Yearly archive for 2006

Sociopatia e revolução

Olavo de Carvalho


Diário do Comércio, 23 de outubro

Com toda a sua presunção e arrogância, a ciência social moderna não conseguiu produzir nenhuma descoberta que se aproximasse, em exatidão e força explicativa, da doutrina hindu das quatro castas, da qual a concepção marxista da luta de classes é uma imitação caricatural e remota, daí derivando a impressão de veracidade que possa exercer sobre a mente simplória do “proletariado intelectual” universitário.

É impossível, a quem tenha se dado o trabalho de estudar um pouco a explicação hinduísta do processo histórico, observar a seqüência das estruturas de poder que se sucedem ao longo da história ocidental sem notar que ela repete ipsis litteris a transição do governo brâhmana para o kshatryia, deste para o váishyia e deste para o desgoverno shudra e para a confusão dos párias que prenuncia ou o fim da sociedade ou o retorno à ordem inicial.

Vou aqui resumir brevemente essa doutrina, não como ela é em sua pura formulação originária, mas na adaptação que lhe dei, em cursos e conferências proferidos desde 1980, para torná-la mais flexível como instrumento explicativo de processos histórico-culturais mais recentes.

Os brâhmana são a casta intelectual, voltada à busca do conhecimento espiritual e à construção de uma ordem social que reflita mais ou menos a “vontade de Deus” – as leis que determinam a estrutura inteira da realidade.

Os kshatryia são os guerreiros e aristocratas, que sobrepõem à estrutura da realidade a glorificação das suas próprias tradições dinásticas e a expansão do seu poder militar.

Os váishyia são os burgueses e comerciantes. Buscam em tudo o lucro e a eficácia econômica, que tomam ilusoriamente como um poder efetivo, ignorando as bases militares e espirituais da sociedade e terminando por ser rapidamente destruídos pelos shudra. Estes são os “proletários”, no sentido romano do termo. Incapazes de governar-se a si mesmos, importam somente pelo poder do número, pela extensão quantitativa da “prole”.

Os brâhmana caem pela sua dificuldade de manter-se fiéis à intuição espiritual originária, esfarelada entropicamente em confrontações doutrinais de um artificialismo sufocante, cada vez mais insolúveis e violentas.

A ascensão do poder aristocrático, com a formação dos modernos Estados nacionais, nasceu diretamente da necessidade de apaziguar os conflitos religiosos por meio de uma força externa, político-militar.

O governo kshatryia cai porque o establishment aristocrático-militar é um poder essencialmente centralizador e expansionista, que tem de se apoiar numa burocracia crescente cujos funcionários ele próprio não pode continuar fornecendo indefinidamente e que ele colherá, portanto, entre os membros mais talentosos das duas castas inferiores, aos quais dará o adestramento necessário para o exercício de suas novas funções administrativas, judiciais, diplomáticas etc. Daí nasce a “intelectualidade” moderna, como subproduto de um sistema de ensino voltado à formação de funcionários para o Estado. Por outro lado, tão logo a burocracia se consolida como meio de ascensão social, os candidatos a ela são sempre em número maior do que os cargos disponíveis, ao mesmo tempo que o ensino, sendo ele próprio um instrumento de seleção, tem necessariamente de atingir um círculo maior de alunos do que aqueles aos quais pode garantir um cargo no funcionalismo público. A burocracia com que o Estado kshatryia controla a sociedade torna-se assim uma bomba de efeito retardado. De um lado, não é preciso dizer que a intelectualidade burocrática logo tem em suas mãos o controle efetivo do Estado, sonhando em sacudir de seus ombros o jugo de uma casta aristocrática cada vez mais ociosa e dispendiosa. De outro lado, há a multidão dos rejeitados. Suas ambições foram despertadas pelo ensino, frustradas pela seleção profissional. Eles formam o contingente daquilo que denominei “burocracia virtual” – o exército crescente daqueles indivíduos relativamente adestrados, mas sem função. Seu único lugar possível na sociedade é dentro do Estado, mas o Estado não tem lugar para eles. Eles são a classe revolucionária por excelência, o personagem central da aventura moderna. Não demorarão a sonhar com um Estado amoldado às suas necessidades. Enquanto não conseguem criá-lo, ocupam-se de tagarelar infindavelmente sobre todos os assuntos, espalhando por toda a sociedade seu rancor e suas frustrações e, sobretudo, adornando-se usurpatoriamente do prestígio dos antigos brâhmana, dos quais constituem a caricatura invertida. Os “intelectuais” são o clero leigo da Revolução. Se vocês já ouviram falar em PT, sabem do que estou falando. Mais adiante voltarei a isso.

