in the economic field, moderation to anesthetize foreign investors. The only difference that may arise is in the field of security, in the case that the candidate of the Brazilian Social Democratic Party, José Serra, wins, for his party, despite being as much a left-wing party as the Workers’ Party, does not formally belong to the São Paulo Forum, being therefore free to do things against organized crime, which Lula himself could never do. As governor of the state of São Paulo, Serra showed to be the only Brazilian political leader who pays attention to the slaughter of his fellow-countrymen. It is still early to know whether or not he will be able to do what he did in his state, but it is certain that he would wish to do it.

Bondade mesquinha

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de outubro de 2009

Nosso presidente, que jamais derramou uma lágrima pelos 40 mil brasileiros assassinados anualmente e muito menos fez algo para protegê-los, derreteu-se em prantos ante a escolha do Rio para sede dos próximos Jogos Olímpicos. Não é a primeira vez que ele dá mostras de sua notável capacidade lacrimejante. Ele chorou duplamente ao ser eleito e ao ser empossado, chorou vezes inumeráveis ao anunciar do alto dos palanques seus planos de governo, chorou no enterro do deputado petista Carlos Wilson, no das vítimas da chuva em Sta. Catarina e no dos mortos do acidente em Alcântara, chorou ao inaugurar o projeto “Luz Para Todos”, chorou ao enaltecer seus próprios feitos num encontro de estudantes em São Paulo, chorou no Senegal dizendo que era de arrependimento pela escravatura, chorou ao prometer acabar com o desemprego em 2003 e depois novamente em 2006 (os desempregados continuam chorando até agora), e chorou quando o deputado Roberto Jefferson lhe falou do Mensalão: soluçou tão convulsivamente que ficou até parecendo que era o último a saber do imbroglio. São apenas amostras colhidas a esmo. Digitando “Lula chora” no Google obtive 29.600 respostas, e ante a mera perspectiva de examiná-las uma a uma quem sente ganas de chorar sou eu.

Diante dessa torrente de lágrimas, seria injusto negar que o sr. presidente tenha bons sentimentos. Que os tem, tem. O problema é que são morbidamente seletivos: para seus companheiros de militância, para os grupos sociais onde espera recrutar eleitores, e sobretudo para si próprio, coitadinho, é uma comoção arrebatadora, um enternecimento irresistível, um transbordamento de compaixão sem fim. Para os demais, tudo o que ele tem a oferecer é aquela forma requintada de crueldade passiva que se chama a indiferença. Incluem-se nessa categoria os 40 mil acima mencionados, as crianças brasileiras envenenadas pelas drogas das Farc, os malditos 17 mil reacionários fuzilados por seu amigo Fidel Castro e sobretudo as vítimas do terrorismo nacional, cujas famílias vivem no mais abjeto esquecimento enquanto os assassinos de seus pais e avós se empanturram de verbas federais, seja na condição de “indenizados”, seja na de ministros, senadores, deputados, chefes de gabinete etc. etc. etc.

Longe de mim a suspeita de que as lágrimas de S. Excia. sejam fingidas. É justamente a espontaneidade delas que mostra o quanto os bons instintos presidenciais são seletivos, daquela seletividade natural e até inconsciente que revela, num instante, uma personalidade, a forma inteira de uma alma e de uma consciência. Se essa seletividade privilegia, enfatiza e enaltece com naturalidade espantosa os interesses político-publicitários do sr. presidente e ao mesmo tempo o torna cego e insensível para tudo o mais, não é porque haja nela alguma premeditação astuta, mas, bem ao contrário, é porque, simplesmente, ele é assim.

Sua consciência moral, em suma, é deformada pelo longo hábito, meio partidário, meio mafioso, da separação estanque entre os “amigos” e os “outros”, entre “gente nossa” e “aquela gente”. Se seus acessos de bondade vêm a ser sempre politicamente oportunos, não é porque ele os planeje, mas porque, no fundo da sua alma, ele não consegue conceber o bem senão sob a forma estreita e específica de uma estratégia partidária, sendo perfeitamente indiferente a tudo o que fique fora ou acima dela.

Especialmente acima. A prova mais patente da sua insensibilidade a quaisquer valores que transcendam a luta partidária veio logo após sua audiência com o Papa — momento culminante na vida de todo fiel católico –, quando, tendo comungado sem confessar, redobrou a blasfêmia ao fazer chacota do ocorrido, dizendo que assim procedera por ser alma sem pecados. Para esse homem, até mesmo a religião que diz professar ardentemente não tem nenhum significado em si mesma, o Deus que ele diz adorar não tem nenhuma autoridade moral para julgá-lo, devendo antes amoldar-se com humildade à condição de personagem de piada instrumental ad majorem Lulis gloriam. Que depois, na África, ele exiba arrependimento por uma escravatura que jamais praticou, e faça acompanhar suas lágrimas da conveniente citação papal, eis aí a prova de que, na escala da sua consciência, sua alma cristã tem mais satisfações a prestar ante o auditório imediato do que ante o Juízo Final.

Subjugando ao oportunismo partidário mesmo aquilo que há de mais alto e venerável, suas efusões de bondade não são senão expressões visíveis de uma mesquinharia profunda, de uma pequenez de alma que, para dizer o mínimo, não é um bom exemplo para se dar às crianças.

Desprovido, ao menos aparentemente, da truculência natural de um Fidel Castro ou de um Pol-Pot, bem como da fanfarronice histriônica de um Hugo Chávez, esse homem traz no coração, como eles, aquela típica mistura de insensibilidade moral e sentimentalismo kitsch que caracteriza os sociopatas. Sua indiferença ao sofrimento real dos estranhos ao seu círculo de interesses contrasta de tal modo com suas tiradas de autopiedade obscena e com seu emocionalismo à flor da pele nas ocasiões politicamente convenientes, que não vejo como escapar à conclusão de que S. Excia. é uma alma deformada, cuja feiúra, exibida com ingênuo despudor a cada novo pronunciamento seu, condensa simbolicamente a miséria geral da época.

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