Por outro lado, o Estado aristocrático custa caro e não pode se manter indefinidamente com os recursos de uma economia agrária tradicional e simplória; a expansão econômica requer a mobilização de capacidades específicas que são as dos váishya. Os banqueiros e industriais fornecem a nova base econômica do Estado, arregimentando a mão-de-obra shudra em proporções jamais sonhadas antes e substituindo à antiga economia agrária o moderno capitalismo.

É nesse momento – e só sob esse aspecto — que a diferença entre dois sistemas de propriedade dos meios de produção se torna determinante historicamente, criando uma situação peculiar que Karl Marx projetará enganosamente sobre todo o curso da História. Mas também é claro que a ascensão do capitalismo, em si, não apresenta risco para a classe aristocrática, a qual facilmente se adapta aos novos modos de adquirir riqueza e integra nas suas fileiras, por meio de casamentos e da distribuição de títulos nobiliárquicos, os novos ricos ascendidos sem nobreza ancestral, sine nobilitate (abreviatura s. nob., donde o termo “esnobe”). A essa adaptação corresponde, politicamente, a passagem do Estado monárquico absoluto à moderna monarquia parlamentar, um processo que não tem por que ser violento ou traumático, só vindo a sê-lo na França porque o crescimento excessivo da burocracia estatal tinha ocasionado fatalmente um crescimento ainda maior da “burocracia virtual” e transformado em puro rancor revolucionário as ambições frustradas da intelectualidade. Foi esta que fez a revolução. Não havia um só capitalista entre os líderes revolucionários, e a burguesia, como se viu na Inglaterra, jamais precisou de revolução nenhuma para se elevar socialmente a um status ao qual a própria aristocracia a convidava insistentemente. O conceito de “revolução burguesa” é uma das maiores fraudes da história das ciências sociais. Os componentes da burocracia virtual, por sua vez, não podem ser definidos economicamente. Seu único traço em comum era a educação que os diferenciava da massa. Vinham de todas as classes – do campesinato, do antigo clero, da pequena burguesia, dos setores empobrecidos da própria aristocracia. Não tinham unidade de origem, mas de situação social e ambições. A fórmula verdadeira da sua unidade residia no futuro: na imagem do Estado perfeito, investido de todas as virtudes que eles próprios julgavam encarnar. Vivendo de fantasia autoglorificante, compensação psicológica de sua posição social vexatória, não é de estranhar que se concebessem como herdeiros da autoridade intelectual dos brâhmana mas também se imaginassem os sucessores naturais da Igreja como porta-vozes e protetores dos pobres e oprimidos, os shudra. Por toda parte falam em nome da “ciência”, mas também da “justiça social”. Imaginam encarnar ao mesmo tempo a autoridade espiritual mais alta e os direitos espezinhados da casta mais baixa. Mas assim como não houve burgueses na vanguarda da “revolução burguesa”, não haverá proletários entre os líderes da “revolução proletária”. Toda a sociologia revolucionária é uma fraude ideológica destinada a encobrir o poder dos “intelectuais”. Estes não são casta nenhuma. São uma interface nascida acidentalmente do inchaço canceroso da burocracia, e por isso mesmo lutarão para fazê-la crescer ainda mais onde quer que adquiram os meios para isso. São, a rigor, párias – uma mescla confusa e delirante de fragmentos de discursos das várias castas. São a pseudo-casta sem função nem eixo, sociopática por nascimento e vocação.

A ascensão da burguesia capitalista não é um processo revolucionário. É um longo e complexo processo de incorporação e adaptação. O capitalismo francês nasceu e permaneceu raquítico por causa da Revolução, que veio com a expansão burocrática e continuou vivendo dela até hoje, numa nação que é, por excelência, o paraíso dos “intelectuais”. O capitalismo desenvolveu-se, isto sim, na Inglaterra, onde a aristocracia se adaptou suavemente às suas novas funções capitalistas, e na América, onde, sendo rala a presença da aristocracia de sangue, a própria burguesia capitalista se investiu do ethos heróico-aristocrático, gerando uma nova casta kshatryia. Observo, de passagem, que essa transfiguração da burguesia americana em aristocracia – o fenômeno mais importante e vigoroso da história moderna – jamais teria sido possível sem a profunda impregnação cristã da nova classe, que fazia dela, em contraste com a farsa dos “intelectuais”, a herdeira parcial e longínqua, mas autêntica, da autoridade brâhmana.

Na doutrina hindu, não há jamais um governo shudra. Os shudra são, por definição, governados e não governantes. O sujeito pode nascer shudra mas ao ascender a funções de importância já é um “intelectual” (se Lula continuasse torneiro mecânico, seria apenas torneiro mecânico). O que pode haver é o governo dos intelectuais fazendo-se passar por vanguarda shudra e, é claro, oprimindo os shudra mais do que nunca, para que criem a base econômica de uma burocracia estatal ilimitadamente expansiva.

Economicamente, o governo shudra, ou socialismo, só tem existência verbal. Em 1921, Ludwig von Mises deu a demonstração cabal de que a economia totalmente estatizada é inviável e de que, portanto, todo regime autonomeado socialista nunca passaria de um capitalismo disfarçado sob a carapaça de ferro da burocracia estatal. A história não cessou de lhe dar razão desde então.

Dessa breve exposição é possível tirar algumas conclusões que a experiência histórica comprova abundantemente:

1. Onde quer que a burocracia estatal se torne a via predominante de ascensão social, como aconteceu na França do século XVIII ou na Rússia do século XIX, a burocracia virtual tende a crescer indefinidamente e a tornar-se geradora de pressões revolucionárias. Muitas nações modernas aliviam essas pressões criando um número indefinido de sinecuras culturais e universitárias para integrar e “oficializar” de algum modo a burocracia virtual, mas isso, por um lado, é um paliativo caríssimo, que só pode ser custeado por um capitalismo pujante, o que supõe, precisamente, que a Revolução seja abortada em tempo; por outro lado, a burocracia virtual oficializada pode se satisfazer por algum tempo com suas novas funções na sociedade capitalista, mas a ascensão social mesma acabará por torná-la ainda mais presunçosa e arrogante. Isso explica que precisamente nas nações onde os intelectuais têm as melhores condições de vida eles sejam os mais rancorosos inimigos da sociedade que os nutre e lisonjeia, mas em compensação não consigam ou talvez nem queiram desferir o golpe mortal nessa sociedade, limitando-se a constituir um fator de corrosão estrutural permanente, neutralizado, no conjunto, pelo progresso técnico e pelo crescimento capitalista.

2. Onde a burocracia virtual ainda não perfeitamente oficializada tenha como principal veículo de integração social um partido político, esse partido, encarnando a seus próprios olhos ao mesmo tempo a suprema autoridade intelectual e os direitos de todas as vítimas reais ou imaginárias da injustiça social, se colocará necessariamente acima das leis e instituições, arrogando-se todos os direitos e todas as virtudes e não reconhecendo julgamento superior ao seu.

3. Toda esperança de integrar esse partido no processo democrático normal será repetidamente frustrada, pois ele jamais entenderá sua participação nesse processo senão como concessão temporária – e, em si mesma, repugnante – às condições que impedem a consecução dos seus objetivos.

4. A consquista do poder total será sempre o objetivo e a única razão de ser desse partido, que tentará toda sorte de golpes de Estado e ao mesmo tempo verá como golpe de Estado qualquer tentativa, por mais tímida e limitada, de impedi-lo de chegar a seus objetivos. Exemplos não faltam no Brasil. O mais recente é aquele em que os líderes do partido dominante pregam abertamente a resistência violenta a uma possível derrota nas eleições, ao mesmo tempo que denunciam literalmente como “golpe de Estado” a simples revelação jornalística do dinheiro que usaram num truque sujo contra o adversário (vejam a maravilha de retórica invertida em http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/394501-395000/394778/394778_1.html).

5. Como a função primordial do partido revolucionário, por baixo dos mais variados pretextos ideológicos, é justamente criar um Estado burocrático para servir a seus próprios membros, é normal e inevitável que esse partido, uma vez investido do poder estatal, encare o Estado como sua propriedade, usando-o para seus próprios fins e não vendo nisso a menor imoralidade. A burocracia virtual é sociopática por nascimento e por definição; e sua forma de governo, tão logo tenha as condições de implantá-la, é e será sempre a sociopatia organizada.

6. A afinidade do partido revolucionário com o banditismo comum é algo mais que conjunção temporária de interesses. Na perspectiva da burocracia virtual, o único mal no mundo é ela não ter o poder absoluto, é existir uma sociedade que a transcende e não a obedece. Todos os outros males, se enfraquecem essa sociedade e favorecem a conquista do poder total pelo partido revolucionário, são bens. A auto-idolatria solipsística do chefe de gangue e a do líder revolucionário são exatamente a mesma, com a leve diferença do requinte intelectual um pouco maior a favor desta última. É ridículo dizer que um partido como o PT “se transformou” numa quadrilha de delinqüentes. Ele nasceu delinqüente.

7. A insistência dos adversários em fazer de conta que esse partido pode participar honradamente do processo político normal levará sempre a condições de “guerra assimétrica”, em que um dos lados terá todos os encargos, e o outro todos os direitos.

***

PS – Para aqueles que tiveram a infelicidade de nascer membros da burocracia virtual, só há três caminhos de vida possíveis: (1) integrar-se na farsa revolucionária e sair alardeando que são benfeitores da humanidade; (2) cair para a marginalidade, a doença mental, a autodestruição ou o banditismo; (3) compreender sua situação histórica, lutar para escapar a uma condição social essencialmente farsesca e para adquirir, por meio do estudo e da autodisciplina espiritual, a dignidade do verdadeiro estatuto brâhmana, o que implica renunciar a todo poder político e a todas as vantagens psico-sociais da participação na intelectualidade revolucionária. Economicamente, sobreviver da atividade intelectual fora do esquema revolucionário de proteção mútua é um desafio temível.

Para os que nasceram váishyas, o desafio é resistir ao canto-de-sereia revolucionário e impor o capitalismo como modo de vida moralmente superior. Isto não é possível sem o cultivo da disciplina kshatryia e a aceitação dos encargos heróicos de uma nova casta nobre, o que implica a absorção, mesmo longínqua, do legado brâhmana. A luta no mundo moderno é entre os váishyia e os burocratas virtuais – isto é, entre aqueles que alimentam o Estado e aqueles que se alimentam dele. Se os primeiros se deixam hipnotizar pela cultura revolucionária, estão liquidados, e, com eles, os shudra, que perdem o estatuto de trabalhadores livres para ser escravos da burocracia comunista.

Sociopathy and Revolution

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, October 23, 2006

Modern social science, with all its presumption and arrogance, has failed to bring forth any discovery that ever approached, in accuracy and explanatory power, the Hindu doctrine of the four castes, whereof the Marxist conception of class struggle is but a remote and caricatural imitation, hence deriving whatever impression of truthfulness that it may make upon the foolish mind of the university “intellectual proletariat.”

For anyone who has taken the trouble to make a little study of the Hindu explanation of the historical process, it is impossible, on observing the sequence of power structures that succeed one another throughout Western history, not to notice that it exactly repeats the transition from the rule of brahmanas to that of kshatriyas, from this to the rule of vaishyas, and from this to the misrule of shudras and the confusion of pariahs which foreshadows either the end of society or the return to the initial order.

Here I shall briefly summarize that doctrine, not as it stands in its pure original formulation, but in my adaptation of it, in courses and lectures delivered since 1980, intended to make it more flexible as an explanatory instrument of more recent historico-cultural processes.

The brahmanas are the intellectual caste, intent on the search of spiritual knowledge and on the construction of a social order that more or less reflects “the will of God”—the laws determining the entire structure of reality.

The kshatriyas are the warriors and aristocrats, who over the structure of reality place the glorification of their own dynastic traditions and the expansion of their military power.

The vaishyas are the bourgeois and merchants. In everything they seek profit and economic efficiency, which they illusorily take as an actual power, ignoring the military and spiritual bases of society and in the end being swiftly destroyed by the shudras. These are the “proletarians,” in the Roman sense of the term. Incapable of governing themselves, they matter only because of the power of the many, because of the quantitative extension of the “offspring.”

The brahmanas fall because of their difficulty in remaining faithful to their original spiritual intuition, entropically crumbled into ever more insoluble and violent doctrinal disputes of a stifling artificiality.

The rise of aristocratic power, with the formation of modern nation states, started directly out of the need to appease religious conflicts by means of an external, political-military force.

The kshatriya government falls because the aristocratic-military establishment is essentially an expansionist and centralizing power, which must rely on an ever-growing bureaucracy whose officials it cannot keep up providing indefinitely, therefore having to collect them from among the most talented members of both lower castes, who are to be given necessary training for the exercise of their new functions in the administration, in the judiciary, in the foreign service, etc. Hence the origin of the modern “intelligentsia,” as a byproduct of an educational system designed to shape officials for the state: once the state bureaucracy is consolidated as a means of social ascent, candidates for it are always in greater number than the positions available, while, at the same time, schooling, itself an instrument of selection, must necessarily reach much more students than those to whom it can secure positions in the civil service. The bureaucracy with which the kshatriya state controls society thus becomes a time bomb. On the one hand, it goes without saying that the bureaucratic intelligentsia soon lays hold of the effective control of the state, dreaming of shaking off its shoulders the yoke of an increasingly idle and costly aristocratic caste. On the other hand, there is the throng of those rejected. Their ambitions were aroused by schooling, frustrated by job selection. They make up the contingent of what I have called “potential bureaucracy”—the growing army of those individuals with some training but no role. Their only possible place in society is within the state, but the state has no room for them. They are the revolutionary class par excellence, the leading character in the adventure of modern times. Before long they will be dreaming of a state that is molded to their needs. Until they manage to create it, they busy themselves with endlessly chattering about all matters, thus spreading their rancor and their frustrations throughout society and, above all, adorning themselves with the prestige of the ancient brahmanas, of whom they constitute the inverted caricature. The “intellectuals” are the lay clergy of the Revolution. If you have ever heard of PT, the Brazilian Workers’ Party, you know what I am talking about. Further on I shall come back to it.

On the other hand, the aristocratic state causes much expense and cannot sustain itself indefinitely with the resources from a traditional and artless agrarian economy; the economic expansion requires the mobilization of specific skills which are those of the vaishyas. Bankers and industrialists furnish the state with a new economic basis, by regimenting shudramanpower in proportions never dreamed of before and by replacing the ancient agrarian economy with modern capitalism.

It is at this moment—and under this aspect only—that the difference between two systems of ownership of the means of production becomes historically determinative, creating a peculiar situation which Karl Marx will misleadingly project on the whole course of history. But it is also clear that the rise of capitalism, in itself, presents no risk to the aristocratic class, which easily adapts to the new ways of amassing riches and, by means of marriages and the award of titles of nobility, integrates into its ranks the new rich who ascended without ancestral nobility, sine nobilitate (s. nob. for short, hence the term “snob”). To this adaptation there corresponds, politically, the transition from the absolute monarchical state to the modern parliamentary monarchy, a process that does not have to be violent or traumatic, this being the case only in France because the excessive growth of state bureaucracy had fatally occasioned an even greater growth of the “potential bureaucracy” and had turned into sheer revolutionary rancor the frustrated ambitions of the intelligentsia. This very intelligentsia is what brought about the revolution. There was not a single capitalist among the revolutionary leaders, and the bourgeoisie, as was seen in England, never needed any revolution to climb the social scale up to a status to which it was insistently invited by the aristocracy itself. The concept of “bourgeois revolution” is one of the greatest frauds in the history of the social sciences. The elements in the potential bureaucracy, in turn, cannot be defined economically. Their only common trait was the education which distinguished them from the masses. They came from all classes—the peasantry, the old clergy, the petty bourgeoisie, the impoverished sectors of the aristocracy itself. Theirs was not a unity of origin, but of social station and ambitions. The true formula of their unity lay in the future: in the image of the perfect state, invested with all the virtues which they themselves thought to embody. Living off a self-glorifying fantasy, a psychological compensation for their vexatious social position, it is no wonder that they conceived of themselves as inheritors of the intellectual authority of the brahmanas but also imagined that they were the natural successors to the Church as spokesmen and keepers of the poor and oppressed, namely the shudras. Everywhere they speak on behalf of “science,” but also of “social justice.” They imagine that they embody at the same time the highest spiritual authority and the downtrodden rights of the lowest caste. But just as there was no bourgeois in the vanguard of the “bourgeois revolution,” there shall be no proletarians among the leaders of the “proletarian revolution.” The entire revolutionary sociology is an ideological fraud destined to cover up the power of the “intellectuals.” These are not a caste. They are an interface accidentally born of the cancerous swelling of the bureaucracy, and for this very reason they will fight to make it grow even more wherever they have acquired the means to do so. They are, strictly speaking, pariahs—a confused, deluded mixture of fragments from the speech of the various castes. They are the pseudo-caste, with neither function nor axis, sociopathic by birth and calling.

The rise of the capitalist bourgeoisie is not a revolutionary process. It is a long, complicated process of absortion and adaptation. French capitalism was born weakly and has remained stunted because of the Revolution, which came along with the bureaucratic expansion and has continued to live off it until today, in a nation that is the paradise par excellence of “intellectuals.” Capitalism rather developed in England, where the aristocracy smoothly adapted to their new capitalist functions, and in America, where, the presence of the aristocracy of blood being sparse, that same capitalist bourgeoisie invested itself with the heroic-aristocratic ethos, generating a new kshatriya caste. I must observe in passing that this transfiguration of the American bourgeoisie into aristocracy—the most important and vigorous phenomenon in modern history—would never have been possible without that profound Christian impregnation of the new class which rendered it, in contrast to the farce of the “intellectualls,” the partial, distant, but authentic heir to the brahmana authority.

In the Hindu doctrine there is never a shudra government. The shudras are, by definition, the ruled and not the rulers. A guy may have been born a shudra, but on ascending to positions of importance he is already an “intellectual” (if Lula continued to be a lathe operator, he would be just a lathe operator). What there can be is the government of intellectuals passing themselves off as the shudra vanguard and, of course, oppressing the shudra more than ever to make them form the economic basis of a boundlessly expansive state bureaucracy.

Economically, the shudra government, or socialism, has verbal existence only. In 1921 Ludwig von Mises thoroughly demonstrated that the completely nationalized economy is infeasible and that therefore every self-styled socialist regime would never be more than a capitalism disguised under the iron armor of state bureaucracy. History has not ceased to prove him right ever since.

From this brief exposition it is possible to draw some conclusions that historical experience abundantly proves:

1. Wherever state bureaucracy becomes the predominant way of social ascent, as in eighteenth-century France or in nineteenth-century Russia, the potential bureaucracy tends to grow indefinitely and become a generator of revolutionary pressures. Many modern nations alleviate these pressures by creating an indefinite number of cultural and academic sinecures in order to integrate and somehow “officialize” the potential bureaucracy, but, on the one hand, this is a very expensive palliative, one that can only be afforded by a powerful capitalism, which precisely presupposes that the revolution be aborted in time; on the other hand, the members of the officialized potential bureaucracy may for a while be satisfied with their new roles in capitalist society, but social ascent itself will eventually make them even more presumptuous and arrogant. This explains why it is precisely in those countries where intellectuals have the best living conditions that they are the most resentful enemies of the society which fosters and flatters them while, by compensation, they are unable or perhaps unwilling to deal this society the final blow, confining themselves to constituting a permanent structural corrosive agent which on the whole is neutralized by technical progress and capitalist growth.

2. Where a potential bureaucracy as yet not perfectly officialized holds in possession a political party as its main vehicle of social integration, this party, embodying in its own eyes both the supreme intellectual authority and the rights of every real or imagined victim of social injustice, will necessarily place itself above the laws and institutions, arrogating to itself every right and every virtue and acknowledging no higher judgment than its own.

3. Every hope of integrating this party into the normal democratic process will be repeatedly frustrated, for it will never construe its participation in this process but as a temporary concession—in itself repulsive—to those conditions which preclude the attainment of its goals.

4. The conquest of total power will always be the goal and the single raison d’être of this party, which will attempt all sorts of coup d’état and at the same time will regard as a coup d’état any attempt, however timid and limited, to prevent it from reaching its goals. Examples of it abound in Brazil. The latest one is that in which the leaders of the ruling party openly preach violent resistance to its possible election defeat, while literally denouncing as a “coup d’état” the simple journalistic disclosure of the money that they used in a dirty trick against their opponent.

5. Since the primordial function of the revolutionary party, beneath the most diverse ideological pretexts, is exactly to create a bureaucratic state to serve its own members, it is normal and inevitable that this party, once invested with state power, should regard the state as property of its own, using it for ends of its own without finding the least immorality in it. The potential bureaucracy is sociopathic by birth and by definition; and its form of government, as soon as there are conditions for it to be established, is and will always be organized sociopathy.

6. The affinity between the revolutionary party and common banditism is something more than a temporary conjunction of interests. From the perspective of the potential bureaucracy, the only evil in the world is that it does not have absolute power, is that there is a society that transcends it and obeys it not. Every other evil, if it weakens this society and facilitates the conquest of total power by the revolutionary party, is a good. The solipsistic self-idolatry of the gang boss and that of the revolutionary leader are one and the same, with the slight difference that there is a little bit of intellectual refinement in favor of the latter. It is ridiculous to say that a party like PT “has turned” into a gang of delinquents. It is a born delinquent.

7. The insistence of opponents on pretending that this party can honorably participate in the normal political process will always lead to conditions of “asymmetrical warfare,” in which one side will have all the duties, and the other all the rights.

*

PS—Those who have had the misfortune of being members by birth of the potential bureaucracy cannot pursue but three courses of life: (1) integrate into the revolutionary sham and brag everywhere that they are benefactors of mankind, (2) fall into marginality, mental illness, self-destruction, or banditism, (3) understand their historical situation and struggle to escape from an essentially grotesque social condition and to acquire through study and spiritual self-discipline the dignity of the true status of brahmana, which implies renouncing all political power and every psychosocial benefit of participating in the revolutionary intelligentsia. Economically, to make a livelihood from intellectual activity outside the revolutionary scheme of mutual protection is a formidable challenge.

The challenge to those who were born vaishyas is to resist the siren song of revolution and to impose capitalism as a morally superior way of life. This is impossible without the cultivation of the kshatriya discipline and without the acceptance of the heroic burdens of a new noble caste, which implies the absorption, even if slight, of the brahmana legacy. The struggle in the modern world is between vaishyas and the potential bureaucrats—that is, between those who feed the state and those who feed upon it. If the former let themselves be hypnotized by revolutionary culture, they are finished, and with them the shudras as well, who lose their status of free workers and become slaves of the Communist bureaucracy.

Translated by Alessandro Cota and Bruno Mori

Adendo ao resumo didático

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de outubro de 2006

Toda a cúpula petista se formou lendo Marx, Lênin, Trotski, Mao, Che Guevara, Antonio Gramsci, e nem uma palavra contra. Passaram a vida intoxicando-se de esquerdismo e nada enxergam fora do horizonte consagrado da sua mitologia grupal. O domínio que têm da cultura revolucionária contrasta brutalmente com sua radical ignorância do pensamento conservador, ignorância que lhes permite inventar uma direita por mera inversão mecânica de seus próprios estereótipos e investir suas melhores energias no combate a essa miragem.

Em última análise, eles nada têm feito nos últimos trinta anos senão arrombar portas abertas, sob os aplausos e a proteção paternal da classe que alardeiam combater. Críticas e acusações, quando lhes vêm, vêm da própria esquerda, com o cuidado meticuloso de ater-se a pontos específicos que não maculem a honorabilidade do esquerdismo enquanto tal. Combate ideológico, não sofrem nenhum. Devem seu sucesso à ausência de inimigos, exceto os nascidos das suas próprias fileiras. A lenda do assédio direitista serve-lhes como vacina contra a percepção de que todos os seus fracassos advêm de sua própria inépcia e não de alguma resistência exterior. Fugindo de uma autoconsciência deprimente por meio do ódio a um objeto imaginário, sua mentalidade é uma mistura quase inconcebível de astúcia maquiavélica e ingenuidade pueril, aterrorizada por fantasmas de sua própria fabricação. Conseguem criar planos estratégicos de requintada complexidade, ludibriando suas vítimas durante décadas, mas quando pegos com as calças na mão saem-se com evasivas de meninos de escola, tão rudimentares que dão pena. Passam da vociferação autoritária aos gemidos de autopiedade com a rapidez do fingimento histérico, que só não dá na vista deles próprios.

São falsos até à medula, mas seus críticos esquerdistas são piores ainda. O PT, quando subiu ao poder sobre os escombros das reputações destruídas pelo seu moralismo acusador, montando ao mesmo tempo uma máquina de roubar mais ambiciosa e voraz do que mil Anões do Orçamento, não fez senão seguir a fórmula clássica de Lênin: corromper o capitalismo para acusá-lo de corrupto (e ainda financiar a propaganda anti-roubo com dinheiro roubado). Isso é de um realismo inatacável e, dentro da moral comunista, perfeitamente obrigatório. O antipetismo de esquerda, ao fingir-se de indignado com a roubalheira oficial, quer nos fazer crer que pode e vai operar a transição revolucionária para o socialismo dentro da mais estrita obediência à moral e às leis do Estado burguês. O PT, quando fazia essa mesma promessa, sabia que mentia. Tanto que já ia preparando os futuros mensalões e waldomiragens. Era desonesto para com o Brasil inteiro, mas honesto para com o compromisso leninista. Já os psóis da vida são tão falsos intrinsecamente, tão desprovidos do senso da verdade, que prometem o impossível com perfeita sinceridade subjetiva. Por isso mesmo não se vexam de explicar como traição àquele compromisso o que foi na verdade a sua implementação fiel. Se há algo de que o PT está inocente, é de infidelidade à estratégia comunista.

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